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Administração da Floresta da Tijuca (TA)
A floresta da Tijuca (parte do Parque Nacional da Tijuca) é um oásis na cidade do Rio de Janeiro. Se hoje ela representa a beleza da paisagem, a temperatura mais amena e lazer para os cariocas, houve tempo em que ela era toda a fonte de abastecimento de água da cidade – até mais da metade do século XIX. Entretanto, a floresta que parece tão natural aos habitantes da metrópole contemporânea é resultado de um projeto pioneiro em todo o mundo de reflorestamento e recuperação, depois de ter estado quase completamente devastada.
A cidade do Rio de Janeiro nasceu apertada entre os quatro morros, do Castelo, de São Bento, de Santo Antônio e da Conceição e os muitos pântanos e alagadiços na parte baixa. Até pelo menos metade do século XVIII as florestas foram usadas com moderação e parte delas estava ainda parcialmente intocada. É a partir dos anos de 1750, sobretudo depois da mudança da capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro, que a demanda por espaço, madeiras e carvão, por exemplo, começou a motivar a maior exploração das áreas cobertas pela floresta. Muito pau-brasil e outras madeiras foram retirados e parte da floresta foi derrubada para ocupação e residência. A cidade se expandia e cobrava a conta.
No final do século XVIII começam as primeiras lavouras de café na cidade, nas encostas dos morros que compõem o maciço da Tijuca. Até os anos de 1830, a produção do produto no Rio de Janeiro atinge escalas de grande produção, até mesmo para exportações. Havia uma noção de que o café só produzia bem se colocado sobre terreno oriundo de mata virgem. Desse modo, para ceder lugar ao café, a floresta foi sendo impiedosamente derrubada.
Um acontecimento importante que ocorreu no início do XIX e foi um marco na vida da cidade foi a chegada da família real e a corte portuguesa no ano de 1808, fugida do cerco de Napoleão na Europa e a transformação do Rio de Janeiro em sede do império português. Junto com d. João vêm milhares de pessoas e a cidade precisa fornecer moradias, abastecimento de água e víveres, combustível para todo esse contingente. As encostas das florestas começaram a ser rapidamente ocupadas, principalmente por gente de posses, que construiu casas, chácaras e fazendas. A área da floresta da Tijuca também funcionava como veraneio para os habitantes da cidade, sobretudo por ser mais fresca no verão intenso do Rio de Janeiro.
Já nos anos 1810 começaram a aparecer os primeiros problemas: com as encostas nuas e as florestas derrubadas, a água começou a faltar, com rios e riachos que abasteciam a cidade simplesmente secando. D. João tentou interromper o desmatamento próximo às nascentes, mandando plantar árvores nas margens, mas a ordem fora ignorada. Já começava, no entanto, a se estudar a desapropriação de áreas privadas próximas aos nascedouros pelo Estado para preservar o abastecimento de água. O Rio de Janeiro viveu graves secas nos anos de 1824, 1829, 1833 e 1844 (ao menos).
Nas décadas de 1840-1850 a maior parte das plantações de café já não estava mais na cidade, havia migrado para a região do Vale do Paraíba fluminense. Restaram as fazendas abandonadas, as terras estéreis e erodidas, a fauna e a flora quase destruídas, rios e riachos secos. Foi então que o governo partiu para a ideia de reflorestar as nascentes e as encostas da Tijuca. As ações iniciais foram muito lentas, ficando efetivas somente no início da década de 1860.
Em 1861, pela portaria n. 577 do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, o governo criou o Serviço de Administração das Florestas, ligado à Inspeção Geral das Obras Públicas, e deu início ao projeto de reflorestamento das encostas da serra, com as “Instruções provisórias para o plantio e conservação das Florestas da Tijuca e Paineiras”. Já no final da década de 1850 começaram as primeiras desapropriações de terrenos, mediante indenizações, com vantagens para os proprietários. Tudo isso só foi possível depois que Luís Pedreira do Couto Ferraz, futuro visconde do Bom Retiro, assumiu o ministério do Império (1853). Morador ele mesmo da Tijuca Imperial e amigo pessoal do imperador, foi durante sua gestão que as avaliações fundiárias foram feitas, que se separou uma parte do orçamento para a aquisição e indenização das terras.
