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Constituição para o Império do Brasil
Fundo: Constituições e emendas constitucionais
Código do Fundo: DK
Notação: BR RJANRIO DK.C24.CST.1
Data do documento: 25 de março de 1824
Local: Rio de Janeiro
Folha: 1-3; 12-14; 22v-27v
Tamanho: 26 cm x 40 cm
Veja esse documento na íntegra
Quando o Brasil ficou independente em processo iniciado em 1822, o pacto firmado entre as províncias e o príncipe regente d. Pedro previa que o novo país deveria ser uma monarquia constitucional. A ideia de uma constituição começou a ganhar força no Brasil com a eclosão da revolução do Porto de 1820, que trouxe novos conceitos e significados para o vocabulário político dos colonos, os portugueses do lado de cá do Atlântico. A Constituição era vista como
a arma principal a ser empenhada contra o despotismo, pois evitava que o soberano acumulasse tais poderes em suas mãos. Defendia-se, assim, que a constituição estabelecia a “autoridade que deve formar as leis; a que se encarrega de as fazer cumprir; e a que com efeito as há de executar”, pregando a ideia de que os poderes Legislativo e executivo [sic], “antigamente unidos nas pessoas dos reis”, fossem “divididos e concentrados nos verdadeiros limites de suas naturais e políticas atribuições”.[1]
Diferentemente da expectativa dos ilustrados e letrados do Brasil, sobretudo dos que lutaram pela Independência, a Constituição acabou não vindo da representação direta da nação, da Assembleia Constituinte. Reunida inicialmente em maio de 1823, a Assembleia teve vida curta, tendo sido dissolvida pelo imperador em novembro do mesmo ano, porque discutia formas de limitar os poderes do Executivo, ou seja, de d. Pedro I, e ampliar os poderes do Legislativo. Em uma manobra de autoridade, de matiz absolutista, o imperador dissolve a Assembleia eleita indiretamente e convoca um Conselho de Estado para elaborar a Constituição, formado pelos ministros e outros ilustres, todos brasileiros natos, (João Severiano Maciel da Costa, Luiz José de Carvalho e Mello, Clemente Ferreira França, Mariano José Pereira da Fonseca, João Gomes da Silveira Mendonça, Francisco Vilela Barbosa, Barão de Santo Amaro, Antonio Luiz Pereira da Cunha, Manoel Jacinto Nogueira da Gama e José Joaquim Carneiro de Campos). Tendo como base a Constituição provisória que vinha sendo elaborada pela Assembleia, d. Pedro I mantém boa parte do que já havia sido acordado, mas impõe uma mudança que conserva parte de seu poder absoluto, o poder Moderador. A Constituição é outorgada em 25 de março de 1824 e tem um caráter liberal moderado.
Apesar de ser a Carta Constitucional de um jovem país escravista, a Constituição traz apenas duas breves menções a ingênuos (filhos de libertos ou de pais livres) e libertos. No mais, não há menções a escravizados (ou escravos, nos termos da época) ou ao próprio sistema escravista, que sustentava todo o Império, inclusive a monarquia.
A Constituição, que foi influenciada pelas Cartas francesa de 1791 e espanhola de 1812, estabelecia as bases da organização política do Estado, uma monarquia hereditária, dividida em províncias, constitucional e representativa (os representantes da nação eram a Assembleia Legislativa e o próprio imperador), cuja religião oficial permanecia a católica romana.
A Constituição determinava a divisão das funções do Estado em poderes, inspirados nas ideias de Montesquieu, com exceção do fato de terem sido criados quatro poderes, o Legislativo, o Executivo, o Judicial e o Moderador. Esse último era considerado, de acordo com o texto da própria Constituição, “a chave de toda a organização política” do Estado. Na prática, todo poder que a Assembleia Constituinte pretendeu limitar ao imperador, foi a ele atribuído. O poder Moderador previa que o imperador, a quem nenhuma responsabilidade legal caberia, nomeasse os senadores, escolhendo um em uma lista tríplice de eleitos; convocasse a Assembleia Geral extraordinariamente; sancionasse as resoluções dessa, para que tivessem força de lei; aprovasse ou não as resoluções dos conselhos provinciais; dissolvesse e reconvocasse a câmara dos deputados, em casos considerados extremos; nomeasse e demitisse livremente os ministros de Estado; suspendesse magistrados, interferindo diretamente no poder Judicial; perdoasse ou moderasse sentenças de réus, bem como concedesse anistia, caso fosse a favor do “bem do Estado”.
