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Com a palavra, o usuário
Sidney Chalhoub conta sua experiência de 40 anos como pesquisador no Arquivo Nacional: "Sem história, não há democracia"
Em uma fala que reforçou a importância dos arquivos e, ao mesmo tempo, reconheceu o trabalho da equipe de atendimento do Arquivo Nacional (AN), o professor e escritor Sidney Chalhoub ofereceu, nesta quinta-feira (27 de julho), seu testemunho como pesquisador no acervo da instituição há mais de 40 anos. "A qualidade do atendimento sempre foi ótima, mesmo com as mudanças ao longo do tempo", declarou.
O encontro, no auditório da sede no Rio de Janeiro, fez parte de mais uma edição do Com a palavra, o usuário , série de eventos periódicos que trazem relatos de pessoas que utilizam o serviço de consulta ao acervo sob a guarda do AN. O objetivo é ampliar o contato entre as áreas de atendimento e de processamento técnico da documentação, a fim de definir estratégias comuns a partir da perspectiva da/o usuária/o dos documentos.
Chalhoub, que é professor da Universidade Estadual de Campinas e chefe do departamento de História da Universidade de Harvard, nos EUA, descreveu a experiência de pesquisar no AN como uma ida a um "parque de diversões" e que, se pudesse, viria todos os dias. "Minha única frustração é não vir com a frequência de que gostaria", disse.
O convidado narrou algumas das buscas por fontes arquivísticas em meio aos documentos que estão no AN. Muitas dessas pesquisas resultaram em livros que hoje são referência em estudos historiográficos, como "Visões da liberade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte" (1990) e "Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial" (1996). Chalhoub contou que teve dificuldades para encontrar aspectos que evidenciassem as diferenças entre os períodos antes e depois da abolição formal da escravidão, em 1888, uma vez que, nos processos e documentos públicos produzidos na época, transpareciam as contradições do país com maior população de negros livres e libertos das Américas, mesmo com a regime escravista ainda vigente. "O negro preso, suspeito de ser escravo, era considerado escravo até que se provasse o contrário", explicou o autor. Além disso, segundo ele, era comum que ex-escravizados declarassem, nos autos de processos criminais, que ainda eram escravizados, na tentativa de recorrer ao auxílio dos ex-senhores.
Chalhoub também ressaltou o papel fundamental que instituições como o AN desempenharam na redemocratização do país, nos anos 1980, e desempenham, até hoje, na defesa da democracia. "Sem direito à memória, não há possibilidade de democracia", afirmou o professor, dando, como exemplo, o fato de que acervos como o que é custodiado pelo AN possibilitam que temas como a escravidão sejam contados sob diferentes perpectivas.
Antes de abrir para as perguntas dos presentes e daqueles que assistiam ao evento on-line ( disponível, na íntegra, no canal do AN no YouTube ), a diretora de Processamento Técnico, Preservação e Acesso ao Acervo, Diana Santos Souza, lembrou que, apesar de muito importante, a digitalização dos documentos do acervo não é a única medida a ser tomada para que acesso a eles seja efetivamente democratizado, considerando-se, inclusive, as desigualdades no acesso aos próprios recursos digitais no país. A gestora destacou, nesse sentido, o papel da organização da informação para viabilizar a produção do conhecimento, observando que o prof. Chalhoub mencionou, em sua fala, diversos instrumentos - analógicos e digitais - que tornam possível que diferentes sujeitos - pesquisadoras/es, cidadãs/os, etc. - sejam contemplados pelos serviços prestados no AN.
"É preciso pensar em alternativas de recuperação da informação que contemplem a interface com os diferentes perfis de usuários que dependem dessa informação", apontou Diana, antes de saudar a equipe de atendimento presencial da instiuição, composta por especialistas no acervo reponsáveis por suprir, em muitas ocasiões, "os déficits de nossos instrumentos de pesquisa" por meio do contato direto com as/os consulentes.
Fotografias: Júlio Kummer