Notícias
Punição aos rebeldes da revolta Praieira
Fundo: Eusébio de Queirós
Código do Fundo: PM
Notação: BR RJANRIO PM caixa 5, pasta 10, PM1877
Data do documento: 6 de maio de 1849
Local: Rio de Janeiro
Folha: -
Veja esse documento na íntegra
Carta de Eusébio de Queirós Coutinho Matoso da Câmara a Jerônimo Martiniano Figueira de Melo. Nascido em Sobral (Ceará) em 19 de abril de 1809, Figueira de Melo, magistrado e político, morreu no Rio de Janeiro em 20 de agosto de 1878. Foi um dos primeiros bacharéis formados pela Faculdade de Direito de Olinda (em 1832) e começou a vida profissional no ano seguinte, como promotor público na corte. Foi juiz de direito em diferentes comarcas do Ceará e de Pernambuco, foi desembargador da Relação de Pernambuco e do Rio de Janeiro. Figueira de Melo foi secretário do presidente da província de Pernambuco (barão de Boa Vista) e chefe de polícia da mesma durante a revolta Praieira (1848-1850). Figueira de Melo ainda ocupou os cargos de chefe de Polícia da Corte, e de presidente do Maranhão e do Rio Grande do Sul. Foi deputado em várias legislaturas por Pernambuco e pelo Ceará, por onde também foi Senador do Império; recebeu diversas comendas importantes, entre elas a Grã-Cruz da Imperial Ordem de Cristo.
Na carta, o então ministro da Justiça Eusébio de Queirós, insta o chefe de polícia da província de Pernambuco a apressar os julgamentos dos cabeças da revolta Praieira. A carta é datada de 6 de maio de 1849, quando os principais acontecimentos da revolta já haviam se encerrado, mas a luta no interior das matas do sul da província ainda persistia. Eusébio cobrava celeridade nas prisões, inclusive na atuação do então presidente da província, Manuel Vieira Tosta.
A Praieira é considerada até os dias atuais pela historiografia como a última grande revolta liberal provincial ocorrida no Brasil no século XIX (a maior parte delas eclodiu durante o período das Regências). A revolta se trata, em linhas bem gerais, de uma disputa entre liberais e conservadores pelo poder político, judicial, policial e econômico na província de Pernambuco, que teve, à revelia dos líderes, uma grande participação de populares demandando a nacionalização do comércio a retalho (varejo), principalmente no Recife, que estava praticamente nas mãos dos portugueses. A revolta se descontrolou nesse momento, quando os populares aderiram, levados, sobretudo, por Borges da Fonseca, liberal exaltado que tinha aspirações republicanas.
O nome do movimento remete ao partido da Praia – uma dissidência do partido liberal criado para combater e oferecer uma alternativa aos regressistas (e também aos outros liberais) ligados às famílias Cavalcanti e Rego-Barros, que dominavam o poder na província havia muito tempo. Os membros do partido tinham expressiva proximidade com Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho (visconde de Sepetiba) e consequentemente influência junto ao Imperador, o que levou à criação do Gabinete de 1844-1848 (o quinquênio liberal) com a eleição e ascensão dos deputados praieiros no Parlamento, e a nomeação do presidente da província, Chichorro da Gama. Quando os praieiros assumiram o poder fizeram um verdadeiro expurgo dos conservadores dos cargos administrativos, judiciais e policiais provinciais, colocando sua gente em seu lugar, adeptos do partido.
O período liberal termina em 1848 e os conservadores voltam ao poder com Pedro de Araújo Lima (marquês de Olinda) à frente do Gabinete e do governo da província de Pernambuco. Esses fazem o mesmo que seus antecessores e começam a remover todos os praieiros dos cargos importantes provinciais. Muitos dos liberais que ocupavam os cargos se recusaram a ceder seus lugares e os embates bélicos começaram a acontecer por todo o território. A decisão dos conservadores de adiarem as eleições que aconteceriam no final do ano de 1848, em virtude do clima de insegurança na província, foi o estopim da guerra. É importante levar em conta que a Praieira não foi uma revolta popular, embora em determinado momento a população livre e pobre (e talvez até escrava) tenha aderido também à guerra. Foi uma revolta do Povo, com p maiúsculo, da boa sociedade, dos cidadãos do império, proprietários, senhores de engenho, donos de comércio, profissionais liberais como jornalistas, para ocupar os cargos de poder e usar a economia da província a seu favor. Em certo momento, precisaram das armas e dos braços da “populaça” para engrossar as fileiras a seu favor, mesmo correndo o risco de uma insurreição popular e, principalmente, escrava. A bandeira da revolta trazia entre suas principais reivindicações: a quebra da vitaliciedade do Senado, uma reforma administrativa, assembleias provinciais, milícias locais, a nacionalização do comércio a retalho (que era a bandeira dos populares), entre outras.
