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"Memória é o lugar da vida", afirma diretor do Ministério dos Povos Indígenas na 7ª Semana Nacional de Arquivos
Mesa-redonda discutiu tema central "Arquivos: territórios de vidas"
Para a etnia de Eliel Benites, guarani kaiowá, a memória é algo vivo, pois é acessada constantemente para dar significado ao presente. Segundo ele, por ser "lugar da vida" ( tekohá , "onde somos o que somos"), a memória é registrada no território - "nas florestas, nas montanhas, nos rios, nos igarapés, nos cerrados". Desta forma, quando o território é violado, a memória dos povos indígenas também é violada.
O professor, que é diretor do Departamento de Línguas e Memória do Ministério dos Povos Indígenas, foi recebido na sede do Arquivo Nacional (AN), no Rio de Janeiro, para a mesa-redonda que discutiu, nesta segunda-feira (5 de junho), o tema central da 7ª Semana Nacional de Arquivos: "Arquivos - teritórios de vidas". Em sua fala, ele mencionou os recentes ataques contra os direitos dos indígenas a seu território, e como isso interfere na construção da memória desses povos, que mantêm uma relação espiritual com a terra. "É uma violação da divindade e de seus guardiões", explicou.
Por outro lado, Benites lembrou que o acesso a documentos de arquivo que descrevem o processo de colonização e da tomada de territórios dos povos indígenas pode contribuir para uma estratégia de resistência desses mesmos povos. "Um dos processos de instrumentalização é o acesso às informações e aos documentos"," argumentou Eliel.
Ao abrir o evento, a diretora-geral do AN Ana Flávia Magalhães Pinto detalhou a escolha de "Arquivos: territórios de vidas" como eixo principal da 7ª SNA. Por razões relacionadas com a urgência de definição de uma linha ser seguida, a decisão antecedeu o lançamento da hashtag #ArquivosUnidos por parte do Conselho Internacional de Arquivos (ICA, na sigla em inglês), que terminou por chancelar também a escolha temática do AN para a Semana de Arquivos no Brasil. O alinhamento com o entendimento internacional, segundo Ana Flávia, ficou evidente não somente pela adoção das hashtags #ArchivosUnidos e #75YearsICA, mas especialmente pela participação da presidenta da Associação Latino-americana de Arquivos (ALA), Emma de Ramón, na conferência de abertura ocorrida em 2 de junho, tendo como mote o cinquentenário da associação.
"Foi muito importante, na última sexta-feira, a confirmação da confluência entre o entendimento da ALA, do ICA e do que o AN tem, neste momento, a respeito das potencialidades dos arquivos na promoção dos direitos humanos e da cidadania", assinalou a diretora-geral. Para ela, o tema "territórios de vidas" é uma oportunidade de aplicar as questões da diversidade, já tão discutida, numa abordagem sobre os acervos e direitos à memória. "Reposicionar o lugar do direito à memória permite que tenhamos entendimentos mais generosos sobre o tempo, as pessoas, as ações e os documentos por meio dos quais ancoramos tudo isso no tempo presente e projetamos futuros", ponderou.
Outro convidado para a mesa-redonda foi o diretor do Museu Histórico Nacional (MHN), Pedro Colares. Museólogo e arqueólogo, ele narrou brevemente a trajetória do MHN desde sua fundação em 1922, quando as aquisições focavam majoritariamente em itens de acervo que contavam a história de determinados grupos sempre ligados a elites e personagens centrais nas esferas de poder. Segundo Pedro, apesar de a instituição sofrer a influência dessa política até hoje, uma visão mais voltada para o cumprimento da sua função social passou a ser fortalecida a partir dos anos 1980 e 1990, e foi consolidada pela criação do Instituto Brasileiro de Museus, em 2009.
O gestor citou alguns exemplos que demonstram essa mudança gradual, como a coleção de brinquedos que registram as representações da infância nos diversos grupos sociais e, mais recentemente, o "Museu das Emoções", projeto que deu voz aos habitantes da Vila Autódromo, ameaçada de desaparecimento após a remoção para a construção dos complexos destinados aos megaeventos esportivos no Rio de Janeiro na década de 2010. "Eles usaram dos museus de território para fazer um movimento de resistência", contou. "Em 2017, parte dessa coleção entra para o acervo do MHN".
Jorge Vieira, diretor do Arquivo Público da Bahia (Apeb), encerrou as apresentações do dia ao pontuar a necessidade de se dar mais visibilidade aos arquivos das populações negra e indigena. Em sua instituição, está em busca de identificar os pontos de acesso, no acervo, a documentos que possam contar as origens de pessoas escravizadas advindas da África, por meio do projeto "Resgate Ancestral", ainda em fase embrionária. Em paralelo, o arquivista apresentou um projeto para o mapeamento dos arquivos públicos municipais da Bahia. "De um universo de 417 possíveis arquivos públicos, hoje só temos mapeados 21%", relatou Jorge.
Ao viabilizar a interação entre colaboradores ao redor do mundo, a aplicação World Archive Map, segundo Jorge, permitirá que pesquisadores que acessam arquivos públicos troquem informações sobre as instituições de guarda e seus acervos. Por fim, o diretor do Apeb demonstrou um passo a passo para acessar digitalmente alguns dos fundos identificados com a temática da ancestralidade africana, sem deixar de reconhecer, contudo,os desafios que indicam o uso de ferramentos como o Atom e o Archivematica, essse último também voltado para a preservação dos representantes digitais.
Para acompanhar a programação da 7ª Semana Nacional de Arquivos, acesse aqui.
Fotografias: Júlio Kummer