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Família Werneck (PY)
A região do Vale do Paraíba fluminense ficou conhecida pela historiografia como uma das áreas em que floresceu e se desenvolveu a indústria cafeeira no Rio de Janeiro a partir dos anos de 1830 até finais do século XIX. A região ficou célebre por sua alta concentração de terras e escravos nas mãos de poucas famílias de agricultores, que tinham importância destacada no período imperial, como detentores não somente do poder econômico mas também do poder político, militar e simbólico. Algumas famílias foram pioneiras na ocupação da região e na produção do café, entre elas a família (Peixoto de Lacerda) Werneck, de grande riqueza e prestígio social no império, dona de grandes extensões de terras, de centenas de escravos, e responsável por uma importante rede de dependentes livre e pobres – sitiantes, arrendatários que viviam sob sua influência e favores. As fazendas da família ocupavam principalmente a região da freguesia de Paty do Alferes, de Valença e de Nossa Senhora do Pilar de Iguaçu.
Um dos pioneiros na região do Vale do Paraíba foi Inácio de Souza Werneck, nascido na região das Minas em 25 de julho de 1742, filho de Antônia Ribeiro (por sua vez filha do português João Berneque e Isabel de Souza) e do negociante e minerador Manuel de Azevedo Mattos. A família, que havia acumulado muitos capitais com o comércio e a mineração, aproveitou-se da fartura de terras que ainda havia no vale do Paraíba e mudou-se para a região, onde tornaram-se produtores, inicialmente, de açúcar, cachaça, milho, feijão e bananas para fornecimento ao Rio de Janeiro, e depois de café para o mercador exportador. Foram responsáveis pela abertura de várias estradas e caminhos, adquiriram muitas terras e escravos e em pouco tempo tornaram-se grandes proprietários e agricultores na região.
Inácio de Souza Werneck, fundador da vila de Valença, recebeu da Coroa a missão de catequizar e civilizar os índios coroados da região, de abrir estradas, caminhos e construir pontes sobre os rios, perseguir e prender desertores e ladrões, entre outras. Tão bem as executou que recebeu da Coroa o título de Sargento-mor dos Ordenanças da Corte, além do título de cavaleiro da Ordem de Cristo. Em 1759 recebeu uma carta de sesmaria na freguesia de Borda do Campo, atual São João del Rey, mas já residia no Rio de Janeiro. Frequentou o Seminário São José, porém não concluiu os estudos, tendo-se casado com Francisca das Chagas em 1769. Estabeleceu-se em Nossa Conceição do Alferes de Serra Acima, no Vale do Paraíba, entre 1773 e 1774, provavelmente, onde foi fazendeiro, alferes, tenente e capitão de um corpo de milícia – reformou-se como Sargento-mor em 1809. Trabalhou na abertura da Estrada do Comércio, ligando o porto de Iguaçu ao rio Preto, importante rota para escoamento da produção cafeeira da região. Quando a Corte chegou ao Brasil em 1808, pretendeu ser destituído de tantas tarefas que executava, mas teve seu pedido negado. Depois de reformado, retornou para os estudos eclesiásticos e formou-se padre em 1813. Faleceu em 2 de julho de 1822, como grande proprietário de terras e escravos, que deixou divididos pelos filhos – seu filho Francisco das Chagas Werneck herdou do pai as tarefas da localidade junto a Coroa e também o poderio político, econômico e social da família.
Seguindo a tradição, Inácio arranjou casamentos vantajosos para alguns de seus filhos e filhas, todos com membros de famílias poderosas da região do vale do Paraíba (Werneck, Ribeiro de Avelar, Teixeira Leite, Correa e Castro, Paes Leme), visando a proteção das propriedades, dos nomes e do poder político, econômico e simbólico destes ramos familiares. A filha de Inácio, Ana Matilde Werneck, casou-se com Francisco Peixoto de Lacerda em 1792 e deu início ao ramo dos Peixoto de Lacerda Werneck. Peixoto de Lacerda era açoriano das melhores famílias da terra e viveu no Rio de Janeiro, mas estabeleceu-se como agricultor no Vale do Paraíba, junto à família da mulher. Recebeu uma sesmaria vizinha à do sogro, foi alferes das ordenanças em 1795 e capitão em 1811, tendo sido reformado como sargento-mor (tal como Inácio) e condecorado com o hábito de Cristo em 1824. Morreu em 1848, tendo deixado aos filhos fazendas, escravos, engenhos de açúcar e de mandioca e muitos pés de café. Os Peixoto de Lacerda Werneck tinham grande influência na região de Valença, Vassouras e, sobretudo, Pati do Alferes.
