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Silva Lisboa: um baiano ilustrado na Corte portuguesa no Rio de Janeiro
José da Silva Lisboa nasceu em Salvador, na província da Bahia, no dia 16 de julho de 1756, filho de Henrique da Silva Lisboa, português, e de Helena Nunes de Jesus, brasileira. Seu pai trabalhava com obras, sendo um empreiteiro e tendo vivido de rendas a partir da chegada ao Brasil, conforme consta do processo de leitura de bacharéis do próprio José [1] , considerando sua formação acadêmica na Universidade de Coimbra, para onde foi enviado para completar seus estudos a partir de 1774 e concluindo em 1779, conforme seu registro existente naquela Universidade [2] .
Ainda em 1778 foi nomeado como professor substituto nas cadeiras de Grego e Hebraico no Colégio das Artes de Coimbra [3] , logo a seguir retornou ao Brasil por ter sido nomeado para ser professor de Filosofia e Moral em Salvador, onde lecionou também como substituto na cadeira de Língua Grega, por 19 anos [4] . Nesse período constitui sua família ao se casar em 19 de abril de 1784, na Matriz de São Pedro da Cidade, na Conceição da Praia, em Salvador, com Anna Francisca Benedicta, filha de Antonio Alveres de Figueiredo e de Isabel Antonia Luiza [5] , com quem teve quatorze filhos, mas apenas cinco chegaram à idade adulta. [6] Retorna a Portugal apenas para se aposentar [7] e é nomeado para um novo cargo: o de deputado e secretário da Mesa da Inspeção da Bahia, tomando posse em 1798 e ali ficando até 1808 [8] .
Antes mesmo de retornar ao Brasil, Silva Lisboa publica em Lisboa a sua primeira obra intitulada Princípios de Direito Mercantil e leis de marinha , em dois tomos, o primeiro tratado – Do seguro marítimo, dividido em três partes com um apêndice das fórmulas de apólices e leis sobre seguros. Em 1801 reimprimiu o tratado e o restante da obra, em 7 tomos, foi publicado no formato de fólio. Foi a primeira obra em língua portuguesa abarcando tal assunto, de muito interesse para o comércio português, sendo bem aceita, teve sucessivas edições durante o século XIX [9] . No Brasil foi reimpressa pelo senador Candido Mendes de Almeida, devendo mencionar que essa primeira obra, tida como única no seu gênero, serviu à época como Código Comercial nos domínios portugueses. A seguir, veio a obra Princípios da economia política (VALLE CABRAL, 1881, volume I, p. 237-239), de 1804, com grande influência de Adam Smith, autor de Riqueza das Nações , de 1776, admirado por Silva Lisboa, que se tornou grande divulgador das ideias do escocês, em especial, sobre a abolição do monopólio e liberdade de comércio (VALLE CABRAL, 1881, p. 16).
É justamente nesse início do século XIX que a figura de Silva Lisboa vai se destacar perante a Corte portuguesa, que chegava ao Brasil, em 1808, deixando Portugal sob o governo de uma Junta, nomeada pelo príncipe regente, d. João antes de sua partida de Lisboa. Entretanto, a parada da comitiva de d. João em Salvador viria a ser determinante para o futuro do Brasil independente.
Quando o regente, d. João, desembarcou em terras brasileiras, em 22 de janeiro de 1808, Silva Lisboa estava em seu cargo na Mesa de Inspeção da Bahia, e por ter proximidade com d. Fernando José de Portugal, aproveitou a oportunidade de levar a efeito seu desejo de ajudar sua terra. Foi a chance de destacar a necessidade e a importância de que fossem abertos os portos do Brasil ao comércio com todas as nações amigas da Coroa portuguesa. A ideia apresentada sofreu, à princípio, grande oposição, mas o ministro d. Fernando, antigo governador na Bahia (1788-1801), cedeu diante dos argumentos persuasivos de Silva Lisboa, e a levou ao príncipe regente, que convencido, mandou lavrar e publicar a Carta Régia de 28 de janeiro de 1808, dirigida ao Conde da Ponte, então governador e capitão-geral da Bahia. O documento manuscrito original encontra-se na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. [10]
A abertura dos portos seria um grande passo para o progresso e a civilização das terras brasileiras, estimulando o comércio entre os negociantes brasileiros ou portugueses aqui residentes com os de outros países, estando afastado o monopólio da Metrópole, o exclusivo colonial. Foi o início do processo da independência da principal colônia portuguesa.
