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Optchá! Hoje é dia de Santa Sara Kali, a padroeira dos ciganos
A cena retratada é uma cena doméstica da paisagem urbana carioca.
A imagem intitulada “Interior de uma casa de ciganos”, uma litografia de Thierry a partir de um desenho original de Jean Baptiste Debret (1768-1848), datada de 1823, só veio a público, anos depois, quando Debret já havia deixado o Brasil. Esta como outras iconografias do autor foram reunidas no álbum Voyage pittoresque et historique au Brésil, editado pelos irmãos Firmim Didot, em três tomos sucessivamente nos anos 1834, 1835 e 1839. Esta litografia pertence ao segundo tomo, onde o artista ilustra hábitos e costumes brasileiros, construindo um retrato da sociedade fluminense segundo a sua perspectiva.
A cena retratada é uma cena doméstica da paisagem urbana carioca: lavadeiras, ciganas ricamente trajadas, ao fundo, escravizados na senzala e, em segundo plano, recebendo castigos corporais. A associação entre ciganos e escravidão é clara. De fato, com a instalação da Corte Portuguesa no Rio de Janeiro e as mudanças políticas e econômicas que isto trouxe, principalmente a interiorização da metrópole, proporcionou a ascensão socioeconômica de alguns grupos ciganos, principalmente os comerciantes de escravos. Os ciganos, estabelecidos na região do Campo de Santana, no Valongo e onde é hoje a Praça Tiradentes (Campo dos Ciganos) no Rio de janeiro, aproveitavam-se do espaço no mercado de escravizados atendendo a plantéis menores, estendendo o comércio para o interior do país, em Minas Gerais. Os ciganos exerciam as mais diversas profissões, além de “ler a sina” (leitura de mãos), principalmente no trabalho com metais (caldeireiros, ferreiros, latoeiros e ourives), e no comércio de cavalos. Atuavam também como oficiais de justiça (meirinhos), o que se tornou uma tradição entre esse grupo no Rio de Janeiro.
A marginalidade social e a mobilidade geográfica tornaram o estudo deste grupo étnico muito difícil. O que sabemos é que, na sua maioria, os ciganos vieram de Portugal como degredados e perseguidos pela inquisição. Primeiro para o Maranhão, no século XVI, e depois no século XVII, durante o reinado de D. João V, quando os ciganos foram muito perseguidos. Os que vieram de Portugal pertencem ao grupo Calon. Oriundo da Península Ibérica migraram para outros países europeus e para a América, é o grupo mais numeroso no Brasil. Outros dois grupos vieram para o Brasil, mas em menor escala: os Rom, vindos da Europa Central e Balcãs, de onde migraram a partir do século XIX para o leste da Europa e América; os Sinti, vindos principalmente da Alemanha, Itália e França.
Dos ciganos no Brasil sabemos muito pouco, até hoje. Entre o estigma e o fascínio, ainda prevalece a imagem dos ciganos como desclassificados, supersticiosos, imisturáveis, ladrões de crianças, com uma ótica depreciativa sobre seus hábitos e costumes; ao mesmo tempo, um povo amante da liberdade, mágicos e misteriosos. Vinculados a um conjunto de estereótipos, predominantemente negativos, os ciganos foram historicamente identificados como tendo uma natureza “perigosa”. O cotidiano cigano sempre esteve associado à imagem que se construiu deles. Daí a dificuldade de inserção social. Não existem dados demográficos sólidos sobre os ciganos no Brasil, há muito pouco tempo foram incluídos no censo. O seu reconhecimento como minoria étnica só se deu com a Constituição de 1988 e as discussões sobre a inclusão dos ciganos aos direitos sociais só se deu a partir de 2002. Um marco importante foi a instituição do Dia Nacional do Cigano, comemorado em 24 de maio, em homenagem à sua padroeira Santa Sara Kali, em 2006. A partir daí a criação do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial e a publicação de uma cartilha de direitos da cidadania cigana abriu um espaço para a inclusão em políticas públicas e afirmação da sua identidade cultural de seus grupos.