Do casamento com Ana Matilde nasceu Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, barão do Pati do Alferes, que elevou ao máximo o poderio econômico, político, social e simbólico da família: tinha sete grandes fazendas, mais de mil escravos e inúmeros pés de café. Nascido em 6 de fevereiro de 1795, na freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Alferes, apoiou o imperador quando do dia do Fico e ajudou as tropas que marcharam para o Rio de Janeiro e apoiaram a expulsão do comandante português Jorge de Avilez. Casou-se com Maria Isabel d’Assunção em 1823 e morreu em 1861, deixando suas sete fazendas montadas, seus mais de mil escravos, pés de café, terras nas divisas com Minas Gerais e pousos na estrada do Comércio – uma das maiores fortunas de todo o vale do Paraíba – para os filhos. Foi um representante típico da classe senhorial fluminense: recebeu em 1852 o título de barão de Pati do Alferes e no ano seguinte o título de grande do Império. Foi Fidalgo cavaleiro da Casa Imperial, comendador da Ordem da Rosa, cavaleiro da Ordem de Cristo, teve o comando superior da Guarda Nacional dos municípios de Paraíba, Valença e Vassouras, e chegou a coronel de cavalaria de milícias. O baronato era o reconhecimento social da importância dos fazendeiros de café – o apoio ao regime imperial, atos filantrópicos, contribuições financeiras para questões locais e nacionais (como a construção de estradas, igrejas, por exemplo, e o suporte a guerras, por exemplo) davam direito à aquisição dos títulos de barão, que não custavam pouco.
O primogênito do barão foi Luís Peixoto Lacerda Werneck, que nasceu em 1824 na freguesia de Pati do Alferes. Cursou a escola militar no Rio de Janeiro e seguindo para a Europa, tornou-se bacharel em Direito Civil em Paris em 1844 e doutor em Direito Canônico em Roma em 1845. De volta ao Brasil, nesse mesmo ano, casou-se com a prima Izabel Augusta de Lacerda Werneck e tornou-se advogado na capital, Rio de Janeiro, e em Paraíba do Sul. Estabeleceu-se como fazendeiro em 1846, com o falecimento de seu sogro. Foi a Luís que o pai dedicou uma memória, ou mais um manual sobre como ser um fazendeiro de café na região do vale do Paraíba fluminense, na qual explicava de forma prática como fundar, gerir e custear uma fazenda escravista ( Memória sobre a Fundação e Custeio de uma Fazenda na Província do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro: E. & H. Laemmert, 1847).
Apesar de assumir a tarefa de cuidar das fazendas da família, ainda ocupou cargos públicos de relevo, como diretor da Companhia de alargamento da rua 7 de setembro no Rio; foi deputado provincial entre 1856 e 1859; diretor da Estrada de Ferro Pedro II (1857-1859); e cônsul do Brasil na Suíça (1863-1867). Como cônsul teve preocupação constante com a possível imigração europeia para o Brasil (já considerando a substituição provável da mão de obra escrava) e com as questões relativas ao fim da escravidão no Brasil. Foi ferrenho defensor do Brasil na Europa durante a Guerra com o Paraguai. Por diversos serviços prestados foi nomeado Fidalgo cavaleiro da Casa Imperial, comendador da Ordem de Cristo e oficial da Ordem da Rosa. Foi ainda membro da Grande Comissão de Colonização (1857), membro da Sociedade Estatística do Brasil, do Instituto dos Advogados do Brasil, da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional e do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura. Colaborou com o Jornal do Commercio entre 1854 e 1860 e morreu em 1885, na Suíça. Seu filho, André Peixoto de Lacerda Werneck foi o doador da documentação relativa à família ao Arquivo Nacional, em 1929 e 1930.
A documentação recolhida ao Arquivo Nacional divide-se em documentos textuais (manuscritos ou impressos), documentos cartográficos (mapas e plantas) e documentos iconográficos (fotografias, gravuras ou ilustrações). Entre os primeiros identificamos certidões de nascimento e batismo, cartas régias, testamentos, anotações avulsas, originais de publicações, inventários de partilhas, registros de terras e sesmarias, diplomas, escrituras, tabelas e mapas, nomeações e recrutamentos de guardas da Guarda Nacional e significativa correspondência dos titulares, sobretudo o barão de Pati do Alferes, como outros grandes do Império. Entre a documentação iconográfica destacamos fotografias como cartes de visite e um daguerreótipo, e gravuras de uniformes da guarda nacional, além de plantas e mapas de fazendas, terras e sesmarias da família. O fundo está todo digitalizado e disponível no site do Sistema de Informações do Arquivo Nacional (SIAN).
Ver: SILVA, Eduardo. Barões e escravidão . Rio de Janeiro, Brasília: Nova Fronteira, INL, 1984.
PAIVA, Lucas Gesta Palmares Munhoz de. Expansão de fronteiras e fortalecimento social, político e econômico: a relação entre a formação da família Werneck e a colonização do Vale do Paraíba Fluminense. Anais do XV Encontro regional de História da ANPUH-Rio . São Gonçalo, 2012.