O primeiro artigo da Carta dizia que o “Império do Brasil é a associação política de todos os cidadãos brasileiros”, formando uma nação livre e independente. O conceito de cidadania previsto pela lei estabelecia que os cidadãos fossem os homens livres e libertos nascidos no território do Império, portugueses residentes que o adotassem como pátria, a partir da Independência em 1822, e estrangeiros naturalizados. A Constituição também estabelecia uma distinção importante entre os cidadãos que teriam, além dos direitos naturais, direitos políticos também, criando as categorias de cidadão ativo e cidadão passivo, que seriam fundamentais nas eleições dos representantes do Império. As eleições do Império do Brasil seriam assim escolhas indiretas, em dois turnos, e baseadas em critérios censitários, excluindo boa parte da população do processo eletivo e da cidadania. Os cidadãos passivos seriam aqueles que tinham direito de votar para escolherem os eleitores; os cidadãos ativos seriam os eleitores, que tinham o direito de votar nos representantes da nação (bem como esses), e os critérios usados para determinar quem seria ativo ou passivo dependia da renda líquida ou bens de raiz de que fossem proprietários. Para ser cidadão passivo exigia-se a renda mínima anual de 100 mil réis, o que, segundo José Murilo de Carvalho, permitia que a “população pobre” não fosse excluída do direito ao voto. Não somente proprietários, mas libertos, “trabalhadores rurais, artesãos, empregados públicos e alguns poucos profissionais liberais”[2] eram obrigados a votar nas eleições primárias, as que escolhiam os eleitores. Estes deveriam ter a renda mínima de 200 mil réis, e escolheriam os deputados e senadores, que precisavam ser brasileiros natos, católicos e possuidores de ao menos 400 mil réis de renda mínima anual para serem eleitos. Presidentes de província eram escolhidos pelo governo central. Os votantes, cidadãos passivos, escolhiam vereadores e juízes de paz em um só turno. Não tinham direitos políticos mulheres, escravizados, menores de vinte e cinco anos não casados, criados de servir, criados da Casa Imperial (com exceções), administradores de fazendas e fábricas, religiosos que vivessem em claustro, ou qualquer homem livre maior de vinte e cinco anos que não tivesse ao menos 100 mil réis de renda líquida anual.
A Constituição de 1824 garantia ainda direitos civis aos cidadãos, como a liberdade de ir e vir, a liberdade de expressão e imprensa, o direito à segurança, à propriedade, à liberdade religiosa, a lei igual para todos, sem privilégios de nascimento, o direito à instrução primária e o fim das punições físicas e torturas aos cidadãos.
Poucas mudanças ocorreram na Carta Constitucional de 1824 ao longo dos dois reinados do Império, duas delas o Ato Adicional de 1834, que promoveu uma descentralização política e administrativa durante o período regencial, e a reforma eleitoral de 1881. A Constituição outorgada em 1824 foi revogada já na República, e foi substituída pela de 1891.
O documento, que tem uma capa de veludo verde e o brasão do Império em douração de ouro, foi escrito por Luiz Joaquim dos Santos Marrocos, bibliotecário da Real Biblioteca Portuguesa, que veio para o Brasil em 1811 acompanhando o acervo real. Também exerceu o cargo de oficial-maior da Secretaria de Estados dos Negócios do Império.
A guarda da Constituição também foi estabelecida em seu artigo 70, que previa que o original deveria ser recolhido ao Arquivo Público do Império, que somente foi criado em 1838. Desde então a Constituição de 1824 faz parte do acervo do Arquivo Nacional.
