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Jornais manuscritos: testemunhos de outro mundo
O Mosquito : Orgão do Povo (RJ) – 1892 - edição 13
Atualmente, em face dos enormes avanços tecnológicos dos últimos tempos, pode ser difícil – ou, no mínimo, curioso – conceber que um jornal informativo possa ser manuscrito. No entanto, muitos jornais assim, escritos à mão, já existiram, ao longo da história: a Biblioteca Nacional calcula que tenha 22 títulos desse tipo em seus acervos. Frutos das necessidades dos contextos em que se encontravam, por vezes em comunidades isoladas, onde tudo faltava, inclusive leitores, tais documentos, hoje, dão conta de realidades onde os próprios hábitos de leitura diferem, com o passar do tempo. Se no Brasil os primeiros impressos datam de 1808, quando foi concebida a Imprensa Régia, única autorizada a imprimir e publicar, na Independência, tal restrição caiu, gerando uma verdadeira explosão de periódicos em diversas províncias. Escassez de tipografias, falta de profissionais qualificados e de conhecimento tecnológico, alto custo de material e de montagem, muita vontade de comunicar: tudo isso contribuía, então, para que jornais manuscritos e impressos coexistissem no país, ao longo do século XIX.
Um bom exemplo de jornal manuscrito é O Mosquito, um jornalzinho dominical escrito por José de Paula Assumpção, lançado por volta de novembro de 1891 na então cidade fluminense de São João Marcos. O leitor atento saberá que tal cidade não existente mais: foi demolida na década de 1940 para a construção da represa de Ribeirão das Lajes, em área hoje pertencente a Rio Claro (RJ), tombada como Parque Arqueológico e Ambiental de São João Marcos, voltado à preservação da história do Vale do Café. Dando conta de efemérides dessa extinta sociedade e de assuntos políticos de âmbito local e nacional, o rústico periódico era então distribuído gratuitamente, contando com “Collaboradores diversos”, dentre os quais, certo Francisco Rocha.
Além de artigos de opinião – colocações republicanas sempre favoráveis à figura do Marechal Deodoro da Fonseca, críticas porém ao governo recém-iniciado de Floriano Peixoto, ao engatinhar da República –, O Mosquito publicava croniquetas locais, curtas notícias de ordem informativa ou crítica, entrevistas, informes variados de utilidade pública, anúncios publicitários e mesmo boatos a respeito de figuras de São João Marcos ou de Mangaratiba. Em algumas ocasiões, o jornal manuscrito dava informações específicas a respeito de sua cidade: na página 3 de seu nº 35, de 18 de setembro de 1892, afirmava-se que, em “recenseamento feito em 30 de agosto do corrente anno, em todo o 1º districto d’esta cidade, verificou-se existir 6.922 almas, sendo homens 3.388 e mulheres 3.334”.
Via de regra, mesmo manuscritos, jornais do gênero de O Mosquito tentavam reproduzir o formato e a diagramação dos jornais tipografados. Sua desvantagem, naturalmente, era a tiragem: números consideráveis de exemplares exigiam, no caso, amanuenses, aqueles responsáveis por copiar manualmente cada edição, atuando, ocasionalmente, até como revisores de improviso. Um recurso para compensar a falta de reprodutibilidade técnica era a apresentação de notícias e opiniões em forma de verso, facilitando a memorização e o acesso ao receptor não letrado. Havia, nesse sentido, um intuito de difusão oral do que ali era escrito. Situado portanto entre as culturas oral e escrita, o jornal manuscrito oferece hoje uma imagem pouco ligada ao ideal de leitura introspectiva, em local quieto ou isolado. É fácil imaginar o jornalzinho de José de Paula Assumpção não como um hebdomadário distribuído regularmente a um corpo de assinantes, mas passado de mão em mão ou lido em voz alta em alguns dos lugares de interação social na São João Marcos de antanho: a paróquia local, a botica, o armazém, a delegacia... Bastaria um exemplar para cada um desses lugares. Outros tempos, outras realidades: outras formas de ler e de entender.
(Bruno Brasil – CPS)