Notícias
Carta de anistia geral de d. Pedro
Fundo: Diversos - SDH - Códices
Código do Fundo: NP
Notação: BR RJANRIO NP códice 970
Data do documento: 18 de setembro de 1822
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 9 e 9v
Tamanho original: 24,2 cm x 37,4 cm
Veja esse documento na íntegra
Carta na qual d. Pedro (1798-1834), príncipe regente do Brasil, e José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), então ministro dos Negócios do Reino e dos Estrangeiros e conselheiro de Estado, concedem anistia geral a todos os habitantes do Brasil que aderissem à causa da Independência, mesmo que tivessem sido de posição política oposta anteriormente.
É importante notar que, apesar de o documento ser de data posterior ao 7 de setembro, d. Pedro continua assinando como príncipe regente, pois sua aclamação como imperador do Brasil ocorreu somente em 12 de outubro de 1822, e a cerimônia de sagração e coroação aconteceu em 1º de dezembro de 1822. Na segunda página do documento está a assinatura de d. Pedro, com um P e um R, de Príncipe Regente, e também a assinatura do ministro e conselheiro de Estado José Bonifácio de Andrada Ribeiro. O documento é original.
No contexto de produção da carta, o Brasil incluía as províncias que haviam aderido ao governo do Rio de Janeiro, comandado por d. Pedro. Entre as que não haviam abraçado a causa de um país independente, estavam a Bahia, o Maranhão e o Grão Pará, que somente proclamaram sua independência e prestaram juramento a d. Pedro em 1823. Essas províncias, que neste momento estavam à beira de uma guerra civil, prevalecia o partido que defendia a manutenção dos vínculos com Portugal, e não o que defendia a adesão ao governo do Rio de Janeiro (ainda havia aqueles que defendiam uma independência total, do Rio de Janeiro e de Portugal). Os que defendiam a adoção do governo do Rio de Janeiro argumentavam que o faziam para que o país não fosse rebaixado novamente ao lugar de colônia. Não custa lembrar que em 1815 o Brasil foi alçado à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves, e deixava oficialmente de ser colônia. Entretanto, com o retorno do rei e da corte para Portugal em 1821, a situação do Rio de Janeiro ficara delicada: já não era mais a sede do império, e almejava manter-se sede do reino unido do Brasil. As medidas adotadas pelas Cortes em Lisboa indicavam que Portugal, na posição de sede do Império novamente, pretendia tomar medidas que significariam a perda de autonomia do Brasil, no comércio, na indústria, e no campo político. Até mesmo a exigência do retorno de d. Pedro a Portugal simbolizava que o Brasil perderia seu governo autônomo, e o próximo passo seria provavelmente o retorno ao estatuto de colônia.
Os que defendiam a manutenção dos laços com Portugal argumentavam que o Rio de Janeiro usurpava a pátria mãe, e queria criar um governo próprio. Ou seja, se ficassem ao lado do governo de d. Pedro, as províncias seriam nada mais do que colônias do Rio de Janeiro, e não províncias com o mesmo estatuto. Nesse caso, entre ser colônia do Rio de Janeiro e ser colônia de Portugal, preferiam os laços mais antigos e duradouros. Não se pode esquecer também que em 1821, quando os portugueses de Portugal juraram a Constituição de Cádiz, simbolizando um juramento à futura constituição do Império português que ainda não tinha sido elaborada, os portugueses do Brasil também juraram a constituição e fidelidade às Cortes portuguesas. Essas províncias “dissidentes” mantinham seu juramento de 1821 e não pretendiam trair Portugal com o Rio de Janeiro. Não custa reforçar que a opção pela independência demorou bastante a tomar forma: o Rio de Janeiro buscava manter sua posição como sede do governo do Brasil, mas não pretendia, a princípio, romper os laços com o império português.
