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200 da Independência | “Fundadores do Brasil”: José Bonifácio
Passados quase duzentos anos dos episódios que conduziram à emancipação política do Brasil em relação à sua antiga metrópole portuguesa, a natureza e o papel de um de seus principais articuladores permanece ainda em debate. Nesse encontro que reúne as pesquisadoras Ana Rosa Cloclet da Silva (PUC-Campinas) e Isabel Corrêa da Silva (Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa), as ideias políticas de José Bonifácio de Andrada e Silva serão analisadas a partir do emaranhado campo de possibilidades que as geraram, e também interpretadas tendo em vista o impacto que tais ideias causaram na gramática política conservadora que atravessou o Brasil ao longo do século XIX.
Para antecipar o conteúdo da live há dois comentários das professoras sobre a importância de José Bonifácio para a Independência do Brasil.
O que dizer de José Bonifácio e a “invocação do futuro”, no sentido da construção do Estado independente e do projeto nacional brasileiro?
Ana Rosa Cloclet da Silva: José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), reputado por muitos como o “Patriarca da independência”, constitui uma das personagens políticas mais frequentadas por sucessivas gerações de historiadores. O que, longe de torná-lo uma obviedade, ou resultar em algum consenso analítico sobre seu efetivo papel nos acontecimentos que marcaram a ruptura política entre Brasil e Portugal, em 1822, continua nutrindo polêmicas atuais, elucidativas sobre os modos como operamos com o passado, à luz de nossos sucessivos presentes. A tal ponto que, não seria exagero afirmar que José Bonifácio nos é quase tão desconhecido quanto os mais anônimos protagonistas de nossa história. Afinal, a fama e sua contraface, a difamação, acabam por produzir o mesmo efeito: soterrar a figura humana do celebrado, ou do difamado.
É neste sentido, lembrando que há muito a ideia da “história do homem” foi substituída pela ideia da “história dos homens em sociedade” e na duração, que a presente contribuição se propõe a discutir algumas dimensões do projeto nacional de José Bonifácio. Esta discussão será empreendida à luz de uma trajetória que o situa na dupla condição de herdeiro – da tradição ilustrada luso-brasileira – e de construtor de um Estado e uma nação brasileiros, em moldes que implicavam a ruptura com o próprio constructo político de cuja crise emergiram.
Assim, integrando o quadro da intelectualidade luso-brasileira recrutada para atuar politicamente no momento derradeiro da crise do absolutismo reformista, as ideias de José Bonifácio serão aqui percebidas não como as de um homem supostamente à frente de seu tempo, nem, tampouco, como as de um retrógrado, empenhado em moldar a experiência revolucionária da independência do Brasil à Monarquia Constitucional na figura de D. Pedro I e à reiteração do regime escravista.
Ao contrário destas visões valorativas, que carregam a história de subjetivismo disfarçado de rigor metodológico e acuidade crítica, o que se busca é trazer à tona o modo como este letrado e estadista vivenciou algumas das transformações operadas num tempo acelerado. Ao abrirem um novo campo de ação e previsões aos sujeitos coevos, este conjunto de transformações liberou expectativas que já não decorriam apenas da experiência vivida. É nesta “invocação do futuro”, portanto, que brotam as ideias e o projeto nacional andradino, como se pretende discutir.
José Bonifácio de Andrada e Silva: liberal ou conservador? Português ou Brasileiro?
Isabel Corrêa da Silva: O império brasileiro é um resultado inesperado do radicalismo e inflexibilidade da assembleia nacional revolucionária e constitucional portuguesa (Cortes) que saiu da revolução liberal de 1820. Se, por um lado, a independência brasileira foi certamente um passo em frente em relação ao estatuto colonial de Antigo Regime, por outro, sendo uma nação resultante de uma reacção dinástica a um movimento revolucionário, o Brasil independente nasceu com uma espécie de DNA conservador que terá um impacto profundo e duradouro na sua cultura política e nos desenvolvimentos políticos ao longo do século XIX. Nesta reflexão, tentarei localizar a genealogia intelectual e política do discurso conservador brasileiro do século XIX, pondo-o em diálogo com o discurso de finais do século XVIII sobre o Brasil e a monarquia atlântica portuguesa, através da figura matricial de José Bonifácio de Andrade e Silva, o chamado “patriarca da Independência”.
A Fundação Biblioteca Nacional convida para um episódio da série “200 da Independência”.
Quinta-feira, 14 de outubro de 2021, às 17h.
