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Abastecimento de água no Rio de Janeiro
Abastecimento de água no Rio de Janeiro
Fundo: Família Henrique Luís de Niemeyer Bellegarde
Código do Fundo: QI
Notação: BR RJANRIO QI CAI.01.PCT.08
Data do documento: 4 de maio de 1861
Local: Rio de Janeiro
Folha: doc. 43
Veja esse documento na íntegra
Ofício da Diretoria de Obras Públicas e Navegação do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, assinado pelo ministro Manoel Felizardo de Sousa e Melo, endereçado ao engenheiro e marechal Pedro de Alcântara Bellegarde informando-o da criação de uma Comissão para examinar os projetos sobre o abastecimento de água para a cidade do Rio de Janeiro. A comissão seria presidida por Bellegarde e composta por outros engenheiros que deveriam avaliar quatro projetos apresentados para tentar resolver o problema do abastecimento de água na cidade, que sofria constantes secas, ou, caso não concordassem com nenhum dos projetos, propor alguma solução diferente que lograsse resolver as crises de desabastecimento.
A primeira grande fonte para o abastecimento de água da cidade do Rio de Janeiro foi o rio Carioca, cuja nascente é no maciço da Tijuca, e o principal meio de aquisição era pegar a água direto no rio, com o trabalho de escravizados, africanos ou indígenas. O maciço da Tijuca, ou serra da Carioca, era um local estratégico para a nova cidade que surgia: servia para a proteção, no alto de seus morros, fornecia madeira, lenha, pedra e água para a cidade. Ao longo do período colonial e imperial serviu de área agrícola, de moradia, de local de veraneio, de lazer e até de lugar de quilombos e de fuga das epidemias que assolavam o Rio de Janeiro. Era fundamental para o abastecimento da região central da cidade.
A canalização do rio, durante muito tempo improvisada e precária, foi definitivamente estabelecida no século XVIII, depois da construção do aqueduto da Carioca e dos chafarizes que serviam para a distribuição. Quando as águas finalmente chegaram ao centro da pacata cidade, já eram insuficientes para atender o consumo da população. Foi somente em 1763 que o Rio de Janeiro se tornou capital do Estado do Brasil, e a quantidade de moradores (consumidores de água) só fez subir a partir de então. Começava assim uma busca constante por novos mananciais e a construção de bicas e chafarizes na cidade crescente para melhor atender as necessidades do povo fluminense. A falta de água era, entretanto, ameaça constante, especialmente depois da chegada da corte portuguesa em 1808 – o fluxo de pessoas que passaria a residir na cidade e a consumir água aumentou grandemente. O desmatamento próximo às nascentes dos rios (para abastecimento de carvão, lenha e para áreas de lavouras de café) já se sentia, com a diminuição do volume dos rios. Com a chegada da corte, muitos novos desafios se apresentavam para a cidade, e prover água para tanta gente era um deles. Foi nesse momento que se começou a aventar, pela primeira vez, a possibilidade de trazer água para o centro da cidade do rio Maracanã. Emergencialmente, começaram a captar água do rio Comprido, que se juntava à água que vinha do Catumbi.
D. João tomou a primeira medida para diminuir o desmatamento na Serra da Carioca: proibiu o corte de madeiras para lenha e de vegetação nas nascentes dos rios que abasteciam a cidade, medida que não foi respeitada. E as secas continuaram, cada vez mais amiúde: 1809, 1817, 1824, 1829, 1833, 1843, só para citar as que aconteceram antes dos anos 1850. A ocupação do maciço com as lavouras de café, que além de devastarem as matas nativas, também desgastaram violentamente o solo, causou grande diminuição de água das nascentes dos rios. 1843 foi um ano crítico, com uma grande seca e o início do declínio do cultivo de café nas encostas da Tijuca. Foi a partir deste ano também que começou a ganhar força e ser levada a sério a ideia de preservar as florestas da Tijuca, proibindo o desmatamento e as queimadas, e desapropriando os terrenos nas nascentes e margens dos rios, o que não aconteceu imediatamente e nem na velocidade que seria necessária para impedir os graves problemas de falta de água da cidade.
O encanamento do rio Maracanã só ficou pronto no ano de 1850; em 1851 foi concluído o encanamento do rio Andaraí Grande, ambas obras ainda muito precárias. O abastecimento de água melhorou, mas nada havia sido feito de concreto no sentido de proteger a vegetação nativa e evitar a destruição das matas. Já nos anos de 1860 a água torna a faltar. É instituída então, a Comissão da qual esse documento trata, em 1861, presidida pelo marechal de campo e engenheiro Pedro de Alcântara Bellegarde, para dar pareceres sobre as diversas propostas de solução encaminhadas ao governo para sanar de vez o problema das secas na cidade e elaborar um plano geral de abastecimento de água.