Depois de uma frustrada tentativa de tomar a capital, Recife, em 2 de fevereiro de 1849, os praieiros se espalharam. Muitos foram presos, outros fugiram para o interior e alguns continuaram resistindo acastelados nos engenhos, como o caso do capitão Pedro Ivo, que se embrenhou nas matas junto com algumas lideranças e um grupo significativo de soldados e de indígenas e manteve os embates de guerra vivos por mais de um ano, até ser finalmente capturado e a Praieira finalmente, de fato, acabar.
Muitos homens foram presos no período que envolve a Praieira, entre livres, forros e escravos, em sua grande maioria brasileiros. As acusações eram as mais variadas, desde bebedeiras e arruaças até incitação de outros e de escravos em nome da revolta. A maior parte das prisões recaiu sobre pessoas tidas como rebeldes, agitadores e participantes efetivos da revolta; entretanto, muitas também ocorreram sem um motivo aparente – eram resultado de muita suspeição em tempos de guerra civil. A repressão à revolta foi especialmente dura, levando-se em conta o permanente temor de uma insurreição escrava de grandes proporções e incontrolável, que nem conservadores, nem praieiros, queriam.
Os julgamentos dos cabeças da revolta, que a carta abaixo menciona, começou relativamente cedo, quando observamos também a data do documento, 6 de maio, pouco tempo depois da tentativa de tomada do Recife e da derrota da maior parte dos praieiros e seus principais líderes. Entretanto, conforme visto, as guerrilhas no interior resistiram até o ano de 1850, e só então os julgamentos dos envolvidos foi completo. A maior parte dos cabeças foi acusada e julgada culpada de crime de sedição – o mais grave do código criminal então em vigor – e condenada à prisão fechada (a maioria em Fernando de Noronha), alguns com trabalho forçado. Essa punição foi considerada bastante severa e pretendia-se com isso uma punição exemplar para aqueles que intentassem iniciar alguma nova revolta no Brasil. Um perdão imperial foi dado para os envolvidos na revolta em 1852.
Transcrição
Para Jerônimo Martiniano Figueira de Melo
Rio, 6 de maio de 1849 = Figueira. =
Desculpa o desalinho da escrita; pouco tempo me resta para escrever-te. É indispensável, que dês pressa ao julgamento dos réus da rebelião; o teu pensamento de demora pode ser prejudicialíssimo. Que sejam poucos os cabeças, e que esses sejam logo, e logo julgados, é o único meio, se algum há, de evitar a completa impunidade. Se houverem outros processos secundários a respeito de réus não cabeças de rebelião, e sim autores de outros crimes, nada direi até porque a punição desses não tem importância maior. Mas os cabeças faze, que sejam já, e já julgados. É esta uma recomendação a que ligo bastante importância. A lista das emissões de que falas inda a não enviou o Tosta, entretanto urge, para que fiquem satisfeitos os bons servidores. Não me esqueço do Manoel Firmino de Melo; mas o presidente do Ceará tem demorado a informação pela qual agora insto. Por cá tudo vai em paz. A respeito do Bandeira já escrevi; aguardo resposta. [ilegível] Teu amigo e colega obrigado = [ilegível]
Referências bibliográficas
CARVALHO, Marcus Joaquim Maciel de. Os nomes da Revolução: lideranças populares na Insurreição Praieira, Recife, 1848-1849. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 23, n. 45, pp. 209-238, 2003.
CARVALHO, Marcus Joaquim Maciel de; CÂMARA, Bruno Augusto Dornelas. A Insurreição Praieira. Almanack braziliense, n. 8, p. 5-38, nov. de 2008.
MARSON, Izabel Andrade. Política, Polícia e Memória: a atuação do chefe de Polícia Jerônimo Martiniano Figueira de Melo na revolução Praieira. Justiça & História, Porto Alegre, v. 4, n. 7, s.d.
MARSON, Izabel Andrade. Revolução Praieira. Resistência liberal à hegemonia conservadora em Pernambuco e no Império (1842-1850). São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2009.
SILVA, Wellington Barbosa da. Rebeldes encarcerados: repressão policial durante a Revolução Praieira (Recife, 1848-1849). História Social. N. 16, p. 29-44, 1º sem. 2009.