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Bernardo Pereira de Vasconcelos (P7)
Bernardo Pereira de Vasconcelos talvez seja mais lembrado como célebre político do Império do Brasil pela mudança em sua trajetória, passando de expressão do liberalismo no Primeiro Reinado, ao lado de Evaristo da Veiga, Diogo Feijó, Nicolau Vergueiro, Gonçalves Ledo, entre outros, para líder do grupo regressista, conservador, desde meados do período regencial. É atribuído a ele o famoso discurso proferido no Parlamento brasileiro, possivelmente entre 1837 e 1838:
Fui liberal; então a liberdade era nova no país, estava nas aspirações de todos, mas não nas leis, não nas ideias práticas; o poder era tudo; fui liberal. Hoje, porém, é diverso o aspecto da sociedade: os princípios democráticos tudo ganharam e muito comprometeram; a sociedade que então corria risco pelo poder, corre agora risco pela desorganização e pela anarquia. Como então quis, quero hoje servi-la, quero salvá-la, e por isso sou regressista.[1]
Nascido em 1795, em Ouro Preto, filho do advogado e magistrado Diogo Pereira Ribeiro de Vasconcelos, egresso de Coimbra, e de Maria do Carmo Barradas, filha de advogado, irmã de um ministro de Portugal e um reitor da Universidade de Coimbra. Em 1813 Bernardo vai para essa universidade e forma-se bacharel em Direito e Filosofia, não tendo sido aluno brilhante e notável. Retornou ao Brasil em 1820, quando começou a exercer cargos como o de juiz de fora em Guaratinguetá, São Paulo, e tornou-se deputado por Minas Gerais em 1824. Em 1825 dá início a uma longa carreira na imprensa, escrevendo no periódico Universal; ainda escreveu para O Sete de Abril, O Caboclo, O Brasileiro, A Sentinela da Monarquia e o Correio da Tarde. Começa verdadeiramente sua carreira política em 1826, quando se elege deputado da primeira legislatura, momento em que estava instalado um clima de grande instabilidade: d. Pedro I havia quebrado o pacto político e social, com a dissolução da Assembleia Legislativa e a imposição da Constituição de 1824, ilegítima. Não havia liberdade de imprensa, com jornalistas, sobretudo liberais, sendo presos e exilados.
A Câmara abriu em maio de 1826, composta principalmente de padres, juízes e militares, egressos da Universidade de Coimbra. Em pouco tempo de atuação, Bernardo Pereira de Vasconcelos tornou-se um brilhante orador de oposição liberal, conhecido por sua eloquência e sarcasmo. Na primeira legislatura os deputados, destaque para Vasconcelos, estavam preocupados em colocar a monarquia representativa em funcionamento, e acabar com resquícios de absolutismo de d. Pedro I, de seus ministros e suas leis. Na Câmara, Vasconcelos destacou-se ao debater questões como as responsabilidades dos ministros de Estado e a necessidade de prestação de contas com o Legislativo, defendeu a liberdade de imprensa, a liberdade de opinião e crítica, a criação dos cursos jurídicos no país, entre outras questões. Era firme defensor de um limite para os poderes do monarca, assim como defendia o fortalecimento do poder dos ministros de Estado e o parlamentarismo. Era um liberal moderado, não afeito às ideias republicanas dos liberais radicais.
Era grande defensor do tráfico e da escravidão, apesar de sua posição favorável ao liberalismo econômico. É sua a afirmação de que a África civilizava a América (o Brasil). Foi o responsável pela elaboração de um projeto de código criminal, que estruturou o Código Criminal do Império de 1830, propôs a criação dos juizados de paz e a substituição do Desembargo do Paço pelo Tribunal Superior de Justiça.
Em 1831, com a abdicação de Pedro I, o país mergulha em uma grave crise, no sentido amplo, como um período de mudanças. Era preciso reorganizar a política – sem, no entanto, mexer profundamente nas instituições, principalmente a monarquia e a escravidão, sem promover a violência ou a anarquia em um país cheio de escravos. Era preciso uma revolução sem alterar a ordem, era o momento de experimentar a “boa liberdade”. Talvez esse seja um primeiro indício do conservadorismo de Vasconcelos – a ideia de que as mudanças deveriam ser feitas lentamente, sem sobressaltos, para não alterarem a ordem das coisas e sem perder de vista o “estado de civilização” do Brasil. É nesse contexto que assume pela primeira vez um ministério, da Fazenda (1831-1832), em um governo liberal moderado, que enfrentava forte oposição dos liberais exaltados e dos restauradores.