Pelo esforço e dedicação que Silva Lisboa demonstrou, pelos conhecimentos da recente ciência econômica, foi beneficiado pelo regente com o Decreto, em 23 de fevereiro de 1808, que, devido à conjuntura naquele momento, foi-lhe feita mercê da propriedade e regência de uma Cadeira e Aula Pública, no Rio de Janeiro, com o ordenado de 400$000, mas conservando também os vencimentos do cargo de Deputado e Secretário da Mesa da Inspeção da Bahia [11] . A partir desse ato do regente, Silva Lisboa e sua família seguem para o Rio de Janeiro, embarcando com a comitiva portuguesa, em 7 de março de 1808. Instalado na Corte, nunca viu ser implantada a cadeira de Aula Pública para o ensino da Ciência Econômica [12] .
Valle Cabral, em suas pesquisas, encontra informações acerca da saúde de Silva Lisboa, à época em que se instalou no Rio de Janeiro, afirmando que o baiano “estranhou o clima e soffeu uma moléstia grave, violentíssima erysipela terminada em supuração, que esteve para leval-o à sepultura, chegando o enfermo a ser desenganado e abandonado pelos médicos” (1881, p.20) Entretanto, essa situação inicial não o derrubou, muito pelo contrário, trouxe-lhe ânimo para viver alguns bons anos, produzindo sem parar seus escritos sobre os mais diversos temas.
Já no Rio de Janeiro, lançou as duas primeiras partes de um livro sobre questões comerciais, Observações sobre o commercio franco no Brazil [13] , e a terceira veio à luz em 1809, onde defendia e sustentava com argumentos irrefutáveis a resolução tomada no primeiro ato de d. João no Brasil. Para Silva Lisboa tal ato equivaleria à criação de um Novo Império e que a franqueza do comércio seria o princípio vivificante da ordem social e o meio mais seguro para a prosperidade das nações (VALLE CABRAL, 1881, p.18). Com relação à obra em questão, seu filho Bento da Silva Lisboa, o 2º Barão de Cairu, na Memória que foi apresentada em sessão do IHGB, em 24 de agosto de 1839, viu seu pai ser alvo de calúnia e de ataques de ignorância, ao ponto de que um certo censor, ao ler a citada obra, lançara à margem do exemplar que lera a seguinte observação: É réu de Estado, merece pena capital! (LISBOA, 1908, p. 187).
O ano de 1808 trouxe muitas oportunidades a Silva Lisboa, a começar com a publicação do alvará de 22 de abril de 1808 [14] que cria a Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens, Silva Lisboa é nomeado para novo cargo, o de Desembargador; segue-se em 24 de junho com a nomeação para a Junta diretora da Impressão Régia; e, em 23 de agosto, nova publicação do alvará de criação da Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação do Estado do Brasil, é indicado para outro cargo, o de Deputado, ressaltando que tal alvará traz a extinção da Mesa de Inspeção da qual era parte integrante há algum tempo. [15]
Estando ativo em várias comissões por ser membro da Junta de Comércio, Silva Lisboa foi encarregado de organizar um Código do Comércio, contudo, essa tarefa mesmo que desenvolvida por vários anos, nunca foi concluída. Entretanto, conforme pesquisa realizada por Edson A. Neves, Cairu chegou a apresentar um relatório preliminar do Plano de Código Comercial ao imperador, em 1826, onde reconhece que a Constituição de 1824 não mencionava a legislação mercantil. [16] (NEVES, 2008, p. 202)
O ano de 1810 foi muito profícuo para Silva Lisboa, publicando os livros: Observações sobre franqueza da indústria e estabelecimentos de fabricas no Brazil [17] (em duas partes, sendo a primeira reimpressa na Bahia em 1811); Observações sobre a prosperidade do Estado pelos liberaes principios da nova legislação do Brazil (também reimpresso na Bahia em 1811); Reflexões sobre o commercio dos seguros [18] ; Refutação das declamações contra o commercio inglez, extrahida de escriptores eminentes; e Razões dos lavradores do vice-reinado de Buenos Ayres para a franqueza do commercio com os inglezes, contra a representação de alguns commerciantes e resolução do Governo, com appendice de observações e exame dos effeitos do novo regulamento dos interesses commerciaes do Brazil [19] . Com relação a esse último escrito, deve ser ressaltado que se trata de uma tradução de um manuscrito que chegara às mãos de Silva Lisboa, motivando-o a traduzi-lo, como menciona no Prefácio, e a fazer comentários, e como afirma San Tiago Dantas trata-se de “obra que contém a primeira expressão da consciência econômica argentina em torno de problemas análogos aos que salteavam o Brasil” (1962, p. 16).
