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“Arquivo: Cultura digital, acessibilidade e cidadania” aconteceu em 24 de outubro
Dia do Arquivista foi celebrado com evento na Biblioteca Nacional
Em celebração ao Dia do Arquivista, comemorado em 20 de outubro, a Fundação Biblioteca Nacional (FBN) – um órgão vinculado ao Ministério da Cultura – realizou, na última quarta-feira (24), o evento “Arquivo: Cultura digital, acessibilidade e cidadania”, no Auditório Machado de Assis, na sede da BN no Rio de Janeiro. A iniciativa pioneira foi organizada pela servidoras Luciane Medeiros e Gabriela Ayres.
O evento reuniu arquivistas e pesquisadores, pessoas com diferentes experiências e lugares de fala, para mesas de debate sobre a democratização dos arquivos custodiados e o papel do arquivista frente aos desafios do século XXI - e sobre a relação dos arquivos e dos arquivistas com a cultura digital, a acessibilidade e a construção da cidadania. Na abertura, os presentes assistiram ao vídeo com a mensagem do presidente da FBN, Marco Lucchesi, que agradeceu a participação de todos e parabenizou a equipe envolvida.
“Há um detalhe importante que eu gostaria de sublinhar neste momento, que é a perspectiva da bibliodiversidade. Como sabemos, ela tem inicialmente um campo de atuação específico, no sentido de uma acolhida mais ecumênica dos livros - para que as bibliotecas possam ter um acesso sempre mais amplo e a sociedade seja cada vez mais representada em cidadania. Mas a bibliodiversidade também passou para um outro campo, que é a diversidade dos seres humanos, as nossas diversidades. Isso foi contemplado, e acho que aí temos realmente uma perspectiva cidadã e democrática”, afirmou Lucchesi.
Contexto histórico
Na mesa “Cidadania e Diversidade”, foram apresentados trabalhos voltados à questão histórica do acesso aos documentos manuscritos da Biblioteca Nacional; a cultura e diversidade LGBTQIA+; e as estratégias de acessibilidade às pessoas com deficiência.
A primeira palestra foi proferida por Luciane Medeiros, historiadora e chefe da Seção de Manuscritos da BN, com o título “Documentos reservados: acesso aos manuscritos na primeira metade do século XX”. Em sua apresentação, Luciane fez uma contextualização histórica, mostrando como os critérios excludentes de acesso aos documentos foram substituídos, com o passar do tempo, por normas mais democráticas.
A historiadora citou os autores Valdir José Morigi e Alexandre Veiga: “A reflexão sobre o papel dos arquivos públicos é essencial no mundo contemporâneo, dentro do espectro da democratização da informação. Para isto, os arquivistas precisam superar a visão estabelecida sobre sua prática profissional. As informações arquivísticas precisam ser acessíveis aos cidadãos e os arquivistas devem ser um vetor de uso, mediadores que possibilitem a acessibilidade dos estoques informacionais sob sua administração”.
Acessibilidade
A segunda palestra foi realizada de forma remota, pela doutora em Ciência da Informação, arquivista na Câmara dos Deputados e chefe do Serviço de Inclusão Social da Coordenação de Acessibilidade da Câmara dos Deputados, Daniela Martins – pessoa com deficiência auditiva bilateral de perda severa profunda, surda oralizada. O título da apresentação foi “Estratégias de acesso e de acessibilidade às pessoas com deficiência”, fruto de uma tese de doutorado.
“A gente tem que começar a pensar que os sites governamentais precisam ser acessíveis para todos. Atualmente, cada instituição tem um site com estrutura diferente, o que dificulta o acesso. Apenas 45% dos websites na internet são acessíveis hoje, mas precisamos muito mais. Apenas 14% das licitações têm acessibilidade e somente 7% das equipes de TI têm conhecimento neste sentido”, afirmou.
Entre as possíveis estratégias de acesso e de acessibilidade ela apontou: avaliar o grau de acessibilidade de seus sítios; adotar audiodescrição (AD) nos conteúdos audiovisuais e linguagem simples nas páginas; disponibilizar o ícone do tradutor de língua portuguesa para Libras no site institucional (VLibras); aplicar o instrumento de autoavaliação de acessibilidade; capacitar as equipes em oficinas de acessibilidade atitudinal e digital.
Diversidade e inclusão
Em seguida, a pedagoga, pesquisadora e mestra em Cultura e Territorialidades, Wescla Vasconcelos, apresentou a palestra “Cultura e diversidade LGBTQIA+: estratégias de política, de ação afirmativa e cultura, educação e geração de emprego e renda para o acesso e permanência de travestis e transexuais”. Em sua apresentação, ela falou sobre sua pesquisa de mestrado, intitulada “A luta político-cultural de artistas Travestis e Transexuais no cenário do Rio de Janeiro”.
Trata-se de uma pesquisa-ação que utilizou referências bibliográficas, arquivos audiovisuais na internet, plataformas de música, redes sociais, poesias em cordéis, e que mapeou as artistas Madame Satã, Divina Aloma, Rogéria, Tertuliana Lustosa, Biancka Fernandes e Wescla Vasconcelos.
“Espero ter contribuído para repensarmos o que é o registro, a história, a sociedade brasileira... Repensarmos quem está cuidado da memória do nosso país, que corpos são esses que contribuem... Não pensando em algo que está sendo feito agora - mas a repercussão de tudo o que foi feito no passado, que continua no presente, e o que pensamos de futuro. E, também, se realmente tivemos um passado: se esse passado não está acontecendo agora pela ausência de pessoas trans na educação, na política”, afirmou Wescla ao final de sua apresentação.
