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*Por Juliana Bride e Andréa Barboza
O lugar do primeiro curso de Biblioteconomia do Brasil
Mais um 12 de março se aproxima no calendário e, uma vez mais, comemoramos com muito brio a data que agracia o bibliotecário. Figura essa que vem atravessando os séculos cumprindo com seu desígnio, sendo lembrado por prestar amparo na caminhada pelas labirínticas bibliotecas.
Há tempos o homem vem construindo o seu estoque de lembranças, que perpassa da argila ao papel, contabilizando inúmeros registros em suas mais diversas formas. A existência de registros condicionou o homem a instituir a biblioteca, uma instituição capaz de armazenar e organizar toda a informação produzida, permitindo assim encontrar o que se deseja. Contudo, o desenvolvimento das bibliotecas contou com um personagem que se fez fundamental em todo o processo, o bibliotecário. Profissional este que atravessou gerações, passando pelas mais diversas personalidades, desde o pensador erudito ao profissional especializado. Deste modo, muito antes de serem criadas as instituições superiores de ensino já existiam os bibliotecários como agentes mediadores da informação.
A instituição biblioteca se consolida no Brasil no período Colonial, inicialmente, com os Jesuítas no século XVI em suas instituições de ensino sendo, pouco a pouco, instaladas também nos conventos de outras ordens como dos Franciscanos e Beneditinos, formando junto delas a figura do bibliotecário no território brasileiro.
A Biblioteca Nacional do Brasil, vem aparecer alguns séculos depois com a vinda da Família Real Portuguesa e sua corte, já no século XIX, quando trouxeram consigo, em algumas remessas, o acervo da Real Biblioteca. A primeira remessa do acervo chegou ao Brasil em 1808, e em 1810 passou a ocupar as instalações do Hospital da Ordem Terceira de modo que ficasse próximo ao Paço Imperial. Uma vez instalada, não parou de crescer e de se multiplicar, o que a levou, em 1858, a um novo endereço, no Largo da Lapa. A contínua crescente de seu acervo e da população letrada, exigia dela uma espaço mais amplo, que proporcionasse um acondicionamento apropriado tanto para o acervo quanto para o público. Então, em 1910 a Biblioteca Nacional se transfere para Avenida Rio Branco, para seu novo e definitivo prédio.
A história Biblioteca Nacional (BN) traz consigo, entrelaçada, a história da formação do primeiro curso de biblioteconomia do país. A constituição do curso foi ansiada por grandes diretores que estiveram à frente da BN tão logo, versar sobre o curso é também versar sobre a história da Biblioteca Nacional, seus personagens e memórias.
A composição dos profissionais bibliotecários se inicia quando em 1879 o médico Benjamim Franklin de Ramiz Galvão, enquanto diretor da instituição formulou o primeiro concurso público com o intuito de selecionar bibliotecários, até então denominados oficiais de biblioteca, estabelecendo assim o marco inicial da formação do profissional bibliotecário no Brasil.
O curso, propriamente dito, veio a se consolidar por meio do esforço e empenho de outro diretor da instituição, o advogado e bibliófilo Manoel Cícero Peregrino da Silva. O diretor esteve à frente da instituição em dois períodos distintos, 1900-1915 e 1919-1921, sendo o primeiro de grande importância e influência para o curso. Em seu primeiro relatório, reclamava um edifício novo e compatível à biblioteca que, até então, vinha sendo acomodada em prédios adaptados e sugeria ainda, aulas ministradas pelos Chefes de Seção. Em seu relatório de 1902 Manoel Cícero Peregrino da Silva, sinaliza ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores, o Sr. Dr. José Joaquim Seabra, que seu antecessor havia acolhido suas demandas, entre as quais “o estabelecimento das conferências pelos chefes de seções como um primeiro passo para a criação do Curso de bibliotheconomia” (Silva, 1903, p. 365). O objetivo por trás da implantação de um Curso era capacitar profissionais para atuar na BN. Alguns anos depois as sugestões propostas em seu primeiro relatório foram atendidas, trazendo para a biblioteca seu novo e definitivo edifício. Na medida em que o acervo foi acomodado no novo prédio, entra em vigor o decreto 8.835 de 11 de julho de 1911, prevendo na instituição a criação do primeiro Curso de Biblioteconomia, da América Latina.
Os anos iniciais do curso foram frustrados por falta de professores e posteriormente por falta de inscritos que, em sua grande maioria, eram funcionários da biblioteca que estavam ainda se adaptando às mudanças ocorridas na instituição no ano de 1910. A situação só muda em 1915 quando o curso apresenta contingente significativo para formar a primeira turma, composta por 26 alunos e então seguir sua trajetória.
Uma vez instaurado o curso na Biblioteca Nacional uma pergunta se faz, em seu suntuoso prédio, onde estava localizado o curso de biblioteconomia? Mas afinal, em que parte do prédio da BN foi localizado o Curso de biblioteconomia? Muitos já ouviram falar que o primeiro Curso de Biblioteconomia do Brasil surgiu nos porões da Biblioteca Nacional, mas pouco se sabe de concreto sobre esse lugar.
