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Montanistas versus Orsatistas
Projeto do novo Theatro Lyrico, no Rio de Janeiro, em imagem de Marc Ferrez feita na década de 1880. Palco de vulto no século XIX, o Lyrico foi demolido em 1934, para construção de um estacionamento.
No início de 1851, na capital imperial, ou você era Jesuína Montani ou Leonor Orsat. Não podia ser ambas: tinha que escolher uma. E, se possível, criticar a outra. Tal era a realidade teatral da época: entre a elite carioca, em tempos em que o teatro comovia e mobilizava grande audiências, a disputa entre as atrizes mais destacadas do momento quase chegava às vias de fato. Isso podemos estudar na rica imprensa teatral dos séculos XIX e XX, presente no acervo da Biblioteca Nacional.
Não bastasse a grande imprensa daquele tempo sempre ter seus graúdos colunistas de teatro, inúmeros periódicos específicos sobre a arte cênica eram editados, a todo vapor. Em geral, pequenos e efêmeros jornais de 80 réis voltados ao programa teatral da capital, com divulgação de agenda cultural e, sobretudo, crítica de atores,companhias e espetáculos em cartaz. No caso da polêmica entre Montani e Orsat, jornais assim chegaram a ser fundados por intelectuais com a finalidade especifica de defender uma ou outra. A crítica teatral de grandes jornais diários da imprensa carioca, aliás, nãoguardou reservas: ninguém escondia orsatismos ou montanismos. Mas vamos nos ater aos pequenos jornais, que tinham menos papas na língua.
Parece que tudo começou com uma provocação a Leonor Orsat e seus admiradores publicada no glorioso jornal de variedades Periódico dos Pobres em meados de fevereirode 1851. Lançado ja em 24 de fevereiro de 1851, então, O Orsatista vinha a lume com sangue nos olhos. Nãotinha dó de órgãos “montanistas”, como Sentinella doTheatro, constantemente espezinhado em suas páginas,mesmo destino de O Estandarte e O Montanista, lançados respectivamente em março e maio do mesmo ano, com a finalidade explícita de rebater as investidas orsatistas. Curiosamente, O Montanista e O Orsatistaeram impressos pela mesma tipografia, de F. A. de Almeida, no nº 141 da Rua da Vala, que deve ter lucradohorrores com a querela. Outro jornal envolvido na polêmica foi O Corsário, levemente montanista, apesar de ter sido primeiro louvado, depois rejeitado pel’O Orsatista – e, no fim, odiado tanto pel’O Orsatista quanto pel’O Estandarte. Enfim. Uma confusão só.
Em sua epígrafe, em versos de A. F. de Castilho, O Orsatista dizia a que vinha: “Obrigam-me a desembainhar a espada para lh’a assentar de prancha nas costas... Deixal-a-hei nua sobre a mesa... A’ primeira provocacao... exterminei-os”. A coisa era séria. Seu texto de apresentação, intitulado “A Sra. Montani e os seus partidários”, botava alguns alguns pingos nos is:
Provocaram-nos; e o cartel desta provocação entalou-o alguém nas columnas do Periodico dos Pobres de 15 do corrente (fevereiro de 1851). Foi uma alentada e incisiva objurgatoria recheiada de insultos e impropérios contra a joven Leonor Orsat e seus partidarios. Temos ouvido que o cão póde ser leal a seu amo sem morder ao viandante que passa; porém o fabricante desse amontoado de asneiras torpes não o entende assim; e julgou esmagar a reputação da Sra. Orsat, pronunciando do alto do seu pelourinho o anathema condemnador! Até aqui os esbirros procuravam por suas palavras conciliar os dous partidos que hoje se agitam na imprensa, e no theatro; mas o despeito de se verem vencidos desesperou-os, e agora sicarios da imprensa occultam o punhal traiçoeiro das invectivas nas encruzilhadas de um jornal: as suas ideas de paz, mudaram-se em justiça de beduínos. (…) Não é á Sra. Montani que fazemos a guerra, é ao seu partido. É a dous ou tres fanfarrões que julgam aniquilar os seus contrarios, apresentando-se em publico com lenços encarnados ao pescoço fazendo alarde das suas mesmas fanfarronices! Parvos!
Seria injusto nao ouvirmos o outro partido. Chamemos ao ringue O Montanista.
Além de sua epígrafe ser uma frase retirada das páginas d’O Orsatista, para ser usada contra o mesmo – “Uma comica não vale a pena de uma discussão seria, quanto mais de uma resposta lithographada ás unhadas no rosto de um cidadão” –, o texto de abertura de seu nº 3, intitulado “Misério do Orsatista”, afirmava o seguinte:
Que obra bem acabada é esse canto de saudação, empregado pelo Orsatista, para festejar a apparição do Corsario! (…) O que traduzido significa: – Sr. Corsario, pedimos-lhe por compaixão nos cubra com o seu capote ensanguentado, para ver se assim o Montanista tem medo de nós! Ui! Oh! Miséria! Ora, Sr. Orsatista, não suppunhamos que V. S. se julgasse tão mesquinho, que necessario fosse pedir licença a um adversario para tratal-o de collega! (…) Creia, Sr. Orsatista, V. S. está na lama, desde que foi pedir amparo a um inimigo, confessando com esse seu vergonhoso procedimento, que não tem forças para bater-nos, e a esse inimigo desprezamos (…)
E já que se falava n’O Corsário, na edição seguinte, O Montanista traria um “Mimo” ao novo jornal, que vinha se juntar à encrenca: “Que eras ignorante, já o conheciamos há muito tempo: agora porém fortificaste a nossa opinião com tua resposta malcreada, e estupida, indigna de quem recebeu ainda a mais imperfeita educação. Braveja, detractor, braveja, infame!”
Só para constar: tanto o autor deste texto quanto a Biblioteca Nacional se eximem de tomar partido nessa briga. Paz.
(Bruno Brasil )