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Ordem Imperial do Cruzeiro para Jean-Baptiste Debret
Fundo: Ordens Honoríficas
Código do Fundo: 69
Notação: BR RJANRIO 69.CAI.OIC.788219
Data do documento: 7 de outubro de 1840
Local: Rio de Janeiro
Folha: -
Veja esse documento na íntegra
Carta de nomeação de Jean-Baptiste Debret para cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro, pelos serviços prestados ao Império. Assinam o documento o jovem imperador Pedro II, alçado à maioridade naquele mesmo ano de 1840, e o ministro dos Negócios do Império, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada.
Jean-Baptiste Debret chegou ao Brasil em 1816, durante o reinado de d. João VI, junto com um grupo de aproximadamente 40 artistas franceses, para introduzir aqui o ensino das belas artes e das artes mecânicas, o que ficou conhecido na historiografia brasileira como Missão Artística Francesa. Permanece ainda hoje a questão se foi uma missão encomendada pelo rei português ou se foi uma proposta dos artistas franceses. De qualquer maneira, havia um grupo de artistas na França que, devido ao alinhamento com a revolução Francesa e o reinado de Napoleão, encontrava-se em parte ocioso e mal visto, e embarcou para o Brasil em 1816 para instalar uma Academia de Belas Artes no novo mundo, inaugurar o ensino artístico e expandir as luzes e a civilização francesas para os trópicos, ajudando a construir uma verdadeira capital de Reino e Império.
Nascido em 1768 em Paris, o jovem Debret tem uma trajetória singular e promissora: fez parte de seus estudos com o primo Jacques-Louis David, vai a Roma aperfeiçoar o estilo neoclássico, expõe intensamente na cidade e ganha diversos prêmios, torna-se pintor do próprio Napoleão. Com a queda e o exílio de Napoleão, seu primo exila-se também em 1815, deixando Debret sem trabalho. Nesse momento o pintor passa por uma tragédia familiar, perdendo seu único filho e separando-se da mulher.
É nesse momento também que surge o convite (ou o oferecimento) de ir para o Brasil junto com outros artistas para organizar a escola de belas artes. Debret, na qualidade de professor de pintura histórica e como artista oficial, contratado da corte, permaneceu no Brasil de 1816 a 1831, tendo deixado o país com a abdicação do imperador Pedro I.
Chegado no Brasil, a promessa da criação da Academia de Belas Artes revelou-se mais demorada que o previsto. Debret começou a dar aulas particulares antes mesmo de a academia ter sido criada. Prevista em 1816 no reinado joanino, só foi criada efetivamente em 1826, período no qual o artista permaneceu no Rio de Janeiro, produzindo obras para a família real (e depois da Independência, imperial), desenhando e produzindo obras de arquitetura efêmera para as diversas comemorações do recém-criado Estado brasileiro. Nesse período Debret também produziu uma grande quantidade de aquarelas que anos depois de seu retorno à Europa seriam reunidas na obra fundamental Viagem pitoresca e histórica pelo Brasil, publicada entre 1834 e 1839 na França.
No Brasil, uma de suas maiores contribuições foi ajudar a organizar a Academia Imperial de Belas Artes.
Fundada oficialmente em 12 de agosto de 1816 como Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, a futura academia previa o ensino das belas artes mas também das chamadas artes mecânicas (ou ofícios mecânicos). Os professores da escola eram em sua maioria os franceses que vieram com a missão de 1816, mas havia outros mestres portugueses que demonstravam certa hostilidade com os recém-chegados, que os deveriam substituir. Sem uma sede própria, os professores atuavam mais como contratados da corte ou como professores particulares.
O prédio projetado por Grandjean de Montigny ficou pronto em 1826 e a escola, que passou a funcionar integralmente, mudou de nome para Academia Imperial de Belas Artes. Em 1829 houve a primeira exposição de trabalhos dos alunos, um sucesso, que se tornaria constante. Em 1831 ganha um novo estatuto que a divide em quatro grandes áreas: pintura histórica, pintura de paisagem, arquitetura e escultura. Ainda havia disciplinas complementares, como desenho e anatomia, por exemplo.