Destaca Valle Cabral que a produção de escritos de Silva Lisboa teve um interregno no ano de 1811, em virtude de “ter sofrido um terrível golpe” (1881, p.22) com o falecimento de sua esposa, D. Anna Francisca Benedicta, em 31 de agosto de 1811, que foi sepultada na Igreja de Santo Antonio [20] . Mesmo com um certo abatimento, Silva Lisboa deve ter se dedicado a pesquisar e escrever, por sugestão do ministro d. Rodrigo de Sousa Coutinho, um compêndio baseado em textos e discursos da lavra de Edmund Burke. Logo após o falecimento daquele ministro em 26 de janeiro de 1812, vem à luz a obra sugerida à Silva Lisboa, Extractos das Obras Políticas e Economicas de Edmund Burke , anunciado na Gazeta do Rio de Janeiro, nº 30, de 11 de abril de 1812. Deve-se destacar que, embora d. Rodrigo seja lembrado no prefácio dessa obra, a mesma foi dedicada ao representante da Corte inglesa, Lord Strangford, inclusive tendo-lhe sido enviada carta pelo autor reverenciando sua ajuda. [21] Todavia, Silva Lisboa retoma sua atividade literária em 1812 com a publicação de: Memória economica sobre a franqueza do commercio dos vinhos do Porto [22] ; Ensaio sobre o estabelecimento de bancos, para o progresso da industria e riqueza nacional. Quanto a essa última, Valle Cabral afirma que “penso também saiu sem o seu nome, pois ainda não pude ver algum exemplar” (1881, p.22), todavia, consta anúncio de venda na Gazeta do Rio de Janeiro, nº 39, de 13 de maio de 1812 (p.4), como também é citada por Bento da Silva Lisboa em seu discurso em sessão do IHGB (1839, p. 190), confirmando a existência e autoria.
Há nova interrupção nas publicações de Silva Lisboa, o que não implica em dizer que ele esteve parado, mas o retorno se dá em 1815 com a extensa Memoria da vida publica de Lord Wellington, principe de Waterloo, duque da Victoria, que enaltece os feitos do britânico que levou à derrota de Napoleão. Já em 1818, celebrando a coroação e aclamação de d. João VI, Silva Lisboa publica Memoria dos beneficios politicos do Governo de d. João VI [ 23] , dando continuidade ao trabalho iniciado em 1815 na área da história, seguindo com seus conhecimentos jurídicos, publicou também a Synopse da legislação principal do Senhor d. João VI pela ordem dos ramos da economia do Estado [24] . Talvez em consequência, Silva Lisboa foi agraciado com a nomeação para ser desembargador da Casa da Suplicação do Reino do Brasil [25] . Nova graça lhe foi atribuída em maio de 1819, recebeu o título do conselho de sua Majestade Fidelíssima (VALLE CABRAL, 1881, p. 23-24). Também em 1819 publica a primeira parte da obra Estudos do bem commum e economia política, ou sciencia das leis naturais e civis de animar e dirigir a geral industria e promover a riqueza nacional e prosperidade do Estado , sendo a mesma completada com outros dois volumes no ano seguinte [26] .