A partir de 1862 Manuel Gomes Archer foi nomeado administrador da Floresta da Tijuca. Era fluminense, fazendeiro em Guaratiba, e embora não fosse botânico, era notório conhecedor da flora local (do que chamamos hoje de mata atlântica). A Administração da Floresta da Tijuca tinha um feitor e seis escravos sob sua supervisão, para fazer todo o trabalho relativo ao reflorestamento (o número de funcionários flutuou pouco e o máximo que houve foram dez). Comandou entre 1862 e 1874 a recuperação da floresta, tendo plantado e cuidado de mais de sessenta mil mudas (somente as que sobreviveram) nas encostas. Essas mudas vinham principalmente da floresta das Paineiras e outras vizinhas, das propriedades do próprio Archer, do Jardim Botânico e de sementeiras próprias. Usava principalmente árvores nativas da região, mas houve também o plantio de árvores exóticas ao bioma.
Archer e seu pessoal era responsável por limpar e demarcar os terrenos, derrubar as árvores mortas, preparar os terrenos e covas, regar e acompanhar o crescimento, substituir as mudas mortas, cuidar das vivas, além de comprar e transportar insumos e mantimentos, cuidar de tarefas domésticas, administrativas e burocráticas . O trabalho era bastante difícil, além de muito: executado sempre por poucos indivíduos, sem instrumentos modernos de agricultura e silvicultura, além de ser em encostas íngremes e de difícil acesso. Aparentemente a razão de Archer ter deixado a Administração em 1874 foi a falta de pessoal e de condições apropriadas de trabalho.
Archer foi substituído por Gastão d’Escragnolle, descendente de família francesa que também residia na região da floresta. Assumiu efetivamente o cargo somente em 1877 e deu continuidade ao trabalho de reflorestamento, mas em muito menor escala – esteve mais preocupado em sua gestão com o embelezamento e em facilitar o acesso à floresta, abrindo caminhos, trilhas, construindo fontes, estátuas, belvederes, com o auxílio do paisagista francês Auguste Glaziou, responsável pela reforma da Quinta da Boa Vista e do Campo de Santana. A floresta ia paulatinamente se tornando área de lazer para a população da cidade.
O conjunto documental que compõe esse fundo foi doado pelo Mosteiro de São Bento, em 1991, que por sua vez herdou de Luís Pedreira de Magalhães Castro, último administrador da floresta da Tijuca, antes do encerramento dos trabalhos. O acervo compreende principalmente o período de Archer (1862-1864 e 1890-1891), de Escragnolle (1877-1888) e da Administração durante a República.
Entre o conteúdo do fundo estão correspondências dos administradores com a Inspetoria Geral das Obras Públicas, minutas de relatórios, mapas de controle de trabalho, relação do pessoal empregado, orçamentos, anotações sobre encanamento de água etc. O acervo está todo organizado e disponível digital no Sistema de Informações do Arquivo Nacional, SIAN.
Documentos:
BR_RJANRIO_TA_0_0_0041 Ofício de Francisco José de Freitas a Manuel Gomes Archer ordenando que as mudas passadas dos viveiros para os cestos fossem classificadas por espécie, colocando-se no respectivo cesto a data dessa transferência, devendo somente ser plantadas na Floresta quando adquirissem o vigor necessário e, assim, dispensassem o cuidado que sempre reclamavam enquanto novas. Rio de Janeiro, 10 de novembro de 1870. Fundo Administração da Floresta da Tijuca
BR_RJANRIO_TA_0_0_0019 Mapa demonstrativo das árvores plantadas na floresta da Tijuca desde o 1º de janeiro a 31 de dezembro de 1866. [Rio de Janeiro, 1866] Fundo Administração da Floresta da Tijuca
BR_RJANRIO_TA_0_0_0034 Ofício de Antônio José de Sousa a Manuel Gomes Archer, administrador da Floresta, remetendo vagens de semente de pau-de-ferro, vindas de Campos, para serem plantadas na Floresta da Tijuca. Rio de Janeiro, 29 de setembro de 1870. Fundo Administração da Floresta da Tijuca