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Carta de Manoel Passos de Magalhães para sentar praça no batalhão de libertos
Fundo: Diversos – SDH - Códices
Código do fundo: NP
Notação: BR RJANRIO NP CÓD. 858, vol. 1
Data do documento: 19 de junho de 1823
Local: [Rio de Janeiro]
Folha(s): -
Tamanho: 40,7 cm x 24,6 cm
Veja esse documento na íntegra
Carta de Manoel dos Passos de Magalhães na qual roga ao Imperador d. Pedro I que lhe desse a liberdade ou o perdão do restante de sua pena para que pudesse sentar praça no batalhão de artilharia de libertos e “servir a nação”, dando “a última gota de sangue pelo Império”. Manoel havia sido sentenciado a 10 anos de prisão na Fortaleza da Laje, e já havia cumprido 6 anos e 7 meses, faltando, para concluir, 3 anos e cinco meses.
A carta, datada de 19 de junho de 1823, é produzida ainda no contexto das guerras de independência no Brasil. Entre meados de 1822 e 1823 algumas províncias brasileiras encontravam-se em guerra interna, nas quais prevalecia a disputa entre adeptos da independência e da regência de d. Pedro no Rio de Janeiro, adeptos da manutenção da fidelidade a Portugal, ao rei d. João VI e às Cortes Portuguesas, e grupos que pretendiam até mesmo a independência das províncias do reino do Brasil. Por essa razão havia grande demanda de batalhões e soldados a serem enviados para as províncias, vindos do Rio de Janeiro, para defender a “causa” do Brasil, ou seja, os adeptos da independência política sob a liderança de d. Pedro. Em 12 de novembro de 1822 d. Pedro I promulgou um decreto que autorizava a criação de um batalhão de artilharia composto de libertos ante a constatação de que não havia tropas de artilharia na corte suficientes para compor as fortalezas dos portos e defender a costa brasileira.
A criação de batalhões de libertos não ocorreu somente no Rio de Janeiro: em regiões que estavam em conflito como a Bahia e a Cisplatina, entre outras, houve a criação desses batalhões, bem como de alguns compostos por escravos (mesmo que esses não tenham sido formalmente autorizados pelo imperador). A presença de negros e pardos, mesmo livres, no exército criou tensões entre oficiais e soldados brancos, que não admitiam dividir suas patentes com homens de cor. Havia ainda o eminente risco de uma convulsão social, essa especialmente ligada aos escravos que ingressassem nas tropas, mas também com a participação das classes baixas, como os libertos, como aconteceu na Bahia, com o Terceiro Batalhão de Caçadores do Exército, ou Batalhão dos Periquitos (assim chamados devido ao verde do penacho de suas fardas). Ante a notícia de que seriam transferidos para Pernambuco e seu comandante enviado para o Rio de Janeiro, os “periquitos” se revoltaram e assassinaram o governador das armas, coronel Felisberto Gomes Caldeira, dando início a um levante na cidade de Salvador que duraria mais de um mês.[1]
Manoel dos Passos de Magalhães queria ingressar no batalhão de libertos que viria a se formar no Rio de Janeiro – não se sabe o resultado de sua petição. Enquanto esteve preso, Magalhães ficou na fortaleza da Laje, hoje conhecida como Forte Tamandaré da Laje, que fica no Rio de Janeiro, mais ou menos no meio da entrada da barra da baía da Guanabara, em local estratégico. Desde o século XVI havia um projeto dos portugueses de erguer um forte na pequena ilha que parecia uma laje de pedra, sobre a qual Villegaignon construiu a Bateria Ratier (um pequeno bunker sobre a ilha) durante o malogrado período da França Antártica. O projeto foi retomado no início do século XVIII, quando se começou a construir um forte sobre a bateria. Na passagem de Duguay-Trouin pela baía já havia alguma construção, mas sem armamento capaz de combater a passagem do corsário francês que tomaria a cidade em 1711. A fortaleza somente ficou pronta no final do século XVIII e serviu para a proteção da cidade e para abrigo de presos. Alguns nomes destacados ficaram presos na fortaleza da Laje, como os irmãos Andrada e Cipriano Barata, depois de fechada a Assembleia Constituinte de 1823, o capitão Pedro Ivo Veloso da Silveira, líder da revolução Praieira (1848) e até o poeta Olavo Bilac, no início da República.
O grande destaque do documento, entretanto, são os desenhos e pinturas que representam, provavelmente, o preso, como ele mesmo diz “prostrado aos pés de Deus”, na figura do Cristo e junto com o que parece ser Nossa Senhora, pedindo que Eles intercedessem junto ao imperador para lhe dar a liberdade.
Transcrição
Manoel dos Passos de Magalhães, preso sentenciado por 10 anos, na Fortaleza da Laje, aonde tem cumprido 6 anos e 7 meses, faltando 3 anos e cinco meses e como se lembra que Vossa Majestade Imperial é benigno e tem compaixão dos infelizes [razão] por que prostrado aos pés de Deus lhe roga e pede para que lhe ajude a interceder a Vossa Majestade Imperial a minha liberdade ou o perdão do meu crime para sentar praça no batalhão de artilharia de libertos, pois é o gosto do suplicante servir a nação e dar a última gota de sangue pelo Império portanto
[Pede] a Vossa Majestade Imperial seja servido atender a súplica do suplicante o qual de cuja [ilegível]
E Receberá Mercê
Fortaleza da Laje 19 de junho de 1823
Manoel dos Passos de Magalhães
[1] Ver KRAAY, Hendrik. “Em outra coisa não falavam os pardos, cabras, e crioulos”: o “recrutamento” de escravos na guerra da Independência da Bahia. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 22, n. 43, p. 109-126, 2002; Revolta dos Periquitos. Impressões Rebeldes, UFF, Niterói. Visto em 26/07/2022: https://www.historia.uff.br/impressoesrebeldes/revolta/revolta-dos-periquitos/.