Transcrição (trechos)
Dom Pedro Primeiro, por graça de Deus e unânime aclamação dos povos Imperador Constitucional, e Defensor Perpétuo do Brasil: Fazemos saber a todos os nossos súditos que, tendo-nos requerido os povos deste Império, juntos em câmaras, que nós quanto antes jurássemos, e fizéssemos jurar o projeto de Constituição, que havíamos oferecido às suas observações, para serem depois presentes à nossa Assembleia Constituinte; mostrando o grande desejo, que tinham de que ele se observasse já, como Constituição do Império, por lhes merecer a mais plena aprovação e dele esperarem a sua individual e geral felicidade política: Nós juramos o sobredito projeto para o observarmos e fazermos observar, como Constituição, que d’ora em diante fica sendo deste Império, a qual é do teor seguinte:
Constituição Política do Império do Brasil
Em nome da Santíssima Trindade
Título I
Do Império do Brasil, seu território, governo, dinastia e religião.
Artigo 1º. O Império do Brasil é a associação política de todos os cidadãos brasileiros. Eles formam uma nação livre e independente, que não admite com qualquer outra laço algum de união, ou federação, que se oponha à sua Independência.
Art. 2º. O seu território é dividido em províncias na forma, em que atualmente se acha, as quais poderão ser subdivididas, como pedir o bem do Estado.
Art. 3º. O seu governo é monárquico hereditário constitucional e representativo.
Art. 4º. A dinastia imperante é a do senhor Dom Pedro I. atual Imperador e Defensor Perpétuo do Brasil.
Art. 5º. A religião católica apostólica romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com o seu culto doméstico ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo.
Título II
Dos cidadãos brasileiros
Art. 6º. São cidadãos brasileiros:
- Os que no Brasil tiverem nascido, quer sejam ingênuos ou libertos; ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviços da sua nação.
- Os filhos de pai brasileiro, e os ilegítimos de mãe brasileira, nascidos em país estrangeiro, que vierem estabelecer domicílio no Império.
- Os filhos de pai brasileiro, que estivesse em país estrangeiro em serviço do Império, embora eles não venham estabelecer domicílio no Brasil;
- Todos os nascidos em Portugal e suas possessões, que sendo já residentes no Brasil na época, em que se proclamou a Independência nas províncias, onde habitavam, aderiram a esta, expressa ou tacitamente, pela continuação da sua residência.
- Os estrangeiros naturalizados, qualquer que seja a sua religião. A lei determinará as qualidades precisas, para se obter carta de naturalização.
Art. 7º. Perde os direitos de cidadão brasileiro
- O que se naturalizar em país estrangeiro.
- O que sem licença do Imperador aceitar emprego, pensão, ou condecoração de qualquer governo estrangeiro.
- O que for banido por sentença.
Art. 8º. Suspende-se o exercício dos direitos políticos
- Por incapacidade física ou moral.
- Por sentença condenatória a prisão ou degredo enquanto durarem os seus efeitos.
Título III
Dos poderes e representação nacional
Art. 9º. A divisão e harmonia dos poderes políticos é o princípio conservador dos direitos dos cidadãos, e o mais seguro meio de fazer efetivas as garantias, que a Constituição oferece.
Art. 10º. Os poderes políticos reconhecidos pela Constituição do Império do Brasil são quatro: o poder Legislativo, o poder Moderador, o poder Executivo, e o poder Judicial.
Art. 11º. Os representantes da nação brasileira são o Imperador e a Assembleia Geral.
Art. 12º. Todos esses poderes no Império do Brasil são delegações da nação.
[...]
Capítulo VI
Das eleições
Art. 90º. As nomeações dos deputados e senadores para a Assembleia Geral, e dos membros dos conselhos gerais das províncias serão feitas por eleições indiretas, elegendo a massa dos cidadãos ativos em assembleias paroquiais os eleitores de província, e estes os representantes da nação e província.
Art. 91º. Tem voto nestas eleições primárias
- Os cidadãos brasileiros, que estão no gozo de seus direitos políticos.
- Os estrangeiros naturalizados.
Art. 92º. São excluídos de votas nas assembleias paroquiais
- Os menores de vinte e cinco anos, nos quais se não compreendem os casados e oficiais militares, que forem maiores de vinte e um anos, os bacharéis formados, e clérigos de ordens sacras.
- Os filhos famílias, que estiverem na companhia de seus pais, salvo se servirem ofícios públicos.
- Os criados de servir, em cuja classe não entram os guarda-livros, e primeiros caixeiros de casas de comércio; os criados da Casa Imperial, que não forem de galão branco; e os administradores das fazendas rurais, e fábricas.
- Os religiosos, e quaisquer que vivam em comunidade claustral.
