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Diretrizes ou Novas Diretrizes: perfeito antagonismo
Diretrizes - Revista Semanal
Muito já se escreveu a respeito de Diretrizes: uma revista de teor político e social, de ênfase liberal, lançada em abril de 1938 no Rio de Janeiro. Dirigida inicialmente por Azevedo Amaral e Samuel Wainer, e, logo depois, por este e por Maurício Goulart, é considerada um dos maiores periódicos de crítica e análise política da história da imprensa brasileira, assim como Wainer é lembrado como um dos mais importantes nomes do jornalismo nacional.
Muito do mérito da revista se dá por conta do papel que exerceu no combate ao nazi-fascismo e às restrições do Estado Novo. Em 1944, a rigor, o slogan da revista atentava claramente que se propunha “Um semanário a serviço da liberdade”. Segundo Nelson Werneck Sodré, em “História da imprensa no Brasil”, a revista de Wainer não só soube burlar o rígido esquema censor do governo de Getúlio Vargas como também aproveitou o seu relativo afrouxamento, na década de 1940.
Até este ponto, pouca – ou nenhuma – novidade. O que poucos sabem, é que Diretrizes teve uma irmã gêmea do mal. Ruth e Raquel, literalmente.
Um dos diretores originais da revista, Azevedo Amaral, havia se desligado de Diretrizes pouco depois de seu lançamento, por divergências doutrinárias. Intelectual ligado à extrema-direita autoritária, suas convicções não combinavam com as de Samuel Wainer, no contexto das disputas ideológicas daquele momento. Mas Amaral não apenas abandonou o projeto do periódico: lançou já em novembro de 1938 uma revista para combater Diretrizes, intitulada, não por acaso, Novas Diretrizes. Ali, destacava a autoridade estatal e endossava o programa político do Estado Novo sem restrições, julgando-o um modelo superior ao imperialismo americano, ao comunismo soviético, ao nazismo alemão e ao fascismo italiano – embora este fosse colocado, em certos aspectos, como um bom modelo. No desenrolar da Segunda Guerra Mundial, Novas Diretrizes tomou partido a favor das potências do Eixo, muito pelas semelhanças do Estado Novo com modelos autoritários europeus. Diretrizes não podia ter um antagonista maior.
Com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, em 31 de agosto de 1942, ao lado das potências aliadas, Diretrizes pôde explorar mais ainda suas crenças liberais, fundamentadas na política de estado pretensamente democrática dos Aliados. Apoiando incondicionalmente a Força Expedicionária Brasileira (FEB), a revista questionava as doutrinas dos países do Eixo e, por tabela, as proximidades destas com a política do Estado Novo. Em paralelo, Diretrizes ingressava em (ou encabeçava) diversas campanhas, defendendo a criação de uma siderurgia nacional, ou combatendo a desnacionalização da indústria farmacêutica no Brasil, ameaçada pela hegemonia de companhias químicas internacionais. À medida que chegava o fim da Segunda Guerra, Diretrizes ia aproximando suas convicções a uma posição considerada de centro-esquerda – ironicamente, embora o periódico congregasse algumas figuras como Astrogildo Pereira e Alceu Marinho Rego, nada publicado por estes ocasionou represálias por parte do governo. No entanto, na edição de 2 de julho de 1942 – onde, aliás, publica-se a incrível afirmação do profeta Sana-Kahn de que a guerra terminará em setembro de 1945 –, a revista publicou uma entrevista com o ex-ministro Lindolfo Collor, que, ao discorrer sobre a guerra e sobre seu livro, “Europa-39”, afirmou que enquanto os Aliados lutavam contra o nazi-fascismo, o Brasil vivia sob um regime semelhante ao que combatia na Europa, e que, com o término do conflito, era de se esperar que a contradição resultasse no fim da ditadura do Estado Novo. Em consequência à entrevista, encarada como uma afronta ao governo, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) cortou o suprimento de papel à revista (o material estava em escassez, devido à guerra). Com o boicote, Diretrizes foi se mantendo como pôde, mas, em 4 de julho de 1944, se viu obrigada a suspender suas atividades. Com o fechamento do periódico, Samuel Wainer se exilou nos Estados Unidos. Voltaria mais tarde, para uma nova fase da revista.
Enquanto tudo isso se desenrolava, Novas Diretrizes ia fazendo o contrário. Detonava sobretudo as políticas que polarizariam o mundo com o fim da Guerra: a dos EUA e a da União Soviética. Se não elogiava explicitamente o fascismo e o nazismo, compartilhava muitas de suas ideias; considerados bons mesmo, afinal, eram os regimes autoritários brasileiro e português, ambos de nome Estado Novo, nas maos de Getúlio Vargas e António de Oliveira Salazar, respectivamente. Embora também tratasse de defender a indústria nacional, como sua irmã, o periódico chegou a tratar de eugenia, em seus primeiros momentos. No seu nº 33, de julho de 1941, o texto “Infiltração judaica” ia na seguinte linha:
O problema da penetração subreptícia de alienígenas indesejáveis continua misteriosamente a enfrentar as boas intenções e as iniciativas salutares do poder público, para livrar o país desse flagelo (...) o Brasil, com o sentimentalismo que nos veiu com as tradições liberais e com as influências africanas que desvirilizaram entre nós o espírito cristão, dando-lhe a fisionomia de uma doutrina de fraqueza e de tolerancia em relação a todas as formas de atividade maléfica, extendeu insensatamente a sua hospitalidade aos refugiados, que os outros povos se dispunham a repelir à bala, se tanto fosse necessário. (...) As ruas da nossa magnífica capital já se estão desnacionalizando com a presença dessa legião de elementos humanos inconfundíveis pelos estigmas de deterioração física que a decrepitude racial lhes estampou no corpo.
A postura pró-Eixo não durou muito em Novas Diretrizes; isso inclusive contribuiu para o fim da revista. No começo de 1942, o periódico demonstrava cada vez menos suas afinidades com o Eixo, explorando menos o assunto da Segunda Guerra Mundial. Depois desse período, a revista continuou focada no anti-comunismo, na defesa da pátria, da família, do militarismo e do cristianismo. Novas Diretrizes circulou pelo menos até sua 61ª edição, datada da primeira quinzena de setembro de 1942. O fim do periódico provavelmente deu-se nesse momento, coincidindo tanto com a entrada do Brasil no conflito em outubro de 1942, do lado dos Aliados, ocasionando contradição insustentável na sua pauta política, quanto com o falecimento de Azevedo Amaral.
(Bruno Brasil – CPS)