"Fundadores do Brasil" – José Bonifácio
Por Ana Rosa Cloclet da Silva (PUC-Campinas) e Isabel Corrêa da Silva (ICS, Universidade de Lisboa)
Ana Rosa Cloclet da Silva é Docente da Faculdade de História da PUC-Campinas e do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências da Religião, pela mesma Universidade, com projetos integrados à Linha de Pesquisa: Fenômeno Religioso: instituição e práticas discursivas. Doutora em História pela Universidade Estadual de Campinas (2000) e pós-doutora na mesma área pela USP (2007), com projeto integrado ao grupo temático: “Brasil: Formação do Estado e da Nação”, coordenado por Istvan Jancsó. Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (1993) e mestrado em História pela Universidade Estadual de Campinas (1996). Tem experiência na área de História, com ênfase em História do Brasil Império. Atualmente, desenvolve pesquisas na área de História das Religiões, com pesquisas focadas na articulação dos fenômenos religião e política no Brasil do século XIX. Integra a rede de pesquisadores vinculados ao Projeto Iberoamericano de História Conceitual, mais conhecido como Iberoconceptos, no âmbito do grupo “Religón y Política”, que analisa as trajetórias semânticas de alguns conceitos expressivos das mutações nos nexos entre religião e política para diferentes quadrantes latinoamericanos, bem como os vínculos entre estas trajetórias ao longo do século XIX. Sua dissertação de mestrado, desdobrada na tese de doutoramento, teve como tema o projeto nacional de José Bonifácio de Andrada e Silva, trazendo à tona a filiação de suas ideias ao reformismo ilustrado luso-brasileiro. Neste sentido, seus trabalhos desvendam a trajetória de um personagem, ao mesmo tempo moldada e modeladora da transição de um Império luso-brasileiro a um Império brasílico. É autora de diversos artigos publicados em Revistas nacionais e estrangeiras e dos livros:
- Inventando a Nação. Intelectuais Ilustrados e Estadistas Luso-Brasileiros na Crise do Antigo Regime Português: 1750-1822. 1. ed. São Paulo: HUCITEC, 2006. (Resultado de sua tese de Doutorado).
- Construção da Nação e Escravidão no pensamento de José Bonifácio: 1783-1823. 1. ed. Campinas: Editora da Unicamp/Centro de Memória, 1999. (Resultado do seu mestrado)
- SILVA, A. R. C.; STEFANO, Roberto (Org.). História das religiões em perspectiva: desafios conceituais, diálogos interdisciplinares e questões metodológicas. 1. ed. Curitiba: Prismas, 2018. v. 1. 389p .
- ____(orgs.). Catolicismos en perspectiva histórica: Argentina y Brasil en diálogo. Buenos Aires: Teseo: 2020.
- SILVA, A. R. C.; NICOLAZZI, Fernando (Org.) ; PEREIRA, M. (Org.) . Contribuições à História da Historiografia Luso-Brasileira. 1. ed. São Paulo: Hucitec, 2014. v. 1. 463p.
Isabel Corrêa da Silva é investigadora auxiliar do ICS, Universidade de Lisboa. Doutora em História pela Universidade de Lisboa (2012). A sua área de investigação é a cultura política oitocentista em Portugal e no Brasil. Interessa-se particularmente por questões relacionadas com regimes políticos, paisagens ideológicas e estruturas institucionais do republicanismo, liberalismo e monarquias constitucionais em Portugal e no Brasil. É coordenadora do Programa de Doutoramento em História do ICS e membro da Comissão Científica e docente do Mestrado em Estudos Brasileiros. É a coordenadora portuguesa da rede internacional Conexões Lusófonas. Escreveu diversos trabalhos na área de história política, como O Espelho Fraterno: o Brasil e o republicanismo português na transição para o século XX (Divina Comédia, 2013); co-editora (com Rui Ramos e José Murilo de Carvalho) e autora de A Monarquia Constitucional dos Braganças em Portugal e no Brasil (1822-1910) (D. Quixote, 2018); e co-editora e autora de Ciências sociais cruzadas entre Portugal e o Brasil. Trajectos e investigações no ICS (Imprensa de Ciências Sociais, 2015). Atualmente co-coordena (com Rui Ramos, Nuno Monteiro, José Luís Cardoso) o projecto do Dicionário Crítico da Revolução Liberal Portuguesa, 1820-1834. (D. Quixote, a ser publicado em 2021).
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