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Dia Nacional do Detento
Detentos da Prisão de Pentonville, Londres (Inglaterra), realizando trabalhos de alvenaria na década de 1870
O Dia Nacional do Detento, 24 de maio, convida a sociedade a refletir sobre as causas e critérios que levam ao encarceramento em massa, bem como sobre a situação e condições da população carcerária brasileira, tanto durante o cumprimento de penas como após o fim destas.
Tema explorado por Graciliano Ramos, Fiódor Dostoiévski, Henri Charrière e Mano Brown, dentre outros tantos, os cárceres e sua população constituem uma contraditória marca das sociedades modernas, sendo o caso brasileiro, em especial, dramático.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil possui cerca de 812.564 presos, dos quais 41,5% são de pessoas ainda aguardando julgamento e, portanto, sem condenação, que podem a vir ser absolvidas. O último levantamento realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), em 2016, aponta que a população encarcerada é predominantemente composta por pretos e pardos (65%), 55% têm entre 18 e 29 anos e 75% não completaram o ensino fundamental. Quanto aos crimes que levaram ao encarceramento, a maioria relaciona-se a tráfico de drogas e crimes contra o patrimônio – como o roubo –, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), do Ministério da Justiça. Em nosso código penal, estes crimes possuem penas iguais ou mais severas do que os que atentam contra a vida e a dignidade humana, como os relacionados à violência sexual. Este dado revela que há uma prioridade quanto à defesa da propriedade privada e de uma ordem geopolítica regional específica, ligadas ao sistema capitalista e a Guerra as Drogas impulsionada pelos EUA desde final dos anos 1970.
Tais números dão ao Brasil a terceira maior população carcerária no mundo, ficando atrás apenas dos EUA e da China. Segundo levantamento do DEPEN, a população prisional brasileira cresce a um ritmo de 8,3% ao ano, o que significaria que, em 2025, o número de apenados e apenadas pode chegar a absurdos 1,5 milhão no Brasil. Tal situação no sistema prisional brasileiro existe graças a demora na conclusão dos processos, as prisões cautelares (sem condenação) que se estendem por muito tempo e o encarceramento de pessoas por crimes de baixo potencial lesivo.
Em 2019, o Supremo Tribunal Federal concluiu que as condições carcerárias do país violavam direitos fundamentais dos presos e reconheceu o chamado “estado de coisas inconstitucional” em relação ao sistema penitenciário nacional, de acordo com a ADPF 347/DF. É importante apontar que, de acordo com a constituição federal, é dever do Estado brasileiro garantir os direitos fundamentais de seus cidadãos, inclusive daqueles que encontram-se em privação provisória de liberdade. Mas o que se vê nos presídios brasileiros, via de regra, é uma situação de tortura institucional que viola todos os padrões nacionais e internacionais de direitos humanos: uma combinação de super lotação, deficiência na prestação de serviços internos e na alimentação, número insuficiente de agentes penitenciários, resultando em um desumano estado de calamidade.
Nos tempos atuais da pandemia de coronavírus, essa configuração torna o sistema prisional brasileiro um campo propício ao alastramento da Covid-19, e transforma os detentos brasileiros em um potencial grupo de risco de contágio. Para tentar reverter essa situação, o CNJ expediu a resolução 62, recomendando “a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus – Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo”, como a disponibilidade de equipamentos de proteção individual (EPIs) e álcool gel aos agentes penitenciários e aos familiares visitantes, a implantação de protocolos de higienização e, em especial, medidas de desencarceramento, visando reduzir, no interior do sistema penal, o número de presos dos grupos de risco da Covid-19 (como idosos e gestantes). No entanto, poucas medidas práticas foram tomadas pelas autoridades competentes para a implementação dessas recomendações.
Neste Dia Nacional do Detento, a Biblioteca Nacional propõe uma reflexão sobre a construção histórica do “detento” e do “crime”. Assim como os hospícios mencionados em post anterior, as prisões são um dispositivo central para manutenção de determinada ordem social através da contenção e disciplinamento dos chamados “desvios sociais”. A construção do “desvio” e do “desviante” varia no tempo e no espaço de acordo com o desenvolvimento histórico e social de cada nação. No Brasil, os “desviantes” são historicamente pessoas negras, indígenas e mulheres: a esposa que fugiu do marido que a maltratava.
Convidamos à reflexão sobre como a sociedade brasileira tem lidado com a disciplina punitiva e definido historicamente o que é certo e o que é justo. Muitos documentos do acervo da Biblioteca Nacional mostram que o cárcere tem uma longa história de disciplinamento social e vingança privada que pouco se compatibiliza com o seu ideal declarado: ressocializar.
(Thiago Romão de Alencar)
Fontes:
- Resolução 62: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/03/62-Recomenda%C3%A7%C3%...
- https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/07/17/cnj-registra-pelo-menos...
- https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/530028213/por-qu...