Ao buscar pela memória da instituição, nos Anais da Biblioteca Nacional, encontrou-se um relatório de 1911 redigido pelo então diretor, Dr. Manoel Cícero Peregrino da Silva, no qual retratava o edifício construído para ser a definitiva sede da Biblioteca Nacional. Neste documento, descreve o mobiliário do novo prédio e apresenta cada andar com seus detalhes arquitetônicos, precisando as seções pelos andares, bem como descreve onde estaria localizado o Curso de Biblioteconomia. Naquele momento, era previsto que o curso ocorresse no primeiro andar, ou seja, no pavimento que se tem acesso ao adentrar pela portaria da Av. Rio Branco. “Passando ao 1° andar, encontra-se no vestíbulo à esquerda a portaria e à direita um posto de informações e entrega de publicações recebidas do estrangeiro [...] Na outra ala ficaram o salão de conferências, a sala destinada ao curso de Biblitheconomia e o gabinete de moedas e medalhas” (Silva, 1911, p.392). Mais a frente o autor descreve o piso térreo “Ficaram no porão, à esquerda as officinas graphicas e de encadernação, à direita o depósito de publicações e o serviço de permutações internacionais [...] e a entrada de serviço” (Silva, 1911, p.393). Ao analisar os trechos, podemos observar que o pavimento térreo, naquele período, era considerado porão, assim denominado possivelmente pelo fato deste estar abaixo do piso principal.
Em 1937, uma carta elaborada pelo engenheiro do Serviço de Obras do Ministério da Educação e Saúde pelo arquiteto do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) e enviada ao Ministro Gustavo Capanema, é apresentado um projeto para realização de reforma no prédio da BN no qual se prevê que o Curso de Biblioteconomia fosse alocado no 2º andar (atualmente considerado 3º andar), na ala esquerda do prédio. Entretanto, não se encontrou evidências de que o Curso tenha ocupado esse espaço em algum momento.
Recentemente foram identificadas as plantas baixas da Biblioteca Nacional, entre as quais a que ilustra essa publicação, produzidas na década de 1950 que se tornam fortes indícios, capazes de esclarecer sobre localização do Curso de Biblioteconomia e suas dependências. Por meio destas plantas é possível identificar que o curso está localizado no andar térreo, também chamado de porão naquele período e que hoje é ocupado pelo espaço cultural Eliseu Visconti e o auditório Machado de Assis. (As plantas estão sob a guarda da Iconografia e podem ser acessadas no link: https://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_iconografia/icon1662463c/icon1662463c.pdf)
Na foto abaixo (Álbum, 1911, foto 2) podemos identificar a porta que existe até hoje e que dá acesso aos dois espaços pelo jardim, porém, naquele período o acesso se dava pela portaria da Rua México, uma vez que a mureta que circunda o pátio (atual jardim) não possuía abertura de acesso.
Biblioteca Nacional: fachada posterior (Arquivo Biblioteca Nacional - http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_iconografia/icon393014/icon393014.pdf)
Outro fator que corrobora para que o andar térreo fosse considerado porão é a diferença de pé direito, visível na foto citada. Não foi possível identificar em que momento o Curso de Biblioteconomia desceu para o andar térreo, mas essas plantas nos trazem a informação precisa da última localização do curso dentro da Biblioteca Nacional.
Referências:
ÁLBUM contendo 40 fotografias da B.N. Rio de Janeiro, RJ: Offic. Graph. da Bibliotheca Nacional, 1911. 40 fotos, gelatina, pb, 18,5 x 25,8 cm. Disponível em: http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_iconografia/icon393014/icon393014.htm. Acesso em: 15 fev. 2024.
MILANESI, Luís. Biblioteca. Ateliê editorial, 2002.
REIS, M. B.; CARVALHO, K. de. MISSÃO DO BIBLIOTECÁRIO: A VISÃO DE JOSÉ ORTEGA Y GASSET. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, [S. l.], v. 3, n. 2, p. 34–42, 2008. Disponível em: https://rbbd.febab.org.br/rbbd/article/view/63. Acesso em: 20 fev. 2024.
SILVA, Manoel Cícero Peregrino da. Relatório 1902. In: Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio De Janeiro. Rio de Janeiro: G. Leuzinger & Filhos, 1902. p.309-366. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/402630/30201. Acesso em: 15 fev. 2024.
SILVA, Manoel Cícero Peregrino da. Relatório 1910. In: Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio De Janeiro. Rio de Janeiro: G. Leuzinger & Filhos, 1911. p.368-397. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/402630/26083. Acesso em: 14 fev. 2024.
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Memórias da biblioteconomia: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. YouTube, 22 set. 2016. 30min31s Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=hQUy1KMZ4G8>. Acesso em: 14 fev. 2024.