Notícias
Lançamento | FBN publica “O Guia do viajante no Rio de Janeiro”
O Guia do viajante no Rio de Janeiro, de Alfredo do Vale Cabral, publicado pela primeira vez em 1882, traça os caminhos, o cotidiano e as marcas da mais icônica das cidades brasileiras. São várias camadas, entradas, percursos, personagens e monumentos. As três partes do Guia são profundamente dinâmicas, com toda a expressão do cosmopolitismo, do giro e da intensidade do Rio – cidade moderna e metropolitana antes disso virar moda no país.
A presente edição contempla algumas circunstâncias que reforçam a importância deste projeto. Por si, a redescoberta de uma peça no acervo da Biblioteca Nacional, o reforço sobre um material histórico e a importância da preservação do documento original já seriam motivos suficientes para dar razão à empreitada. Mas há muito mais: prestígio da memória humana e institucional da Biblioteca Nacional através de um de seus servidores históricos (Alfredo do Vale Cabral); celebração do Rio como indefectível cidade no horizonte do Brasil; repercussão da aproximação do Turismo com a Cultura e contribuição às comemorações do Bicentenário da Independência do Brasil (1822-2022).
Depois de 1882, o Guia do viajante no Rio de Janeiro saiu por outra editora em 1884, sendo basicamente uma reimpressão da primeira edição. Na presente publicação, em vez de fac-símile, optou-se por uma segunda edição que envolveu: atualização do português, pesquisa, prefácio, posfácio, notas e a inclusão de novas imagens. O intuito era seguir o exemplo d’O Sertão Carioca, de Armando Magalhães Corrêa, de 1936 e que ganhou nova edição pela Biblioteca Nacional em 2017, com apresentação de Marcus Venicio Ribeiro, então Coordenador-geral do Centro de Pesquisa e Editoração da Fundação Biblioteca Nacional, e quem igualmente apontou para o resgate do Guia de Vale Cabral.
A reescrita da obra envolveu diversos reparos na parte textual e a organização das tabelas indicativas de horário. Mais do que correções pontuais e atualizações de grafias, entre o português da segunda metade do século XIX e o de agora, tratava-se de analisar a arqueologia das palavras. O olhar do editor foi acompanhado pela pesquisa de Iuri Lapa e Christianne de Jesus, da Coordenação de Pesquisa da FBN, responsáveis pelas notas. A atuação desses pesquisadores envolveu um meticuloso trabalho de seleção de termos, observando os detalhes da transformação do Rio de Janeiro e, especialmente, aquilo que mais poderia causar espécie no leitor contemporâneo; os lugares que mudaram de nome ou deixaram de existir, personagens históricos, autores e obras, e a grafia alterada de alguns verbetes. O conjunto de imagens, somado às três únicas iconografias da edição de 1882, traz sobretudo fotografias dos anos 1880 e 1890 até antes das reformas da administração do prefeito Pereira Passos, entre 1902 e 1906.
Como profundo estudo do Guia e de seu autor, esta edição conta com dois textos da historiadora Ana Paula Sampaio Caldeira: “O Rio de Janeiro pelo olhar e pela pena de Alfredo do Vale Cabral” e “Erudição e trabalho coletivo: Alfredo do Vale Cabral, autor do Guia do viajante”. Experiente nos estudos sobre a história da Biblioteca Nacional e de seus personagens, Caldeira nos ajuda a compreender como o Guia não é uma peça meramente pragmática, de descrição de horários de bonde, listagem de ruas e hotéis, apontamento de preços dos transportes e indicação de passeios. Trata-se de um modo de olhar sobre a cidade, de quem percebeu a necessidade de informar e direcionar os viajantes.
Ainda nesse caldo criado em torno da reedição, cabe mencionar dois artigos publicados nos Anais da Biblioteca Nacional volume 139: “Um Rio de Janeiro civilizado para o viajante ver: o guia de Valle Cabral”, de Isabella Perrotta; e “A literatura de viagem em perspectiva histórica: contribuições para uma mirada sobre os guias de viagem”, de Amanda Danelli Costa. Ambos contribuíram para criar uma atmosfera a respeito dessa proximidade entre a história do Turismo no Brasil e a Cultura, tal qual16 • Guia do viajante no Rio de Janeiro procurou-se fazer em 4 de fevereiro de 2021, quando a Biblioteca Nacional promoveu uma live chamada “Turismo Histórico e Patrimonial no Rio de Janeiro”, e na ocasião se deu a notícia da futura publicação.
A civilidade é a principal qualidade expressa sobre o Rio de Janeiro no Guia. A importância das descrições históricas, dos monumentos, de procedimentos para transporte, banhos e eventos, pretendia demonstrar aos residentes e aos turistas algum padrão civilizatório que, por sua condição natural, servia de matriz referencial ao Brasil. A definição do Rio como cidade complexa, em ebulição e aberta ao mundo, já aparece nesta obra de Vale Cabral. Na década da primeira edição, o Rio foi o lugar de importantes acontecimentos, como a inauguração do Jardim do Campo de Santana, em 7 de setembro de 1880, e a Missa Campal em comemoração à Lei Áurea em 17 de maio de 1888.
Um guia turístico não se resume a um instrumento prático de mapeamento e a dados organizados sobre uma região, mas procura apresentar o caráter do espaço, do tempo e de seu autor. Grandes perguntas podem ser feitas a respeito dos guias, como o sentido das viagens, qual memória se procura deixar, o que reluz e o que não aparece em determinado roteiro. Lúcia Lippi Oliveira, em análise a respeito das descrições do interior e das cidades por Gilberto Freyre[1], explica que, para o sociólogo pernambucano, as viagens davam lições de formação e amadurecimento da sensibilidade. A percepção da memória regional e da dinâmica moderna são marcadas nesses escritos descritivos, como em Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife, de 1934. Mas enquanto Freyre faz a valorização da província, mesmo quando trata do cosmopolitismo de Recife, o traço marcante do Guia do viajante no Rio de Janeiro, de Vale Cabral, é a exposição de uma cidade de todos, do Brasil e do mundo. Na terceira parte, em “Partida”, essa identidade capital é revelada pelo modo com o Rio está no mundo, tamanha precisão com que se podia ir a qualquer parte desde o porto.
O Guia do viajante no Rio de Janeiro insere-se nas comemorações dos 200 anos da Independência do Brasil por, pelo menos, um aspecto essencial: o modo como Vale Cabral acentua as vantagens da cidade, como lugar de chegada, estada e partida do Brasil. O espaço-síntese do Rio, então a região central da cidade, sendo a rua do Ouvidor ainda a principal via, era o lugar de encontro dos símbolos culturais, políticos e religiosos de toda uma nação. O elemento da capitalidade do Rio, como algo que atravessa a expressão do país, reside neste Guia.
Luiz Carlos Ramiro Júnior (Editor)
Acesse a publicação: https://www.gov.br/bn/pt-br/central-de-conteudos/producao/publicacoes/colecoes/o-guia-do-viajante-no-rio-de-janeiro