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O desmonte do Morro do Castelo
Vista do Morro do Castelo, tomada do Palácio de festas, de Augusto Malta - 1922.
Em 2020, completam-se 100 anos do início da reforma urbana, implementada pelo prefeito Carlos Sampaio (1920-1922), responsável pelo desmonte total do Morro do Castelo. Ao assumir a prefeitura do Distrito Federal, em 1920, Carlos Sampaio deu continuidade à reforma iniciada por Pereira Passos, alguns anos antes, e, sob a égide da modernidade, assinou o decreto que deliberou o arrasamento do morro. A cidade preparava-se para a Exposição Internacional do Centenário da Independência, em 1922, e no espaço antes ocupado pelo Morro do Castelo ficariam instalados os pavilhões e os palácios da exposição, representando a busca pelo ideal moderno em contraposição ao que era considerado o atraso.
Desde meados do século XIX, o Rio de Janeiro enfrentava vários problemas urbanos, como a precariedade de habitações, problemas de abastecimento de água e saneamento, além das epidemias que assolavam a população. A reforma urbana do então prefeito Pereira Passos (1902-1906), nomeado pelo presidente Rodrigues Alves (1902-1906), pretendia modernizar e embelezar a capital, modificando a imagem que se tinha do país no exterior. Imbuída de uma visão higienista, a reforma ampliaria as ruas para uma maior circulação dos ventos e poria fim às habitações populares, consideradas insalubres, como medidas de saneamento e de prevenção de doenças, dentre outras medidas. A remodelação urbana era inspirada na reforma realizada pelo barão Georges-Eugène Haussmann, em Paris, no século XIX, com a construção de largas avenidas, e mudaria completamente a fisionomia da cidade. Um dos símbolos da reforma foi a inauguração da avenida Central (atual Rio Branco), em 1905. Um ano antes, ocorria a primeira demolição de parte do Morro do Castelo, passando a ter como limites os fundos da Biblioteca Nacional e a Escola de Belas Artes. Um dado curioso, na ocasião das obras de abertura da avenida Central, foi a descoberta de uma galeria, pela qual se chegaria a túneis subterrâneos, onde os jesuítas teriam escondido suas riquezas, ao serem expulsos por Marques de Pombal, em 1759, ajudando a alimentar uma crença, que existia há séculos, no imaginário dos habitantes da cidade. Por conta desses rumores, inclusive, causava certo temor à população a possibilidade de demolição do morro, minando a esperança de encontrar algumas dessas riquezas.
Representando o passado colonial do Rio de Janeiro, o Morro do Castelo faz parte da história de fundação da cidade. Foi onde se estabeleceram seus primeiros habitantes e governadores. Era onde estava a sede de sua primeira catedral, São Sebastião e a sepultura de Estácio de Sá. Entretanto, a partir do século XVIII, criou-se a ideia de que o Morro do Castelo era um empecilho para o crescimento urbano e o combate às epidemias, já que se acreditava que o morro dificultaria a circulação de ar e manteria os miasmas – emanações a que se atribuía a contaminação de doenças infecciosas e epidêmicas. No século XIX, havia outros planos de arrasamento do Morro do Castelo. Porém, foi somente no início do século XX que o desmonte seria concretizado. A segunda e definitiva demolição se iniciou em 1921 e se estendeu até 1922, tendo sido amplamente debatida por políticos e intelectuais da época.
Havia muitas controvérsias sobre o desmonte do Morro do Castelo, alguns se valiam dos argumentos da falta de higiene e do atraso que representava, e que devia acabar porque desfigurava a cidade carioca. Para outros, significava a destruição da própria memória da cidade. Um dos críticos de seu desmonte foi o escritor Lima Barreto, que escreveu um artigo, na revista Careta, de 28 de agosto de 1920, intitulado Megalomania, no qual chamava atenção para o descaso com a precariedade das habitações da população mais pobre, considerando que, por consequência, deixaria milhões de desabrigados. Havia ainda aqueles que questionavam o contrato firmado com a empresa para a execução do desmonte, que atendia a interesses particulares. A ânsia pela modernidade calou as vozes dissonantes e o morro foi por água abaixo literalmente, destruído por um sistema moderno, à época: os jatos d’água, restando apenas os registros de fotógrafos que testemunharam o arrasamento do morro, sobretudo Augusto Malta, fotógrafo oficial da prefeitura da cidade entre 1903 e 1936, que, por meio de suas lentes, capturou as mudanças do espaço urbano da capital, no início do século XX.
(Daniele Simas)