O documento em questão infelizmente não menciona qual o teor de cada uma das propostas apresentadas pela extinta Comissão de Engenheiros, pelo Inspetor Geral das Obras Públicas, pelo Engenheiro Lenoir; e pelo presidente da Junta de Higiene Pública. Sabe-se, no entanto que havia duas grandes ideias que norteavam as proposições: de um lado, o projeto da Inspeção Geral de Obras Públicas, que considerava que os mananciais da Tijuca já não eram mais suficientes para abastecer a cidade e defendia a busca e canalização dos rios da serra do Tinguá; de outro, os projetos dos engenheiros que defendiam que os rios da serra da Tijuca ainda eram suficientes para abastecer a cidade, desde que a vegetação e as nascentes fossem devidamente preservadas. A Comissão favoreceu a segunda posição, de defender os mananciais da serra da Carioca e reflorestar as encostas dos morros, resolvendo também o problema das inundações e enchentes nas épocas de chuvas fortes.
Nesse sentido, era necessário, por um lado, reflorestar as encostas e desapropriar as terras que continham as nascentes. Na primeira ação, em 1861, o governo determinou o plantio e conservação das florestas da Tijuca e Paineiras, nomeando o major Manuel Gomes Archer e Tomás Nogueira da Gama para liderar a tarefa, respectivamente. A partir do trabalho e esforços desses dois e dos escravizados a seu serviço, as florestas começaram a renascer, apesar de não ter sido trabalho rápido ou fácil. Na segunda frente, era preciso desapropriar os terrenos para garantir que o entorno das nascentes não fosse novamente desmatado, e garantir a preservação e recuperação das florestas, o que começou a acontecer paulatinamente depois dos anos de 1860. Os benefícios advindos do reflorestamento da serra da Tijuca só fariam se sentir a longo prazo, o mesmo seria válido para a recuperação das nascentes. Só que a demanda por água só crescia, com o crescimento demográfico (não custa lembrar que a partir dos anos 1870, era grande a chegada de imigrantes no Rio de Janeiro) e o desenvolvimento da economia na cidade (com o desenvolvimento das manufaturas e fábricas, e do setor do comércio).
Nova Comissão foi criada em 1870 para tentar resolver o problema da água, dessa vez chefiada pelo engenheiro Antônio Rebouças. Novamente a ideia de ir buscar água na serra do Tinguá foi aventada, mas só foi devidamente aceita em 1876. Nos anos de 1880, ainda em caráter provisório, foram inauguradas as novas obras de abastecimento.
Transcrição
Diretoria das Obras Públicas e Navegação
1ª Seção Rio de Janeiro Ministério dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas em 4 de maio de 1861
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor
No empenho de satisfazer a sua solicitude pelo bem estar dos habitantes desta capital tem o governo imperial, por diversas vezes, consultado o parecer de engenheiros e de pessoas profissionais sobre os meios de abastecê-la convenientemente d’água potável. Continuando porém a sentir-se falta deste elemento, nos meses de seca, apesar de se terem tomado a semelhante respeito as medidas aconselhadas, resolveu o mesmo governo, para obviar, quanto for possível, a este mal, e assegurar a abundância d’água por longo tempo, dado ainda o crescimento da população, ouvir uma comissão, composta de vossa excelência, como presidente, e dos engenheiros conselheiro Antônio Manoel de Melo, William Ginty, Henry Law, e Charles Neate, que, examinando os projetos que existem sobre o abastecimento d’águas, interponha o seu juízo acerca deste objeto.
São os projetos, que o governo sujeita à apreciação da comissão: 1º da extinta Comissão de Engenheiros; 2º do Inspetor Geral das Obras Públicas; 3º do Engenheiro Lenoir; e 4º do presidente da Junta de Higiene Pública.
O governo espera que, no caso de não concordar com nenhum dos projetos, formule a comissão o que mais acertado lhe parecer, bem como providenciará para que lhe seja apresentado um engenheiro ou desenhista, se de qualquer destes auxiliares vier a carecer a mesma Comissão.
Deus Guarde a Vossa Excelência
Manoel Felizardo de Sousa e Melo
Senhor Marechal de Campo Pedro d’Alcântara Bellegarde