A chegada do ano de 1820 traz novos ares e o destino leva Silva Lisboa a explorar novos caminhos quando o processo de independência do Brasil dá seus primeiros passos. Em 24 de agosto de 1820 ocorre a revolta na cidade do Porto, que leva o monarca a jurar publicamente, em 26 de fevereiro de 1821, a Constituição que fizessem as Cortes gerais e constituintes de Lisboa. Em decreto publicado dias antes, em 23 de fevereiro, Silva Lisboa vê seu nome incluso numa comissão criada com elementos que compõem o conselho do rei, que terá como atribuição preparar as averiguações e evitar a demora da convocação dos representantes de províncias que participariam das Cortes. No mesmo 26 de fevereiro, Silva Lisboa é nomeado para o cargo de Inspetor Geral dos Estabelecimentos Literários e Científicos, além de ter sido também Censor Régio. [27]
No ano de 1821 Silva Lisboa ainda viu publicada a obra intitulada Espírito de Vieira ou selecta de pensamentos economicos, politicos, moraes e litterarios, com a biografia deste celebre escritor, todavia, o que se vê é a biografia de Vieira, sendo que tal trabalho serviria como apêndice aos Estudos do bem-commum, de 1819, exatamente como consta do frontispício e da advertência indicada pelo autor. Outra obra de 1821 teve destino diferente, pois apesar de ter sido oferecida ao príncipe regente d. Pedro, a Memoria da vida e virtudes da archiduqueza d’Austria, D. Maria Ana começou até a ser impressa na Impressão Régia, mas foi suspensa sua publicação “por falta do respectivo aviso regio, visto que sem ele não poderia ela continuar” (VALLE CABRAL, 1881, p.28). [28] Apesar de se passar o aviso requerido, em 3 de agosto de 1821, da obra não aparece algum exemplar, nem foi localizado por Valle Cabral qualquer registro da mesma nas entradas daquele ano na Real Biblioteca (atual Biblioteca Nacional) para onde iam todas as publicações da Imprensa Nacional (VALLE CABRAL, 1881, p.28).
Antes do retorno de d. João VI a Portugal, ainda em abril de 1821, o conselheiro Silva Lisboa foi nomeado desembargador dos agravos da Casa da Suplicação, mantendo em conjunto o cargo de deputado da Real Junta do Comércio. [29]
Ao que se vê, houve uma maior produção de obras literárias de Silva Lisboa justamente no período joanino, sendo que a partir de 1821 ele se dedicou aos panfletos, como: O Conciliador do Reino-Unido; Sabbatina familiar de amigos do bem commum; Reclamação do Brazil , no qual assinava com o pseudônimo de “Fiel d’Nação”; Memorial apologetico das Reclamações do Brazil; Falsidades do Correio e Reverbero contra o escriptor da Reclamação do Brazil; Defesa da Reclamação do Brazil. Os últimos já foram lançados em 1822, aos quais se seguiram: Agradecimento do povo ao salvador da patria o senhor principe regente do Reino do Brasil; Roteiro Brazilico; Causa do Brazil no juízo dos governos e estadistas da Europa. Após a independência sai: Imperio do Equador na terra da Santa Cruz. De 1821 a 1828 Silva Lisboa dedica-se ao jornalismo, publica pequenos jornais, que aparecem em poucos números, circulando como “volantes” levando ao público suas ideias (VIANNA, 1945, p. 359 a 446).
Aqui cabe uma menção especial a um de seus escritos anônimos de 1822: Heroicidade Brazileira , que teve sua circulação proibida por portaria de 15 de janeiro de 1822, assinada por Francisco José Vieira, Ministro dos Negócios do Reino, mesmo Silva Lisboa sendo um dos diretores da Imprensa Nacional, sob a alegação de que “não consinta jamais que se imprima escripto algum sem o nome da pessoa que deve responder pelo seu conteúdo” [30] . Valle Cabral cita que a ordem foi tão bem executada que “não aparece hoje um único exemplar” (1881, p. 31). Todavia, localiza-se hoje um exemplar na Biblioteca do IHGB pertencente à Coleção Manuel Barata. [31]
Por ocasião da instalação da Assembleia Constituinte em maio de 1823, Silva Lisboa, que era suplente pela província da Bahia, foi convocado para suprir a ausência de Cipriano José Barata de Almeida, pessoa com quem tinha desavenças há muito tempo. Tornou-se deputado, membro efetivo, em outubro de 1823. Dissolvida a Assembleia Constituinte, Silva Lisboa foi nomeado pelo imperador para os cargos de Desembargador do Paço graduado; Desembargador do Paço e Deputado da Mesa da Consciência e Ordens; Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação do Império e Chanceler da Relação da Bahia. [32] Com o alvará de 12 de dezembro de 1823, o imperador fez-lhe mercê do foro de fidalgo cavaleiro da Imperial Casa com 1$600 de moradia por mês e um alqueire de cevada por dia, pago segundo a Ordenança, além de ter confirmado em abril de 1824 a graça antes lhe dada por d. João VI do título de seu Conselho, “em atenção ao seu distinto merecimento literário” (VALLE CABRAL, 1881, p. 36-37).