- Os que não tiverem de renda líquida anual cem mil réis por bens de raiz, indústria, comércio, ou empregos.
Art. 93º. Os que não podem votar nas assembleias primárias de paróquia, não podem ser membros, nem votar na nomeação de alguma autoridade eletiva nacional ou local.
Art. 94º. Podem ser eleitores, e votar na eleição dos deputados, senadores, e membros dos conselhos de província todos os que podem votar na assembleia paroquial. Exceptuam-se:
- Os que não tiverem de renda líquida anual duzentos mil réis por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego.
- Os libertos.
- Os criminosos pronunciados em querela ou devassa.
Art. 95º. Todos os que podem ser eleitores, são hábeis para serem nomeados deputados. Exceptuam-se
- Os que não tiverem quatrocentos mil réis de renda líquida, na forma dos artigos 92º e 94º.
- Os estrangeiros naturalizados.
- Os que não professarem a religião do Estado.
Art. 96º. Os cidadãos brasileiros em qualquer parte, que existam, são elegíveis em cada distrito eleitoral para deputados ou senadores, ainda quando aí não sejam nascidos, residentes ou domiciliados.
Art. 97º. Uma lei regulamentar marcará o modo prático das eleições, e o número dos deputados relativamente à população do Império.
Título V
Do Imperador.
Capítulo I
Do poder Moderador.
Art. 98º. O poder Moderador é a chave de toda a organização política, e é delegado privativamente ao Imperador, como chefe supremo da nação, e seu primeiro representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos.
Art. 99º. A pessoa do Imperador é inviolável, e sagrada. Ele não está sujeito a responsabilidade alguma.
Art. 100º. Os seus títulos são = Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil = e tem o tratamento de Majestade Imperial.
Art. 101º. O Imperador exerce o poder Moderador
- Nomeando os senadores na forma do Artigo 43º.
- Convocando a Assembleia Geral extraordinariamente nos intervalos das sessões, quando assim o pede o bem do Império.
- Sancionando os decretos e resoluções da Assembleia Geral, para que tenham força de lei: Art. 62º.
- Aprovando e suspendendo interinamente as resoluções dos conselhos provinciais: Art. 86º e 87º.
- Prorrogando ou adiando a Assembleia Geral, e dissolvendo a câmara dos deputados, nos casos, em que o exigir a salvação do Estado; convocando imediatamente outras, que a substitua.
- Nomeando e demitindo livremente os ministros d’Estado.
- Suspendendo os magistrados, nos casos do Artigo 154º.
- Perdoando e moderando as penas impostas aos réus condenados por sentença.
- Concedendo anistia em caso urgente, e que assim aconselhem a humanidade e bem do Estado.
[...]
Título VIII
Das disposições gerais, e garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros.
Art. 173º. A Assembleia Geral no princípio das suas sessões examinará se a Constituição Política do Estado tem sido exatamente observada, para prover como for justo.
Art. 174º. Se passados quatro anos, depois de jurada a Constituição do Brasil, se conhecer que algum dos seus Artigos merece reforma, se fará a proposição por escrito, a qual deve ter origem na câmara dos deputados, e ser apoiada pela terça parte deles.
Art. 175º. A proposição será lida por três vezes com intervalos de seis dias de uma a outra leitura; e depois da terceira, deliberará a câmara dos deputados se poderá ser admitida à discussão; seguindo-se tudo o mais, que é preciso para a formação de uma lei.
Art. 176º. Admitida a discussão, e vencida a necessidade da reforma do Artigo Constitucional, se expedirá lei, que será sancionada e promulgada pelo Imperador em forma ordinária; e na qual se ordenará aos eleitores dos deputados para a seguinte legislatura que nas procurações lhes confiram especial faculdade para a pretendida alteração ou reforma.
Art. 177º. Na seguinte legislatura e na primeira sessão será a matéria proposta e discutida; e o que se vencer prevalecerá para a mudança ou adição à lei fundamental; e juntando-se à Constituição, será solenemente promulgada.
Art. 178º. É só constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições respectivas dos poderes políticos, e aos direitos políticos e individuais dos cidadãos. Tudo o que não é constitucional pode ser alterado sem as formalidades referidas pelas legislaturas ordinárias.
Art. 179º. A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império pela maneira seguinte.