Quando a opção pela Independência se torna definitiva, o governo do Rio de Janeiro, que impulsiona o movimento, começa a agregar as províncias que pretendiam manter sua fidelidade a d. Pedro, criando uma “causa brasileira”, a da independência, opondo-se às províncias que preferiam manter seus laços com Portugal, por questões históricas. Tanto o Grão-Pará e o Maranhão, que durante boa parte do período colonial brasileiro compunham um estado separado do estado do Brasil, o Estado do Grão-Pará e Maranhão, se reportavam diretamente ao governo de Lisboa, e não tinham relações mais profundas com o Sul e o Rio de Janeiro (mesmo no período em que esse foi sede do Vice-Reinado do Brasil). As províncias reunidas sob o comando do Rio de Janeiro, portanto, declaram guerra às que não aderiram à causa da independência e os conflitos têm início ainda em 1822. A carta de anistia de d. Pedro pode ser considerada uma tentativa de intimidação das províncias rebeldes para aderirem ao Brasil, já que segundo o documento, aquele que não aderisse à “grande causa da independência política” deveria se retirar do país.
O documento encontra-se redigido, provavelmente, em papel oriundo de fibras vegetais como o linho cânhamo, com o uso de tinta conhecida como ferrogálica, feita a partir de uma mistura de água ou vinho, noz-de-galha, goma arábica e um sal de ferro. Essa mistura, considerada barata e eficiente para a escrita, começou a ser usada ainda em finais da Idade Média e durou até o século XX. Apesar de barata e acessível, a tinta ferrogálica traz um grave problema para a preservação dos documentos atualmente: quando o ferro oxida, causa deterioração do papel e a tinta “contamina” o entorno das letras, gerando manchas de uma página a outra, além de promover a quebra do papel, abrindo furos onde havia as letras, causando a perda da informação dos documentos.
Transcrição
Podendo acontecer que existam ainda no Brasil dissidentes da grande causa da sua Independência política, que os povos proclamaram e eu jurei defender, os quais ou por crassa ignorância, ou por cego fanatismo pelas antigas opiniões espalhem rumores nocivos à união e tranquilidade de todos os bons brasileiros; e até mesmo ousem formar prosélitos de seus erros: Cumpre imperiosamente atalhar ou prevenir este mal, separando os pérfidos, expurgando deles o Brasil, para que as suas ações e a linguagem das suas opiniões depravadas não irritem os bons e leais brasileiros a ponto de se atear a guerra civil, que tanto me esmero em evitar: E porque eu desejo sempre aliar a bondade com a justiça, e com a salvação pública, suprema lei das nações: Ei por bem, e com o parecer do meu Conselho de Estado, ordenar o seguinte. = Fica concedida anistia geral para todas as passadas opiniões políticas até a data deste meu real decreto, excluídos todavia dela aqueles que já se acharem presos, e em processo. Todo o português europeu, ou o brasileiro, que abraçar o atual sistema do Brasil, e estiver pronto a defendê-lo usará por distinção da flor verde dentro do ângulo d’ouro no braço esquerdo com a legenda = Independência ou Morte. = Todo aquele porém que não quiser abraçá-lo, não devendo participar com os bons cidadãos dos benefícios da sociedade cujos direitos não respeite, deverá sair do lugar em que reside dentro de trinta dias, e do Brasil dentro de quatro meses nas cidades centrais, e dois meses nas marítimas, contados do dia em que for publicado este meu real decreto nas respectivas províncias do Brasil em que residir, ficando obrigado a solicitar o competente passaporte. Se entretanto porém [ataiar] o dito sistema e a sagrada causa do Brasil ou de palavra ou por escrito, será processado sumariamente e punido com todo o rigor que as leis impõem aos réus de lesa nação, e perturbadores da tranquilidade pública. Nestas mesmas penas incorrerá todo aquele que, ficando no reino do Brasil cometer igual atentado. José Bonifácio de Andrada e Silva, do meu Conselho de Estado, e do Conselho de sua majestade fidelíssima el rei o senhor dom João Sexto, e meu ministro e secretário de Estado dos Negócios do Reino e Estrangeiros assim o tenha entendido e faça executar, mandando-o publicar, correr, e expedir por cópia aos governos provinciais do reino do Brasil. Palácio do Rio de Janeiro dezoito de setembro de mil oitocentos e vinte e dois.
P[ríncipe] R[egente]
José Bonifácio de Andrada e Silva