Quanto às atividades panfletárias, em 1823, editou Atalaia, Quartel das Marrecas, Vigia da Gavea contra o Barata; em 1824, com o advendo da Confederação do Equador, seu embate foi com Frei Caneca através do Rebate brasileiro contra o Typhis pernambucano. Esse ano foram publicados sem o seu nome vários panfletos, ainda tendo a oportunidade também de editar a obra intitulada de Constituição moral e deveres do cidadão [33] (parte I), saindo as partes II e III no ano de 1825, mandadas imprimir por d. Pedro I na Imprensa Nacional à custa do Estado, como prova do apreço que tinha do mérito literário do autor (VALLE CABRAL, 1881, p.37-38).
Por ordem de d. Pedro, em janeiro de 1825, foi Silva Lisboa encarregado de perpetuar a memória dos sucessos do Brasil, quando mais uma vez usou seu talento de historiador, como havia feito com d. João VI: Introducção à Historia dos principaes successos politicos do Imperio do Brazil , que teve partes publicadas em 1826 (parte I da História dos principaes successos políticos...) , 1827 (seção I da parte X), 1829 ( seção II da parte X) e 1830 [34] , sendo essa última a seção III da parte X, que foi acompanhada da Chronica authentica da regencia do Brasil do principe real o senhor d. Pedro de Alcantara em serie de cartas a seu augusto pai o senhor d. João VI. Ao que se pode observar, a obra não chegou a ser concluída, uma vez que só se publicaram a primeira e a última partes (VALLE CABRAL, 1881, p. 39).
Em despacho de 12 de outubro de 1825, Silva Lisboa foi agraciado com o título de Barão de Cairu, recebendo também a Comenda da Ordem de Cristo. No mesmo mês, saiu publicado Contestação da história e censura de Mr. De Pradt sobre successos do Brasil , uma crítica à obra de De Pradt, impressa em Paris em 1824, L’Europe et l’Amerique en 1822 et 1823 . [35] Em 22 de janeiro de 1826, por carta imperial, foi escolhido Senador do Império [36] pela província da Bahia, sendo nomeado por parte da Câmara vitalícia para recebimento de Sua Magestade Imperial (VALLE CABRAL, 1881, p. 41), sendo que, em maio de 1826, começou a publicar Recordações dos direitos do Imperio do Brasil à provincia Cisplatina, assinando como Atni-Anarquista. No ano seguinte, foi a vez da obra Escola brazileira ou instrucção util a todas as classes, extrahida da Sagrada Escriptura para uso da mocidade. Em 1828, saiu com a assinatura Escandalizado, o periódico Honra do Brazil desaffrontada de insultos da Astréa expadaxina ; a seguir, foi Espirito da Proclamação do senhor dom Pedro I à nação portugueza, e Cautela patriotica; com a assinatura Velho Canonista publicou Causa da religião e disciplina ecclesiastica do celibato clerical, defendida da inconstitucional tentativa do padre Diogo Antonio Feijó (VALLE CABRAL, 1881, p. 44).
Em 1827, publicou seu último trabalho de economista, Leituras de Economia Política ou Direito Econômico, em dois tomos, pela Tipografia de Plancher-Seignot. Silva Lisboa ainda publicou antes de sua morte as obras Cartilha da Escola Brazileira (1831), Manual de Política Ortodoxa (1832) [37] e Arte de Reinar (1832), segundo citação de seu filho Bento (1908, p. 190).
Se no início de sua carreira acadêmica dedicou-se ao Direito Canônico, à Filosofia, às línguas grega e hebraica, Silva Lisboa se destaca perante o regente pelos seus conhecimentos adquiridos através da leitura dos escritos de Adam Smith. Torna-se um pensador econômico, aos poucos, como bom representante do Iluminismo, vai agregando novos interesses nas áreas da História, Sociologia, Religião, Educação e Política. Deixando sua marca também como jornalista e panfletário, pois entre 1821 e 1828, Silva Lisboa publicou não menos de 32 folhetos, que, em palavras de San Tiago Dantas, tinham por temas questões políticas da época, várias polêmicas jornalísticas e políticas, defesa da soberania do imperador e também contra a ocupação do trono português por D. Miguel (1962, p. 20). Por decreto de 19 de outubro de 1828 foi aposentado no Supremo Tribunal de Justiça na qualidade de Desembargador do Paço. [38]
Faleceu no Rio de Janeiro em 20 de agosto de 1835, às 5 horas, com 79 anos, fato noticiado no Diário do Rio de Janeiro na edição de 21 de agosto, na primeira página, sendo exaltado como “o mais precioso dos Genius do Brazil”. No registro de seu óbito consta que foi sepultado na Igreja dos Religiosos do Carmo, vestido de Cavaleiro da Ordem de Cristo. [39] Posteriormente, seus restos mortais foram transladados por seu neto José da Silva Lisboa para o Mosteiro de São Bento (VALLE CABRAL, 1881, p. 48).
