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A revolta das Barcas Rio-Niterói
A revolta das Barcas Rio-Niterói - Jornal Última Hora (RJ)
Em 1835 foi criado, entre Niterói e Rio de Janeiro, o primeiro serviço regular de passageiros na Baía da Guanabara. A "Companhia de Navegação de Niterói" iniciou sua operação com as embarcações "Especuladora", "Nictheroyense" e "Praiagrandense" – a totalidade da frota. Até a construção da ponte – em 1974 – essa foi a principal forma de cruzar a baía.
Desde o final do século XIX, o serviço foi alvo de constantes reclamações por conta de atrasos e de problemas nas embarcações e algumas revoltas se sucederam. Um levante marcante ocorreu em 1959, época em que as barcas transportavam cerca de 100 mil passageiros por dia, quase metade da população niteroiense. A concessão da operação encontrava-se, desde 1953, nas mãos do Grupo Carreteiro, sob a suspeita do governo – e da população (que também se queixava dos constantes aumentos de passagem) – de mau uso das verbas empregadas. Com o serviço funcionando precariamente, o Sindicato dos Marítimos e Operários Navais começou uma greve repentina em 21 de maio de 1959, reivindicando melhores condições de trabalho para os funcionários da empresa.
A fim de evitar uma calamidade pública, os Fuzileiros Navais foram convocados para viabilizar emergencialmente a travessia. Sem o contingente necessário à normalidade da operação, não puderam evitar grandes filas e confusão na Praça Martim Afonso em Niterói (atual Praça Arariboia). As viagens estavam ocorrendo em apenas duas barcas especiais, com capacidades reduzidas, gerando muitos atrasos e exaltando os ânimos de aproximadamente 20 mil pessoas que ali estavam. Sem habilidade para contornar a tensão, os militares começaram a agir com truculência e um deles desferiu uma coronhada em um dos passageiros. Formou-se o caos, uma pedra foi lançada na vidraça de uma embarcação e os soldados reagiram com uma rajada de tiros para o alto.
Eclodiu a revolta. A fúria de cerca de 500 populares (os que sobraram após a debandada) quebrou e incendiou a Estação Cantareira, destruindo a frota que estava ancorada. O mobiliário do edifício foi empilhado na rua e transformado numa grande fogueira. Os insurgentes marcharam para a Rua São João, onde ficava o escritório da empresa, também invadido e destruído. De lá seguiram para a residência da família Carreteiro, no bairro do Fonseca. Incendiaram a casa, os móveis e os pertences, mas não sem antes gravar nas paredes a inscrição “aqui jaz [sic] as fortunas do Grupo Carreteiro, acumuladas com o sacrifício do povo”.
Apesar da violência da rebelião, os militares conseguiram controlar a situação, cujo resultado foi de seis mortos e 118 feridos, pelos números oficiais. A imprensa chegou a noticiar mais de uma dezena de fatalidades e chamou o episódio de "uma pequena Bastilha", em referência à Revolução Francesa. Em consequência do levante, o Governo Federal imediatamente estatizou o serviço. Desde 2012 encontra-se sob a concessão privada da CCR Barcas, que opera nos municípios fluminenses do Rio de Janeiro, Niterói, Angra dos Reis e Mangaratiba.
(Rodrigo Basile)