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Restauração
No setor de Restauração do Arquivo Nacional, quem dita o ritmo de trabalho são os documentos. Em um universo de 55 quilômetros de documentos textuais, com registros desde o Brasil Colônia, documentos em diversos suportes e estados de conservação chegam às mãos dos técnicos.
De acordo com a equipe, não há casos perdidos. "Independente do estado em que o documento chega aqui, há sempre algo que podemos fazer.", relata Alice Nunes, arquivista que está na área há 26 anos. Dentre os documentos tratados por ela, estão a Lei Áurea (1888), o cardápio do Baile da Ilha Fiscal (1889) e os Juramentos de D. Pedro I e da Imperatriz Leopoldina à Constituição de 1824 . "A Lei Áurea mexe comigo, fico emocionada. Tenho uma réplica. Ver o trabalho pronto e saber que contribuí para que alguém tenha acesso àquela informação é muito bom."
O trabalho é realizado por três servidores, unidos pela paixão pela restauração de documentos. Juntos, desempenham a missão de aumentar o tempo de vida dos documentos guardados na instituição. "O papel vai morrer um dia. Com o nosso trabalho, damos a ele uma sobrevida", explica Tiago Cesar da Silva, historiador que trabalha na área desde 2011. "Assim que comecei na área, eu queria entender cada documento que chegava, agora enxergo primeiro o suporte.", conta.
A equipe lida com documentos que tenham o papel como suporte. Grande parte das demandas vem da Coordenação de Processamento e Preservação do Acervo, por meio da Coordenação de Documentos Escritos, e da Coordenação de Acesso e Difusão do Acervo. Por meio de parcerias institucionais, documentos de outros órgãos também são restaurados. O setor ainda promove treinamento e recebe visitas de profissionais e universitários.
Paulo Fernando Vieira, servidor da instituição desde 88, iniciou a carreira na área de manutenção e apoio como eletricista. Há 15 anos integra a Coordenação de Preservação do Acervo. Depois de trabalhar na Fábrica de Papel, foi para o setor de Restauração. "Acabei me apaixonando pela Restauração, pelo poder de transformação da celulose. Um documento chega aqui como perdido e ganha mais duzentos anos de vida".
Atualmente, estão sendo restaurados os documentos para a próxima exposição da instituição, "Itinerários Indígenas", que será lançada no mês de junho, e os fundos Marquês de Barbacena (1796-1899), do acervo do Arquivo Nacional e Antônio Ferrão Moniz (1875-1886), do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.
Conheça os processos de restauração mais utilizados
Quando o documento chega até o setor de Restauração, a primeira etapa é analisar o suporte e verificar suas necessidades. Os documentos passam por um teste de solubilidade, para verificar se a tinta usada é solúvel em água. Se não for, o suporte pode passar pelo banho de água deionizada, um procedimento de desacidificação do papel.
O processo começa com um banho a 60 graus seguido por outro a temperatura ambiente, para remover as sujidades. Essa etapa pode se repetir quantas vezes for necessário para que o documento saia "limpo". Depois, um novo banho, dessa vez com hidróxido de cálcio, que aumenta a alcalinidade do suporte.
Se o documento estiver com partes faltantes, ele segue para a máquina obturadora de papéis (MOP), que preenche estas áreas com massa de celulose. Depois, passa pelo processo de encolagem com a cola metilcelulose, para reforçar o suporte.
Por fim, o documento é envolvido por feltro de lã de carneiro, para tirar o excesso de umidade e ajudar a unir as fibras, passa pela prensa, pela secadora e pelo refilamento, seguido por um controle de qualidade do trabalho executado.
Se o documento não puder passar pelo tratamento aquoso, outros métodos são aplicados, como a limpeza com pó de borracha ou o enxerto manual.
Cada documento apresenta um novo desafio, por isso a criatividade tem grande importância na prática da restauração. "Para restaurar, temos que ter o poder de criar, analisar cada documento e testar novos métodos", conta Paulo.
Desafios
Um dos muitos desafios do setor é "consertar" métodos ultrapassados de processamento e restauração de documentos, que acabaram por colocar a integridade do suporte em risco, como carimbos e adesivos.
Atualmente a equipe trabalhou na retirada de uma fita adesiva de um álbum de fotos da Guerra do Paraguai. Para não danificar o suporte, o processo demandou várias tentativas de métodos, como espátula quente, misturas de água/álcool, acetato e outras substâncias, com o apoio do setor de Química. A solução final encontrada não danifica o suporte, mas é tóxica se aspirada, o que fez com que o trabalho fosse feito com equipamentos de proteção como a capela com sucção do ar, que isola vapores tóxicos.
Outro desafio comum é encontrar a cor do documento a ser restaurado para realizar o enxerto de papel nas partes faltantes. "No Brasil, a estética da restauração é uma questão. Em alguns países, o enxerto é feito com papel branco. Aqui, testamos algumas misturas das fibras tingidas até achar o tom do suporte para utilizarmos a cor mais próxima. E um mesmo fundo documental pode ter três ou quatro cores diferentes.", exemplifica Tiago. A matéria prima utilizada para a produção da massa são as placas de celulose beneficiadas e tingidas na fábrica de papel do Arquivo Nacional.
"O documento que mais me marcou foi um panfleto do fundo Bertha Lutz, cor de laranja. Não pelo valor histórico do documento, mas porque penamos muito para achar a cor para fazer o enxerto. Foi preciso lavar a máquina três vezes para limpar os restos da cor e refazer os testes", conta Tiago.
Outro desafio foi um livro do Tribunal de Justiça do Amazonas, manuscrito em caneta esferográfica, que recebeu enxertos de celulose feitos à mão nas suas mais de cem páginas.
Um documento inesquecível para a equipe foi um mapa de Ipupiara (BA), de 1965, que ficava emoldurado e afixado em escritório do IBGE. Quando o quadro se quebrou, o documento também se partiu em pedaços. Encaminhado à equipe de Restauração do Arquivo Nacional, o mapa, como um grande quebra-cabeça, teve seus fragmentos fixados pelos servidores da área de Preservação do Acervo, em um processo que durou meses. Foram aplicadas técnicas de restauração, como a laminação, e o documento pôde ser por fim digitalizado.
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Ascom
maio/2017