Silva Lisboa, ilustrado, humanista, foi liberal nas questões econômicas seguindo Adam Smith, mas foi um conservador na política, seguindo a linha de Edmund Burke. Colocou-se contra Rousseau, aceitou com ressalvas Montesquieu, era um defensor da monarquia forte, baseada na figura do rei, ao ponto de entrar em conflito com o seu tempo, chegando a ser acusado de partidário da restauração de d. Pedro I no trono. Representou a austeridade política contra a qual havia pressões crescentes da evolução da sociedade e do regime. Pode-se dizer que viveu e morreu pobre, mas foi um homem justo.
Rosemary Saraiva da Silva
Mestre em História (UFF)
Doutoranda em História Política (UERJ)
Referências:
DANTAS, F. C. S. T.. Cairu: Protagonista de sua época . In: DANTAS, F. C. S. T. Figuras do direito. Rio de Janeiro: José Olympio, 1962.
LISBOA, B. da S. José da Silva Lisboa, Visconde de Cayru: Memória escripta por seu filho e conselheiro. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Basil, 3ª ed., tomo I . Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908, p. 185-191.
MORAES, E. V. de. Perfil de Cayru . Vol. XLII das Publicações. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1958.
NEVES, E. A. Magistrados e negociantes na corte do Império do Brasil: o Tribunal do Comércio. Rio de Janeiro: Jurídica do Rio de Janeiro: FAPERJ, 2008.
VALLE CABRAL, A. Vida e Escriptos de José da Silva Lisboa (Visconde de Cayru) . Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1881.
VIANNA, H. Contribuição à História da Imprensa Brasileira (1812-1869) . Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945, p. 359 a 446.
[1] Baltasar da Silva Lisboa, nascido em Salvador a 06/01/1761 e falecido no Rio de Janeiro a 14/08/1840, foi magistrado e historiador, concluiu sua formação na Universidade de Coimbra em 1783 (PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/L/002970, acesso em 17/05/2019), tendo seu processo de Leitura de Bacharel no acervo do Arquivo da Torre do Tombo (PT-TT-DP-A-A-5-3-2-10-13, acesso em 13/06/2022), onde está anexado ao processo de seu irmão com o objetivo de valer-se das mesmas testemunhas para certificação da sua limpeza de sangue apresentadas por José da Silva Lisboa.
[2] PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001/L/002997, acesso em 17/05/2019.
[3] Fundo Cairu (BR RJANRIO R7.0.0.33) p. 64-65, e (BR RJANRIO R7.0.0.2).
[4] Fundo Cairu (BR RJANRIO R7.0.0.33), p. 14 a 23, 66-68.
[5] Fundo Cairu (BR RJANRIO R7.0.0.33), p. 4-5.
[6] Uma segunda via da Certidão de Casamento, emitida em 9/03/1836, foi juntada aos Autos do processo em que Bento da Silva Lisboa e irmãos, como herdeiros de José, requerem ao Governo Imperial as “Merces, que lhes competirem” pelos serviços feitos pelo seu falecido Pai por 57 anos, conforme consta no acervo do Fundo Cairu do Arquivo Nacional/RJ (BR RJANRIO R7.0.0.33).
[7] Fundo Cairu (BR RJANRIO R7.0.0.1)
[8] Fundo Cairu (BR RJANRIO R7.0.0.33) p. 24 a 27, 72-73, (BR RJANRIO R7.0.0.6).
[9] Há exemplares disponíveis para consulta na Biblioteca Maria Beatriz Nascimento - Arquivo Nacional da 6ª edição, publicação produzida pela Impressão Régia em Lisboa (1815-1819) e pela Typographia da Academia, em 1874, também há documentos relativos a esta obra quando impressa na Tipografia do Arco do Cego, em Lisboa, no Fundo Cairu (BR RJANRIO R7.0.0.3)
[11] Colleção das Leis do Brazil de 1808. – Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891, p. 2.
[12] Fundo Cairu (BR RJANRIO R7.0.0.33) p. 37 a 39, 69-71; (BR RJANRIO R7.0.0.4), (BR RJANRIO R7. 0.0.7) e (BR RJANRIO R7.0.0.8).