Na década de 1830, com a abdicação de d. Pedro I e as instabilidades políticas vividas pelo império durante as Regências, a Academia não passou por grandes mudanças, nem recebeu grandes incentivos. É na década de 1840, com a maioridade de d. Pedro II e o período de maior equilíbrio de poder no Estado, que começa a fase de maturidade da instituição. O imperador, inclusive, foi um grande incentivador das belas artes no Brasil, e mecenas de diversos alunos da escola, distribuindo prêmios e viagens para o exterior. A estabilidade no império veio da vitória de um projeto político conservador, que apostava nos investimentos em cultura para construir e fortalecer a identidade nacional, via um projeto romântico de nação.
A academia passou por uma reforma em 1853 (início do governo da Conciliação), iniciada com a direção de Manuel de Araújo Porto-Alegre e a aprovação de novos estatutos, que dividiam o ensino em cinco áreas de especialização: arquitetura, escultura, pintura, ciências acessórias e música, cada uma com suas disciplinas específicas. Foi também durante a direção de Porto-Alegre que foi retomada a preocupação de não formar somente artistas, mas também artífices, com disciplinas específicas de desenho e escultura voltadas para a indústria.
A maior parte das obras produzidas pelos alunos e professores da Academia refletia o projeto de construção do Estado Nacional: eram de exaltação da figura do imperador ou de grandes momentos da história pátria, refletindo o Romantismo em voga, com destaque para a natureza exuberante e para o elemento indígena.
Com a crise que começou a se abater no Império a partir dos anos 1870, a escola foi perdendo financiamento (sobretudo do monarca) e entrou em um período de crise. Com o advento da República passou a se chamar Escola Nacional de Belas Artes (hoje incorporada à Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ).
D. João VI e d. Pedro I criaram Ordens Honoríficas no Brasil no período em que estiveram no poder. Essas ordens eram inspiradas nas antigas ordens militares medievais, que professavam a fé católica, mas não eram mais militares, nem tinham mais inspiração religiosa.
As novas ordens (de Torre e Espada, de 1808; de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, de 1818; do Cruzeiro, de 1822 e da Rosa, de 1829) eram um instrumento que trazia ascensão hierárquica e distinção (benefícios simbólicos, além dos materiais) de homens e raras vezes de mulheres luso-brasileiros, que traziam para a Coroa os benefícios de vassalagem e fidelidade à monarquia e ao rei/imperador.
Assim, as ordens constituíram-se em um instrumento tanto de construção de elites, quanto de apoio e suporte ao regime e aos monarcas, tornando-se um importante mecanismo de funcionamento do poder régio. Sua lógica atendia não somente à promoção da imagem real como benevolente, mas também aos desejos de distinção de todos, pois significava um “presente” real e uma demonstração de “estima” por parte do monarca, de maneira que o regime se sustentava no imaginário social que concebia a sociedade como uma pirâmide. (Borges, 2011, p. 4)
Apesar de representarem um desejo da elite e estratégia do imperador para conseguir fidelidade no terreno simbólico, as comendas resultavam de troca por relevantes serviços prestados à Coroa e ao país. D. Pedro I, especialmente quando do fim das guerras de independência, concedeu muitas comendas em troca dos serviços prestados durante os conflitos. Como era uma prerrogativa do monarca, pouquíssimas comendas foram concedidas durante o período regencial. Quem retoma a distribuição é Pedro II em 1840 – a exemplo deste mesmo documento que concede a Ordem do Cruzeiro a Debret; durante o segundo reinado foram distribuídas, de acordo com Camila Borges (2011), mais de 30.000 comendas nas diversas hierarquias.
A Ordem do Cruzeiro foi criada em 1822 em comemoração à coroação do imperador Pedro I. Possuía quatro categorias de distinção: cavaleiro (cujo número poderia ser ilimitado), oficial, dignitário e grã-cruz (essas comendas limitadas).
