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O Brazil Afflicto: entre liberais e conservadores, um assassinato
O Brazil Afflicto
Muito já se estudou a respeito das facções políticas do Brasil durante o Primeiro Reinado, o Período Regencial e o Segundo Reinado. Grosso modo, o país era bipolar, dividido entre liberais e conservadores, certo? Sim e não. Cada grupo tinha divisões internas, que se modificavam com o passar do tempo. Além do mais, as contradições não eram poucas: havia muito conservador agindo como liberal e muito liberal agindo como conservador.
Segundo Alfredo Bosi, no artigo “A escravidão entre dois liberalismos”, homens públicos de diferentes esferas se desdobraram para defender o indefensável, o trabalho cativo, posto como indispensável tanto ao laissez-faire quanto à soberania nacional. Aprendemos bem demais a tática do colonizador. E acabamos sendo os últimos a abolir a escravidão, apesar das pressões internacionais. Ideologia: não só inevitável, questão de conveniência e contexto.
Com tais colocações em mente, como pensar o papel das fontes bibliográficas no preciso contexto em que foram produzidas? Conheçamos hoje a historia d’O Brazil Afflicto, um prato cheio em termos de intrigas políticas envolvendo a opinião pública, assim como os demais periódicos de seu gênero: os pasquins.
Lançado e redigido por Clemente José de Oliveira no Rio de Janeiro (RJ), em 20 de abril de 1833, no início do Período Regencial, O Brazil Afflicto foi um pasquim conservador, opositor à gestão liberal moderada que tomava conta do Império após a abdicação de Dom Pedro I. No campo das disputas políticas da época, o periódico era um “caramuru”: desejoso da restauração do primeiro imperador brasileiro, em linguagem escandalizada e discurso radicalmente contrário à Regência. Nelson Werneck Sodré, autor de “História da imprensa no Brasil”, qualificou o periódico de “violentíssimo”.
Em sua 12ª edição, de 9 de agosto de 1833, o pasquim cessou publicação. Motivo: o assassinato de seu redator. Outro periódico restaurador, O Soldado Afflicto, foi lançado a 19 de setembro de 1833, em repúdio ao assassinato do redator d’O Brazil Afflicto. Atribuindo a culpa do crime aos liberais moderados, qualificados como “sanguinários”, ou ainda “sicários moderados”, acusava caso semelhante ocorrido na Bahia e o assassinato (ou tentativa de assassinato) do redator d’O Raio da Verdade, pasquim conservador paraibano, apontando-se, nesse caso, o liberal Antonio Borges da Fonseca como mandante. O texto de abertura d’O Soldado Afflicto expunha, no calor do momento:
Esta capital foi testemunha do assassinato commettido pelo filho de um dos Regentes na pessoa do redactor do Brasil Afflicto, jornal escripto com valentia, e independência. Para desculpar-se o crime (se é que é possível desculpar-se tão horroroso attentado) fizerão publicar que aquelle escriptor havia insultado em sua folha a familia do assassino. Pedio-se que se indicasse o numero do Brasil Afflicto, onde se publicou o insulto. Não se podendo fazer, porque era falso; reccorreo-se ao estratagema de que em audiência de um juiz, dissera elle os insultos. (...) O caso é que snr Clemente era escriptor de uma das folhas mais independentes da capital. Tendo-se achado ligado com os snrs (Pedro de Araujo) Lima, e de mais consócios antes de sete de abril, tinha em sua mão documentos, com que podia provar até que ponto chegarão os planos parricidas e tenebrosos dos corifeos da facção detestável. Elles mesmo, segundo dizem, fora aquelle que recebera o punhal, que deverá deixar orphão o Brazil, cobrindo-o de luto, e de infâmia nos Annaes dos Povos Civilisados!!! (...) O snr. (Maurício José de) Lafuente que havia sido constante á cabeceira do redactor do Brasil Afflicto (...) havia ficado de posse dos interessantíssimos documentos (...).
Nelson Werneck Sodré, na obra supracitada, revela mais a respeito. Segundo o historiador, Clemente José de Oliveira foi morto (...) em consequência de suas ações, pelo filho do brigadeiro Francisco de Lima e Silva, então participando da Regência. O irmão do futuro duque de Caxias, sob cujas ordens serviria depois, em Minas e no Rio Grande do Sul, não teve meias-medidas no revide às injúrias do pasquineiro: matou-o a golpes de espada, em acontecimento que abalou a Corte. Acontecimento que não ficou sem repetição, desde que não ficaram também sem repetição as injúrias impressas, escritas não só da maneira mais livre e crua como atingindo pontos sensíveis da vida de pessoas destacadas nas atividades públicas. (p. 164)
Werneck Sodré define da seguinte forma alguns pasquins do início da Regência, “órgãos de xingamentos” e constrangimento marcados, a exemplo do O Brazil Afflicto e d’O Soldado Afflicto, por uma faceta mordaz, irônica e “virulenta”, independentemente de posicionamento político:
Um dos traços mais destacados na corrente nacional do pasquim foi, sem dúvida, o jacobinismo, ligado não apenas ao problema do comércio – com a reivindicação, reiterada e veemente, de sua reserva aos nascidos no país – mas ao problema político em que se jogou a sorte da dinastia, a posição de que era acusado o primeiro imperador, de estar a serviço dos portugueses e não dos brasileiros. (...) O jacobinismo traduziu-se nos títulos de jornais e pasquins que buscavam as fontes indígenas, de que foram exemplos O Tupinambá Peregrino, O Indigena do Brasil, O Tamoio, O Tamoio Constitucional, O Carijó, O Caramuru, tomando este o nome ao partido restaurador. Claro está que essa antecipação ao indianismo literário que se definiria adiante era colocação falsa, mesmo no aspecto formal em alguns casos. Assim, ficaram conhecidos como caramurus os que defendiam o retorno de Dom Pedro I, acusado entretanto de protetor dos portugueses. (p.165/166)
Naturalmente, pasquins de tendência restauradora eram radicalmente contrários às figuras do regente Diogo Antônio Feijó e de Evaristo da Veiga, beirando ao ódio.
(Bruno Brasil)