[13] Há exemplar desta edição de 1809 feita pela Imprensa Régia no Rio de Janeiro na Biblioteca Central do Arquivo Nacional, o que o tornava a primeira obra de um brasileiro publicada no Brasil.
[14] Colleção das Leis do Brazil de 1808. – Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891, p. 17-19, confirmado pelo Fundo Cairu, (BR RJANRIO R7.0.0.33) p. 47 a 49, 50 a 53.
[15] Colleção das Leis do Brazil de 1808. – Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891, p. 105-106, confirmado pelo Fundo Cairu, (BR RJANRIO R7.0.0.33) p. 45-46, 50 a 53.
[16] Anexos nº 3 e 4, p. 365-373 na obra de NEVES (2008)
[17] Há exemplar desta edição de 1810 feita pela Imprensa Régia no Rio de Janeiro na Biblioteca Central do Arquivo Nacional
[18] Segundo Valle Cabral (1881, vol I, p. 244), saíram anônimas, o que é confirmado com o volume integrante do acervo da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin/USP e disponível em versão digitalizada.
[19] Há exemplar desta edição de 1810 feita pela Imprensa Régia no Rio de Janeiro na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, pertencente à Coleção Thereza Christina Maria.
[20] Fundo Cairu (BR RJANRIO R7.0.0.33), p. 6.
[21] Fundo Cairu (BR RJANRIO R7.0.0.10) – Carta de José da Silva Lisboa ao visconde de Strangford sobre a publicação da tradução de alguns extratos do Mr. Burke.
[22] Segundo Valle Cabral (1881, vol. I, p. 245), a publicação saiu anônima pela Imprensa Régia, em 1812, mas com licença de S. A. R., como se comprova pelo exemplar digitalizado e disponível na plataforma Google Books.
[23] Há exemplar disponível para consulta na Biblioteca Central do Arquivo Nacional
[24] Há exemplar disponível para consulta na Biblioteca Central do Arquivo Nacional
[25] Fundo Cairu (BR RJANRIO R7.0.0.33), p. 31 a 33 e 75
[26] Há exemplar disponível para consulta na Biblioteca Central do Arquivo Nacional
[27] Collecção das Leis do Brasil de 1821, p. 9 e 20-21, 23-24, 40-44, 74.
[28] Fundo Cairu (BR BRJANRIO R7.0.014) apresenta requerimento de José da Silva Lisboa para que seja expedido aviso que faça constar a aceitação por S. A. R. de sua obra “Memoria da vida e virtudes...”
[29] Fundo Cairu (BR RJANRIO R7.0.0.33), p. 31 a 33.
[30] Collecção das Decisões do Governo do Império do Brasil de 1822. – Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1887, p. 8.
[31] Consulta em 17/08/2022: https://ihgb.org.br/pesquisa/biblioteca/item/27862-heroicidade-brasileira-jos%C3%A9-da-silva-lisboa.html
[32] Fundo Cairu (BR RJANRIO R7.0.0.33), p. 34 a 36, 47 a 49, 76, 77, 80.
[33] Fundo Cairu (BR RJANRIO R7.0.0.20) Requerimento solicitando autorização para que se imprima na Tipografia Imperial obra sobre educação da mocidade com o título de Constituição moral e deveres do cidadão. Há exemplar disponível para consulta na Biblioteca Central do Arquivo Nacional.
[34] Há exemplares disponíveis para consulta na Biblioteca Central do Arquivo Nacional.
[35] Fundo Cairu (BR RJANRIO R7.0.0.25) Ofício do barão de Cairu ao barão de Valença com uma representação sobre a obra de Mr. De Pradt que desfigura os sucessos do Brasil, sobre a nova ordem política do Império.
[36] Fundo Cairu (BR RJANRIO R7.0.0.27) Fala do Visconde de Cairu por ocasião da abertura da Assembleia Geral do Senado, em 1826; Fundo Cairu (BR RJANRIO R7.0.0.28) Fala do Visconde de Cairu na sessão do Senado de 30 de maio de 1827, discurso em resposta às emendas propostas pelo Marquês de Paranaguá.
[37] Há exemplar disponível para consulta na Biblioteca Central do Arquivo Nacional.
[38] Fundo Cairu (BR RJANRIO R7.0.0.33) p. 54 e 79
[39] MORAES, 1958, p. 30.