Irmão do meio de José Bonifácio e Martim Francisco, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (Santos, 1777 – Rio de Janeiro, 1845), foi magistrado e político, conhecido por seus discursos mordazes. Filho de pai funcionário da Coroa e grande comerciante da região de Santos, em São Paulo, de grande fortuna, foi para Portugal e cursou Leis e Filosofia Natural em Coimbra, no período da universidade reformada por Pombal de acordo com a Ilustração portuguesa (concluiu os cursos em 1797).
Não ingressou como seu irmão José Bonifácio na Real Academia das Ciências de Lisboa; ao concluir a universidade foi integrar a Tipografia do Arco do Cego, criada em 1799 e dirigida por frei José Mariano da Conceição Veloso. Lá se encarregou de traduzir diversas obras científicas e de conhecimento útil para a regeneração do Reino e para o melhor aproveitamento das colônias (estudos de botânica e de agricultura, por exemplo). Antônio Carlos fez parte da elite coimbrã que defendeu o projeto capitaneado por d. Rodrigo de Souza Coutinho de reforma e construção de um império luso-brasileiro (com sede no Brasil).
De volta ao Brasil, assumiu cargos na magistratura. Quando ocupou o cargo de ouvidor de Olinda acabou se envolvendo na Revolução Pernambucana, o que lhe valeu, ao fim, quatro anos de cárcere. Em 1821, anistiado e já livre, foi escolhido um dos deputados pela província de São Paulo junto às Cortes de Lisboa, onde teve forte atuação e grande destaque na defesa dos interesses do Brasil, apesar de não defender a separação dos Reinos. Quando retornou ao Brasil, a independência já se desenrolava e consolidava-se. Andrada Machado, como ficaria conhecido na Câmara, foi eleito deputado da Assembleia Constituinte de 1823, fechada por d. Pedro, que outorgou uma Constituição diferente da elaborada pela casa, reforçando sua autoridade e seu poder pessoal. Antônio Carlos foi preso acusado de traição, tendo sido depois deportado para a França com seus irmãos.
Depois de mais essa temporada na Europa, elegeu-se novamente deputado em 1838 e em 1840 foi um dos organizadores do chamado Golpe da Maioridade. Ainda neste ano assumiu a posição de ministro do Império no Gabinete da Maioridade. Participou de outras legislaturas e foi agraciado com o título de Grã-Cruz da Ordem do Cruzeiro. As comendas, quando concedidas, eram assinadas pelo imperador Pedro II e pelo ministro dos Negócios do Império, no caso deste documento, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva.
Transcrição
Querendo dar um público testemunho da Minha Imperial Consideração pelos serviços que João Baptista Debret tem prestado a este Império tanto na organização da Academia Imperial das Belas Artes desta Corte, como na instrução da mocidade, que a elas se tem aplicado na mesma Academia: Hei por bem Fazer-lhe Mercê de o Nomear Cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro. Palácio do Rio de Janeiro em sete de outubro de mil oitocentos e quarenta, décimo nono da Independência, e do Império.
P[edro II]
Antônio Carlos Ribeiro d’Andrada Machado e Silva
P. C. a 2 de novembro de 1840.
Registrado a folha 71 do Livro 15º
Referências:
LEENHARDT, Jacques. Jean-Baptiste Debret: um olhar francês sobre os primórdios do império brasileiro. Sociologia & Antropologia. Rio de Janeiro, v. 3, n. 6, p. 509-523, nov. 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sant/a/JkgR4dbN4xdVps3bvFjMtJq/abstract/?lang=pt.
PEREIRA, Sonia Gomes. Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro: revisão historiográfica e estado da questão. Arte & Ensaios. Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais – EBA, UFRJ. Rio de Janeiro, v. 8, n. 8, p. 73-83, 2001. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/50025/27273.
SILVA, Camila Borges. As comendas honoríficas e a construção do Estado Imperial (1822-1831). Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, jul. 2021. Disponível em: www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1307136341_ARQUIVO_TextoAnpuh2011.pdf.
TREVISAN, Anderson Ricardo. Debret e a Missão Artística Francesa de 1816: aspectos da constituição da arte acadêmica no Brasil. Plural, Revista do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da USP. São Paulo, n. 14, p. 9-32, 2007. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/plural/article/view/75459/79015.