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Carrinhos Gary para limpeza pública
Fundo: Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas
Código do Fundo: 4M
Notação: BR_RJANRIO_4M_0_MAP_0125
Data do documento: 1882
Local: Rio de Janeiro
Folha: -
Veja esse documento na íntegra
O Rio de Janeiro foi uma das primeiras cidades no Brasil a oferecer serviço de limpeza urbana, sobretudo depois de 1808, para deixar limpas as ruas da nova capital do império português. A chegada da corte trouxe uma série de melhorias para a infraestrutura da cidade, entre elas o varrimento e o recolhimento do lixo das ruas. Antes desse serviço, havia muita sujeira nos logradouros públicos e a falta de asseio predominava.
A Intendência Geral de Polícia da Corte era responsável pelas medidas relativas ao lixo e à sujeira até os anos de 1830, quando a limpeza pública passou a caber à câmara municipal. A origem da maior parte do lixo do Rio de Janeiro era orgânica, era oriundo de urinóis, escarradeiras, cuspideiras e penicos, frascos de remédios, pedaços de tecido, madeira, restos de comida, lama, capim, areia, terra, cadáveres de animais, algas, carcaças de baleias e outros animais em praias e pântanos, restos de matadouros, lixos de hospitais, além de outros objetos. No topo da lista de sujeiras estavam os cadáveres de animais e depois o estrume. Outro problema era a criação de porcos soltos nas ruas, fuçando e espalhando mais ainda o lixo (a criação de porcos nos limites da cidade só foi proibida em 1850).
Antes de 1865, quando passou a ser destinado a um lugar único, o lixo percorria menores distâncias entre o local de produção e de despejo, como praias, lagoas, pântanos etc. O trabalho braçal era executado por escravos urbanos: os tigres. O trabalho dos tigres era fundamental. Eram eles quem retiravam tonéis, recipientes, vasilhames com dejetos e os carregavam a pé das casas até o mar ou pântanos e lagoas. A base do serviço sanitário da cidade até os anos 1830, pelo menos, eram os tigres. Recebiam esse nome porque o conteúdo dos recipientes, normalmente carregados na cabeça, derramava e escorria por seus corpos, manchando-os, deixando-os “tigrados”. O trabalho dos tigres e outros foi se tornando obsoleto conforme chegavam as melhorias tecnológicas na cidade, como o contrato com a companhia Rio de Janeiro City Improvements, que veio fazer o esgotamento da capital no ano de 1862. Apesar de ser considerado um serviço ruim, o Rio de Janeiro foi uma das primeiras capitais no mundo a receber um serviço de rede de esgoto, que separava, enfim, o lixo sólido, das águas servidas.
Em 1830, a primeira postura da câmara municipal em relação à limpeza da cidade foi proibir o depósito de lixo nas ruas. Em 1850, a câmara contratou a empresa de João Frederico Russel para a retirada de esgoto e águas pluviais das casas. Em 1851, houve a primeira grande epidemia de febre amarela na cidade, que ceifou a vida de milhares de pessoas. O lixo virava um problema de saúde pública, era preciso sanear e limpar a cidade. A sujeira era, além de um problema de saúde, uma questão estética, de falta de bem estar, de desorganização, de falta de higiene. A cidade ficava, assim, reputada como sendo pestilenta. O lixo se torna um problema grave de saúde pública porque acreditava-se que provinham da sujeira, especialmente orgânica, os miasmas. Esses eram emanações pútridas de matéria orgânica em decomposição, ou seja, vinha do lixo orgânico, de animais em decomposição, de lama, brejos e pântanos sujos.
O gerenciamento do lixo a partir da década de 1830 passava a ser uma atividade privada, com cobrança da população das taxas de recolhimento, aluguel de carroças e saveiros. Embora houvesse já um serviço incipiente de recolhimento de lixo das casas, grande parte da população da cidade ainda continuava a jogar o lixo diretamente na rua. A limpeza urbana só ficou mais organizada a partir da segunda metade do século XIX, com os contratos firmados entre o governo imperial e as empresas privadas, sobretudo estrangeiras, para a limpeza pública, como a de Aleixo Gary.