Desafios para o século XXI
A segunda mesa foi intitulada “Cultura Digital e Acessibilidade”, com foco nos desafios da formação do arquivista no século XXI; na acessibilidade em bibliotecas para portadores de deficiência visual; na preservação digital; e no código de classificação de arquivos na Biblioteca Nacional.
“A formação do arquivista no século XXI” foi o título da palestra do doutor em Ciência da Informação, bacharel em arquivologia pela UNI-Rio, professor de arquivologia da UFMG e gerente de gestão arquivística do estado de Minas Gerais, Welder Antônio Silva. Ele discorreu sobre o ensino, a formação e a prática da profissão de arquivista - e os principais desafios em cada etapa. Segundo ele, os cursos universitários devem estar em constante comunicação com outros universos e os docentes sempre atualizados.
“Às vezes a gente fica muito preocupado com a temática emergente do momento, mas antes de discuti-la, precisamos discutir outras questões que são fundamentais - principalmente de entender esse papel social que o arquivista vai a ajudar a compor e a desenvolver naquele determinado momento, seguindo inclusive as expectativas e demandas do mercado”, afirmou.
Biblioteca visível
A segunda palestra da mesa foi proferida pelo bibliotecário e mestre em biblioteconomia, Edilmar Alcântara, responsável pelas bibliotecas do Instituto Benjamin Constant, no Rio de Janeiro. Edilmar falou sobre sua experiência de sete anos trabalhando com um público formado por pessoas com deficiência visual - e ainda sobre o sistema Braille e os diferentes tipos de bibliotecas (pública, especializada, de arte, etc). Segundo ele, foi um grande desafio aprender a catalogar indexar, classificar, organizar, preservar um acervo em braile, já que nenhuma disciplina na faculdade era voltada para biblioteca acessível.
O bibliotecário contou sobre sua “luta” junto às editoras, para que as mesmas publiquem livros em braile, afirmando que a ausência destes títulos dificulta o acesso de pessoas com deficiência visual ao conhecimento. Edilmar relatou outros problemas encontrados por seu público:
“As bibliotecas universitárias não estão atendendo a demanda informacional das pessoas com deficiência visual. Enquanto profissional da educação, bibliotecário, não posso negar a quem quer se seja a informação. Por que os cegos não podem ter acesso à informação, serem autônomos e lerem eles mesmo os conteúdos? Os professores também não sabem como fazer: muitas vezes, disponibilizam textos em PDF em formato de imagem, mas o programa não consegue ler este arquivo. Temos usuários cursando Ciências Sociais, Psicologia, que não estão dando conta dos cursos e ainda ouvem de professores que ‘seria melhor trancar a matéria’. Essa é a realidade que encontramos lá...”, relatou.
Preservação digital
A próxima palestra ficou por conta do arquivista, mestre em Sistemas de Informação Digital e servidor da BN Wellington da Silva. Ele apresentou o trabalho “Preservação digital como política pública”, resultado de uma pesquisa de pós-graduação. Em sua explanação, Wellington falou sobre a definição de “política pública” e como ela impacta a vida de todos. Seu trabalho analisou as políticas públicas de preservação digital em 4 países: Brasil, França, Espanha e Reino Unido.
O arquivista problematiza a questão da digitalização crescente dos processos burocráticos, com a produção de um número cada vez maior de documentos digitais – porém, não acompanhada de políticas públicas que garantam o acesso aos documentos no longo prazo.
“Acesso à informação é prevenção à corrupção: torna a participação popular mais efetiva. Quando não se investe em preservar informações, não se garante o acesso às gerações futuras, que precisam desse acesso para o desenvolvimento. Hoje, muito material cultural é produzido em formato digital – então tem a perda da memória. Acesso à informação é garantia de direitos, como o direto de se aposentar. Pessoas podem perder direitos, caso essas informações não estejam acessíveis no futuro”, afirmou. “Isso é um risco muito grande, tanto para direitos, como para o patrimônio cultural, completou Wellington.
Gestão da documentação
A última palestra foi proferida por Danielle Peçanha da Silva, bacharel em história e arquivologia, servidora da BN e chefe do laboratório de digitalização da instituição. A apresentação “O código de classificação – a construção da temporalidade documental da Biblioteca Nacional” abordou os instrumentos de gestão da documentação administrativa produzida na Biblioteca Nacional: o Código de Classificação e a Tabela de Temporalidade.
Elaborados pela Comissão Permanente de Avaliação de Documentos (CPAD) - em trabalho iniciado em 2021, com a colaboração do Arquivo Nacional - os instrumentos possibilitam mapear os fluxos institucionais, mudar a cultura organizacional e apontar um caminho para uma gestão documental mais eficiente e transparente.
O Código de Classificação é um esquema de distribuição de documentos em classes, de acordo com métodos de arquivamento específicos, elaborado a partir dos estudos das estruturas e funções de uma instituição e da análise do arquivos por ela produzido. Já a Tabela de Temporalidade é um instrumento de destinação, aprovado por autoridade competente, que determina prazos e condições de guarda tendo em vista a transferência, recolhimento, descarte ou eliminação de documentos.
“Muitos documentos aqui já são de guarda permanente. Mas e aqueles que são produzidos e recebidos? Se faz extremamente necessária a aplicação desses instrumentos de gestão. Numa instituição privada, isso se dá por questões financeiras. Em uma instituição pública, temos a responsabilidade de pensar na construção dessa memória, porque somos a construção da memória nacional. Precisamos nos atentar de que qualquer coisa que a gente faça hoje impacta no futuro. Tudo o que não fizermos, também afetará”, concluiu Danielle
Assista ao evento completo no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=yQt9sc8PgB8