- Nenhum cidadão pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei.
- Nenhuma lei será estabelecida sem utilidade pública.
- A sua disposição não terá efeito retroativo.
- Todos podem comunicar os seus pensamentos por palavras, e escritos, e publicá-los pela imprensa, sem dependência de censura; contanto que hajam de responder pelos abusos, que cometerem no exercício deste direito, nos casos, e pela forma, que a lei determinar.
- Ninguém pode ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeite a do Estado, e não ofenda a moral pública.
- Qualquer pode conservar-se, ou sair do Império, como lhe convenha, levando consigo os seus bens, guardados os regulamentos policiais, e salvo o prejuízo de terceiro.
- Todo o cidadão tem em sua casa um asilo inviolável. De noite não se poderá entrar nela, senão por seu consentimento, ou para o defender de incêndio ou inundação; e de dia só será franqueada a sua entrada os casos e pela maneira, que a lei determinar.
- Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados na lei; e nestes dentro de vinte e quatro horas, contadas da entrada na prisão, sendo em cidades, vilas, ou outras povoações próximas aos lugares da residência do juiz; e nos lugares remotos dentro de um prazo razoável, que a lei marcará, atenta a extensão do território; o juiz por uma nota, por ele assinada, fará constar ao réu o motivo da prisão, os nomes do seu acusador, e os das testemunhas, havendo-as.
- Ainda com culpa formada, ninguém será conduzido à prisão, ou nela conservado, estando já preso, se prestar fiança idônea nos casos, que a lei admite; e em geral nos crimes, que não tiverem maior pena, do que a de seis meses de prisão, ou desterro para fora da comarca, poderá o réu livrar-se solto.
- À exceção de flagrante delito, a prisão não pode ser executada, senão por ordem escrita pela autoridade legítima. Se esta for arbitrária, o juiz, que a deu, e quem a tiver requerido, serão punidos com as penas, que a lei determinar. O que fica disposto acerca da prisão antes de culpa formada, não compreende as ordenanças militares, estabelecidas como necessárias à disciplina e recrutamento do Exército; nem os casos, que não são puramente criminais, e em que a lei determina todavia a prisão de alguma pessoa, por desobedecer aos mandados da justiça, ou não cumprir alguma obrigação dentro de determinado prazo.
- Ninguém será sentenciado, se não pela autoridade competente, por virtude de lei anterior, e na forma por ela prescrita.
- Será mantida a independência do poder Judicial. Nenhuma autoridade poderá avocar as causas pendentes, sustá-las, ou fazer reviver os processos findos.
- A lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue; e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um.
- Todo o cidadão pode ser admitido aos cargos públicos civis, políticos, ou militares, sem outra diferença, que não seja a dos seus talentos e virtudes.
- Ninguém será isento de contribuir para as despesas do Estado em proporção dos seus haveres.
- Ficam abolidos todos os privilégios, que não forem essencial e inteiramente ligados aos cargos, por utilidade pública.
- À exceção das causas, que por sua natureza pertencem a juízos particulares, na conformidade das leis; não haverá foro privilegiado, nem comissões especiais nas causas cíveis ou crimes.
- Organizar-se-á quanto antes um código civil e criminal, fundado nas sólidas bases da justiça e equidade.
- Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis.
- Nenhuma pena passará da pessoa do delinquente. Portanto não haverá em caso algum confiscação de bens; nem a infâmia do réu se transmitirá aos parentes em qualquer grau, que seja.
- As cadeias serão seguras, limpas, e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza dos seus crimes.
- É garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem público legalmente verificado exigir o uso e emprego da propriedade do cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela. A lei marcará os casos, em que terá lugar esta única exceção, e dará as regras para se determinar a indenização.
- Também fica garantida a dívida pública.
- Nenhum gênero de trabalho, de cultura, indústria, ou comércio pode ser proibido, uma vez que não se oponha aos costumes públicos, à segurança e saúde dos cidadãos.
- Ficam abolidas as corporações de ofícios, seus juízes, escrivães, e mestres.
- Os inventores terão a propriedade das suas descobertas, ou das suas produções. A lei lhes assegurará um privilégio exclusivo temporário, ou lhes remunerará em ressarcimento da perda, que hajam de sofrer pela vulgarização.
