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Pesquisa sobre navio escravagista afundado no litoral brasileiro revela primeiros avanços
Instituição de referência para pesquisa sobre o tráfico atlântico de africanos escravizados, Arquivo Nacional sedia encontro com pesquisadores e representantes da comunidade local
Com o objetivo de apresentar resultados preliminares, pesquisadores do Brasil e dos EUA participaram do seminário “O caso do navio escravagista Camargo - Resgatando a materialidade de uma história brasileira e internacional sobre um crime contra a humanidade”, que ocorreu na sede do Arquivo Nacional, na manhã desta sexta-feira (7/7).
Instituição de referência para pesquisa documental sobre o tráfico atlântico de africanos escravizados, o Arquivo Nacional, ao sediar o evento, integra-se à rede responsável por essa ação de resgate da memória que dialoga, nos dias de hoje, diretamente com o acervo sob sua guarda. “O Arquivo Nacional reforça seu compromisso com essa agenda de fortalecimento da valorização da ciência em prol da cidadania, e se coloca à disposição para as atividades futuras desse projeto e de outros com o mesmo propósito”, explicou a diretora-geral do órgão, a historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto.
Desde 2022, a equipe do Instituto AfrOrigens, que realiza a investigação sobre o caso, tem realizado mergulhos na Baía da Ilha Grande, litoral sul do estado do Rio de Janeiro, e descoberto materiais que podem estar relacionados com o brigue Camargo. A embarcação trouxe cerca de 500 africanos escravizados de Moçambique para o Brasil em 1852, quando o tráfico já havia sido tornado ilegal, e foi naufragada criminosamente por seu capitão, Nathaniel Gordon.
“É importante assumir meu lugar de fala como acadêmico negro, que, nos últimos anos, tem lutado para desenvolver uma pesquisa socialmente engajada e que realmente possa gerar transformações no presente”, declarou Luis Felipe Santos, presidente do AfrOrigens.
Para ele, pesquisas como essa ajudam a ampliar o entendimento do papel dos pesquisadores, jogando luz sobre os “reais beneficiários dessas pesquisas”. No caso específico do navio Camargo, o arqueólogo refere-se à comunidade quilombola de Santa Rita do Bracuí, que ocupa, até hoje, parte da região onde se localizava o porto clandestino que recebeu ilegalmente grupos de africanos escravizados.
Marilda de Souza Francisco, representante do quilombo localizado na região, conta que a história do Camargo era mais uma das inúmeras que seu pai contava, e que ela mesma acreditava ser uma lenda. Em face de todos os estudos que vêm sendo realizados para elucidar o ocorrido, Marilda enfatiza a importância de se defender a história oral, que manteve a verdade sobre um crime contra a humanidade que não havia sido registrado pela história oficial. “O navio vive de novo conosco”, afirma a líder quilombola, defendendo que a investigação sobre o naufrágio é uma forma de reparação para aqueles que foram capturados em sua terra natal e trazidos compulsoriamente para compor a mão-de-obra escravizada em outro país.
O projeto também irá integrar um documentário, produzido pela Aventura Produções, que está acompanhando todas as fases das buscas. Além disso, a pesquisa é desenvolvida em parceira com a Universidade Federal Fluminense, através do programa Passados Presentes, representado no seminário pela professora Martha Abreu, que destacou a importância da participação ativa da comunidade no projeto. Ele também integra as ações do “Slave Wrecks Project”, uma rede internacional coordenada pelo Smithsonian Institution National Museum of African American History and Culture com a George Washington University, que estuda naufrágios de navios escravagistas pelo mundo. Curador do museu, o historiador Paul Gardullo participou do evento e observou que o caso do navio Camargo não é uma “pequena história local”, e sim uma “história global”, mas que não pode ser contada sem considerar sua dimensão humana. “Esse passado não é apenas um passado”, alertou o pesquisador.
"A atividade de hoje marcou esses esforços de promover reparação histórica" avaliou a diretora-geral Ana Flávia Magalhães."Devemos investir nisso para que outros crimes contra a humanidade não voltem a acontecer; afinal, ainda enfrentamos os ecos da escravidão no tempo presente", completou. A íntegra do seminário está disponível no canal do Arquivo Nacional no Youtube, no endereço: https://www.youtube.com/watch?v=LViGARTCzs4&