A coleta de lixo e limpeza urbana mudou pouco até 1876, quando foi firmado o primeiro contrato com Gary. De origem francesa, seu sobrenome é até hoje usado para denominar os trabalhadores que varrem e recolhem o lixo pelas cidades, os garis.
A Aleixo Gary & Company teve contratos para recolhimento do lixo na cidade entre 1876 e 1891. Foi inicialmente contratado para limpeza e irrigação do Rio de Janeiro por 10 anos; em 1885 tornou-se também responsável pela limpeza das praias. Em 1876, o serviço cobria as freguesias de São José, da Candelária, do Sacramento, de Santana, de Santo Antônio, de São Cristóvão, do Espírito Santo, do Engenho Velho e Andaraí, da Glória e da Lagoa. A limpeza pública compreendia, de acordo com o contrato firmado entre Gary e o governo imperial: “A remoção do lixo, lama, imundícies, matérias líquidas, animais mortos, terra, areia, etc., depositados ou acumulados nas ruas e praças públicas; a varredura das ruas e praças públicas; a extração de toda a vegetação; a lavagem e desinfecção das latrinas e urinários públicos; esgotamento das águas estagnadas e das que se acumularem por ocasião de chuvas torrenciais nas ruas, praças, etc.” A empresa de Aleixo Gary também foi responsável por modernizar os carros e carroças que faziam os recolhimentos pela cidade, como se vê no documento em tela, e também por instalar as primeiras lixeiras nas ruas da cidade, inspiradas nas poubelles francesas. Em 1881, no segundo contrato, a zona sul já aparece na lista de freguesias da cidade e em 1885 são acrescidos os bairros da zona norte.
A maior parte do lixo produzido na cidade, a partir de 1865, passou a ser recolhido e levado para a ilha de Sapucaia, embora houvesse também muitos aterros clandestinos. As ruas eram varridas, o lixo delas e das casas era recolhido em carroças ou nos novos carrinhos de limpeza pública de Gary e era levado até alguns pontos no litoral onde era embarcado em balsas que o levavam à ilha de Sapucaia e outras adjacentes (que hoje, depois de aterradas, fazem parte da ilha do Fundão).
No mapa acima, vemos os modelos apresentados de cinco carros para limpeza pública e de uma máquina varredora. O documento pertence ao fundo do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas e data de 1882.
Transcrição
Modelos de veículos do Comendador Aleixo Gary
Empregados no serviço da Limpeza Pública
de Rio Janeiro.
1882 Aleixo Gary
Nº 1:
Carroça dobrado de ferro galvanizado
Para a remoção as matérias em putrefação etc.
Nº 2:
Para a remoção do lixo etc.
Nº 3:
Para a remoção de terra capinação etc.
Nº 4:
Para o serviço dos mercados e morros
Nº 5:
Carrocinhas para a conservação
Nº 6
Máquina Varredo[ra]
Referências
ABREU, Maurício de A. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. 4ª ed., Rio de Janeiro: Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, Instituto Pereira Passos, 2013.
BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos: um Haussmann tropical. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, 1990 (Biblioteca Carioca, v. 11).
QUEIROZ, Humberto Alves de & MARAFON, Gláucio José. Os caminhos do lixo na cidade do Rio de Janeiro. Cadernos do Desenvolvimento Fluminense, Rio de Janeiro, pp. 37–53, jul./dez. 2015.
SILVA, Letícia Andrade Batista. A natureza do serviço: o lixo como questão de “hygiene” urbana no Rio de Janeiro (1865 1940). Dissertação de Mestrado em História das Ciências e da Saúde (Casa de Oswaldo Cruz-Fiocruz). Rio de Janeiro, 2022.