Vasconcelos apresentou o projeto de reforma constitucional que foi a base do Ato Adicional de 1834. Sobre o Ato, tinha posições ambíguas, embora autor do projeto, lutou contra posições exageradas. A ideia inicial do Ato era conter o “carro da revolução” no período regencial, especialmente logo após a abdicação de Pedro I. Entretanto, emendas ao projeto original indicavam ao autor que o Ato se transformou na “carta da anarquia”, dadas as muitas rebeliões e revoluções que eclodiram nas províncias motivadas pelo excesso de descentralização.
O risco de fragmentação do território e de uma grande revolta escrava, que ameaçava constantemente a ordem social, provavelmente fizeram com que Bernardo revisse suas posições liberais, o que se expressa no discurso que abre esse texto. Defensor do que considerava a “boa liberdade”, em oposição à má da anarquia, nos anos entre 1834 e 1837 Vasconcelos vai passando do campo liberal moderado para o conservador, se tornando líder do que então se chamou de Regresso, processo que deu início à constituição de uma classe senhorial conservadora nos anos seguintes. Liderou campanhas de mudança no Ato Adicional e nos códigos criminal e de processo criminal para reduzir os riscos da anarquia e fragmentação do país, que, finalmente resultaram na interpretação do Ato Adicional, de 1840, na reforma do Código de Processo Criminal e no restabelecimento do Conselho de Estado (ambos em 1841).
Em 1840, como ministro do Império, tentou conter o movimento pela Maioridade liderado pelos liberais e não foi bem sucedido; exerceu o ministério por apenas 9 horas. Seguiu-se um período de atuação discreta de Vasconcelos no Senado e no Conselho de Estado, que não mais ocupou ministérios. Em 1843 apresentou ao Conselho de Estado um projeto sobre a extinção do sistema de sesmarias que acabou se tornando a Lei de Terras de 1850. Apesar da saúde frágil, era um senador e conselheiro de Estado de intensa atividade, como conservador. Morreu vítima da epidemia de febre amarela no Rio de Janeiro, em 1850.
Durante o período em que exerceu os cargos de ministro da Justiça e dos Negócios do Império do Brasil (1837-1839), foram criados o Imperial Colégio de Pedro II (1837) e o Arquivo Público do Império (1838).
O fundo Bernardo Pereira de Vasconcelos contém documentos avulsos do titular, como pareceres do Conselho de Estado, seções de Fazenda, Império e Negócios Estrangeiros, uma proposta de regulamento dos Correios do Império, um projeto de regulamento do imposto do selo e sua arrecadação, sentenças cíveis de formais de partilha de terceiros, além de correspondências, entre outros.
LYNCH, Christian Edward Cyril. Modulando o tempo histórico: Bernardo Pereira de Vasconcelos e conceito de “regresso” no debate parlamentar brasileiro (1838-1840). Almanack. Guarulhos, n. 10, p. 314-334, agosto de 2015.
PIÑEIRO, Theo Lobarinhas. Bernardo Pereira de Vasconcelos e a construção do Império. Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica. Rio de Janeiro: vol. 6, nº 3, p. 415-438, setembro-dezembro, 2014.
SOUZA, Otávio Tarquínio de. História dos fundadores do Império do Brasil. Bernardo Pereira de Vasconcelos, v. 3. Brasília: Senado Federal, 2015.
VASCONCELOS, Bernardo Pereira de. Bernardo Pereira de Vasconcelos. Organização e introdução de José Murilo de Carvalho. São Paulo: editora 34, 1999.
[1] Apud CARVALHO, José Murilo de (org.). Introdução. Bernardo Pereira de Vasconcelos. São Paulo: editora 34, 1999, p. 9, 20 e 24.