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A Reforma de Pereira Passos na imprensa carioca
Na edição n° 96 de O Malho, de 16 de julho de 1904, uma caricatura de Jayme traz os cérebros da reforma urbanista: o prefeito Pereira Passos, Paulo de Frontin e Lauro Muller.
Em outubro de 1900, o presidente Campos Salles realizou uma viagem à Argentina, em retribuição à visita do presidente Júlio Roca ao Brasil, em 1899. Na comitiva da imprensa que acompanhava o líder brasileiro estava o boquiaberto poeta Olavo Bilac, que, de volta ao Rio de Janeiro, na sua tradicional crônica ao Diário de Notícias, publicada em 18 de novembro, não mediu palavras: comparado a Buenos Aires, o Rio de então, apelidado por ele “Sebastianópolis”, era simplesmente “acanhado”, para não dizer uma “afronta” e uma “injustiça” com o povo brasileiro. Os portenhos viviam num lugar “com muito mais vida, com muito mais riqueza”, enquanto nós “ainda temos por capital da República, em 1900, a mesma capital de D. João VI, em 1808”. E então o autor, num acesso parnasiano, juntava as mãos e rogava aos céus: “Quando aparecerás tu, Providência desta terra, Alvear da cidade carioca?!”.
Não seria necessário tanto drama. Cerca de dois anos depois, os desdobramentos da República Velha tratariam de sinalizar que mudanças estavam a caminho. O novo presidente eleito, o paulista Rodrigues Alves, era defensor de um regime forte na capital, aliado a reconfigurações radicais nas feições da ainda então “Sebastianópolis”. Nesse sentido, no final de 1902, Alves tratou de suspender temporariamente as funções do Conselho Municipal carioca, ou melhor, a “Academia dos Sonolentos da China”, segundo Olavo Bilac, nomeando prefeito, de prontidão, aquele que seria o condutor da reforma urbanística no Rio de Janeiro, o engenheiro Pereira Passos. Isso não deixava de ser uma jogada política: desde o início, o governo Rodrigues Alves tinha pouca aceitação na capital, muito por representar a continuidade da administração anterior, do também paulista Campos Sales. Bilac, todavia, não poderia estar mais feliz. Como ele, diversos nomes importantes da intelectualidade brasileira, sobretudo através da imprensa, aplaudiram a iniciativa do governo saudando, entusiasticamente, o início de novos tempos na capital. A “belle époque” tupiniquim estava chegando.
Apontado em grande parte da imprensa como o único capaz de extirpar o atraso da urbe carioca, o prefeito Pereira Passos passou a ser dotado de uma aura heroica: era personagem-símbolo do empurrão do Rio ao futuro, às demandas do moderno. Folhas e mais folhas tipografavam a imagem de um cavalheiro austero, de barbas brancas e olhar altivo, mostrando-o como um homem de ação, não de palavras, porém muito culto, ao mesmo tempo enérgico e dotado de um conservadorismo que não se confundia com atraso.
Os louros que Pereira Passos colhia junto à imprensa não vieram gratuitamente. Cabe citar que, num outro sentido, figuras como Olavo Bilac, por exemplo, foram brindadas com cargos públicos – numa cordial relação de “toma lá, dá cá”, típica das mais tradicionais casas brasileiras e, nesse caso, oriunda de uma confluência de interesses políticos e ideológicos. Imprensa e poder sempre estiveram entrecruzados, e essa não era nenhuma exceção. Os agentes nessa relação tinham consciência de uma coisa: se para o jornalista o jornalismo podia ser um meio de ascensão social, pela obtenção de cargos públicos ou pelo financiamento em empreitadas editoriais, ou mesmo através de maior projeção e reconhecimento, no caso de carreiras literárias, do ponto de vista do homem público, a imprensa era um palanque ampliado, um termômetro que confirmava fatores como prestígio e influência, além de uma franca plataforma para defesa ou ataque.
Segundo Jeffrey Needell, no livro “Belle époque tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do século”, na metade do século XIX, a vida que atraía os homens de letras no Rio de Janeiro era aquela concentrada “nas proximidades de uma rua pequena e estreita – a rua do Ouvidor – o ‘salão ao ar livre’ do Rio”, um lugar contraditório. Ao mesmo tempo em que era um local “atrasado”, “espacialmente restrito” e por demais personalizado, era o centro da vida galante e do consumo de produtos importados de luxo – era ali, por exemplo, que se encontravam as escassas livrarias da capital, repletas de literatura francesa da moda. Transitando nesse ambiente, muitos literatos não podiam escapar às restrições do mercado editorial brasileiro, sendo obrigados a publicar seu trabalho em periódicos: “Eles passavam boa parte de seu tempo no mundo encasacado e apinhado dos mexericos, da tinta de impressoras e da bonhomie clubística das gráficas, cafés e restaurantes desta rua” (NEEDELL, 1993, p. 217/218). E era exatamente nas redondezas da rua do Ouvidor que ficavam as redações de grandes jornais e revistas efêmeras, espremidas em apertados escritórios nos chamados “sobrados de moradia”.
Se a imprensa teve papel importante na construção do homem público Pereira Passos e no apoio moral da reforma, as obras de melhoramentos também trouxeram consequências para o jornalismo brasileiro. Tanto o fazer midiático quanto as remodelação da cidade, na verdade, faziam parte de um processo social maior, que retroalimentava ambas as esferas. Na virada do século, o jornalismo nacional já passava por uma série de transformações: novas técnicas de impressão e de edição facilitavam a produção editorial e a popularização do jornal, que ganhava facetas mais mundanas com o desenvolvimento da crônica social e dos folhetins.
Em 1908, afinal, Olavo Bilac alardeava, na Gazeta de Notícias: as colaborações literárias nas gazetas começaram a vir separadas do noticiário geral: eram um conteúdo à parte, e os jornais de grande circulação não se pretendiam literários; dando, portanto, cada vez menos espaço à figura “maldita” do poeta boêmio. Apareciam então as seções de crítica em rodapés e ensaios do que mais tarde seriam os suplementos literários. Distinguia-se, enfim, o homem de letras, que se refugiaria cada vez mais nas revistas ilustradas ou estritamente literárias, do jornalista.
(Bruno Brasil)