- O segredo das cartas é inviolável. A administração do Correio fica rigorosamente responsável por qualquer infração deste artigo.
- Ficam garantidas as recompensas conferidas pelos serviços feitos ao Estado, quer civis, quer militares; assim como o direito adquirido a elas na forma das leis.
- Os empregados públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões praticadas no exercício das suas funções, e por não fazerem efetivamente responsáveis aos seus subalternos.
- Todo o cidadão poderá apresentar por escrito ao poder Legislativo e ao Executivo reclamações, queixas, ou petições, e até expor qualquer infração da Constituição, requerendo perante a competente autoridade a efetiva responsabilidade dos infratores.
- A Constituição também garante os socorros públicos.
- A instrução primária e gratuita a todos os cidadãos.
- Colégios e universidades, aonde serão ensinados os elementos das ciências, belas letras e artes.
- Os poderes constitucionais não podem suspender a Constituição no que diz respeito aos direitos individuais, salvo nos casos e circunstâncias especificadas no § seguinte.
- Nos casos de rebelião ou invasão de inimigos, pedindo a segurança do Estado que se dispensem por tempo determinado algumas das formalidades, que garantem a liberdade individual, poder-se-á fazer por ato especial do poder Legislativo. Não se achando porém a esse tempo reunida a Assembleia, e correndo a pátria perigo iminente, poderá o governo exercer esta mesma providência, como medida provisória e indispensável; suspendendo-a imediatamente que cesse a necessidade urgente, que a motivou; devendo num e noutro caso remeter à Assembleia, logo que reunida for, uma relação motivada das prisões e doutras medidas de prevenção tomadas; e quaisquer autoridades, que tiverem mandado proceder a elas, serão responsáveis pelos abusos que tiverem praticado a esse respeito. Rio de Janeiro 11 de dezembro de 1823.
João Severiano Maciel da Costa
Luiz José de Carvalho e Mello
Clemente Ferreira França
Mariano José Pereira da Fonseca
João Gomes da Silveira Mendonça
Francisco Vilela Barbosa
Barão de Santo Amaro
Antonio Luiz Pereira da Cunha
Manoel Jacinto Nogueira da Gama
José Joaquim Carneiro de Campos
Mandamos portanto a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução desta Constituição pertencer, que a jurem e façam jurar, a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente, como nela se contém. O secretário de Estado dos Negócios do Império a faça imprimir, publicar e correr. Dada na cidade do Rio de Janeiro aos vinte e cinco de março de mil oitocentos e vinte quatro, terceiro da Independência e do Império.
Imperador P.
João Severiano Maciel da Costa
Carta de Lei pela qual Vossa Majestade Imperial manda cumprir e guardar inteiramente a Constituição Política do Império do Brasil, que vossa majestade imperial jurou, anuindo às representações dos povos.
Para vossa majestade imperial ver.
Registrada na Secretaria de Estado dos Negócios do Império à folha 17 do livro 4º de Leis, Alvarás e Cartas Régias. Rio de Janeiro em 22 de abril de 1824.
José Antonio d’Alvarenga Pimentel
Luiz Joaquim dos Santos Marrocos a fez
Referências
NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das. Constituição: usos antigos e novos de um conceito no Império do Brasil (1821-1860). In: CARVALHO, José Murilo de e NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das (Orgs.) Repensando o Brasil do Oitocentos. Cidadania, política e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo caminho. 16ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
SANTOS, Beatriz Catão Cruz e FERREIRA, Bernardo. Cidadão. In: FERES JÚNIOR, João (Org.). Léxico da História dos Conceitos Políticos do Brasil. 2ª ed., Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das e NEVES, Guilherme Pereira das. Constituição. In: FERES JÚNIOR, João (Org.). Léxico da História dos Conceitos Políticos do Brasil. 2ª ed., Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
GRINBERG, Keila. Constituição. In: VAINFAS, Ronaldo (Dir.). Dicionário do Brasil Imperial. (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
[1] NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das. Constituição: usos antigos e novos de um conceito no Império do Brasil (1821-1860). In: CARVALHO, José Murilo de e NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das (Orgs.) Repensando o Brasil do Oitocentos. Cidadania, política e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 188.
[2] CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo caminho. 16ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013, p. 30.