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Personagens da história do AN falam sobre os 30 anos da Lei de Arquivos, e sua regulamentação ontem e hoje
Um seminário on-line para celebrar duas datas essenciais para a história dos arquivos no Brasil: a criação do Arquivo Público do Império, atual Arquivo Nacional, em 2 de janeiro de 1838; e a sanção, há exatos 30 anos, da “Lei de Arquivos”, como ficou conhecida a Lei n.º 8.159, de 8 de janeiro de 1991, que instituiu a política nacional de arquivos públicos e privados, além de criar o Conselho Nacional de Arquivos (Conarq).
Na sexta-feira, a comunidade arquivística pôde participar de um webinar que reuniu diversos nomes que fizeram parte dessa história. O painel “Diálogo sobre os 30 anos da Lei de Arquivos: memória e desafios do presente” foi aberto com uma apresentação de Maria Teresa de Britto Matos, diretora do Arquivo Público do Estado da Bahia e representante suplente dos arquivos públicos estaduais no Conarq, que apontou, em breve histórico, os fatores que levaram à necessidade de um dispositivo legal que atendesse às necessidades dos arquivos brasileiros quanto a uma política nacional, ainda na década de 1960.
As exposições seguiram a cronologia da luta por uma lei de arquivos, narrada por aqueles que participaram dessa trajetória: os professores da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Aurélio Wander Chaves Bastos e Rosalina Corrêa de Araújo, que contaram com a mediação de Eliezer Pires da Silva, arquivista do AN e professor na mesma universidade.
Prof. Aurélio Bastos foi assessor jurídico do AN entre 1978 e 1985, quando a Lei de Arquivos estava em fase embrionária. Sobre a etapa de elaboração do projeto de lei, revelou a Eliezer Pires que tinha a impressão de estar participando da inauguração de uma “teoria política dos arquivos” na época.
Em sua fala, fez uma análise de alguns artigos da lei que foi sancionada em 1991, destacando, por exemplo, sua originalidade. “Naqueles tempos, não se pensava que uma lei de arquivos traria, além da questão da gestão de documentos e da segurança do Estado e da sociedade, também direitos existenciais”, afirmou.
Para o prof. Aurélio, além do caráter probatório conferido aos arquivos por meio da Lei n.º 8.159/1991, também foi nela enfatizado o caráter informativo desses acervos, abrindo caminho para os desdobramentos tratados posteriormente na Lei de Acesso à Informação – LAI (Lei n.º 12.527, de 18 de novembro de 2011).
Em seguida, a prof.ª Rosalina de Araújo também ressaltou a publicidade das informações solicitadas ao Estado como um dos princípios constitucionais mais relevantes da Lei de Arquivos. Segundo ela, a criação de um conselho composto pela sociedade civil para a área - o Conarq - foi a grande conquista com a promulgação da lei.
A professora foi a relatora do projeto-de-lei, quando exercia a função de assessora jurídica do AN, entre 1988 e 1992. Ela contou alguns detalhes dos debates e interlocuções com outros órgãos para a redação final do regulamento, que recebeu somente dez emendas antes da publicação. “Foi aprovada basicamente como foi levada”, acrescentou, lembrando que a longevidade do dispositivo (30 anos) também é excepcional, em um universo de constantes mudanças nos regramentos jurídicos, especialmente no que diz respeito à liberdade de informação. “A transparência passou a ser regra”, concluiu Rosalina.
Dando continuidade ao seminário, o mediador Vicente Rodrigues, assessor da Direção-Geral do AN, convidou o prof. Jaime Antunes da Silva, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), para falar sobre a implementação da Lei n.º 8.159/1991. Servidor do AN desde 1971, Jaime Antunes atuou na linha de frente da elaboração, tramitação e aprovação do projeto, e pôde oferecer ao público um panorama dos papéis desempenhados por cada diretor-geral do órgão no processo. Ele explicou que a comissão de elaboração da proposta foi constituída na gestão de Celina Vagas do Amaral Peixoto (1980-1990), que, após contribuições de diversos setores, inclusive da comunidade arquivística, apresentou o anteprojeto de lei para publicação. Dali, seguiu para a Presidência da República, que abriu consulta para outros órgãos do governo federal. Passou, então, a tramitar nas casas legislativas (Câmara dos Deputados e Senado Federal), quando recebeu emendas – algumas propostas pelo próprio AN, até seguir para a sanção em 1991.
O professor recordou que, simultaneamente, em 1985, aconteceu a mudança da instituição para a antiga sede da Casa da Moeda, onde se encontra até hoje. A tramitação também coincidiu com o advento da Constituição de 1988, a única na história brasileira a citar, segundo ele, os arquivos de maneira robusta. “As diretrizes [...] da política nacional de arquivos estão contidas na Constituição”.
Apesar de ter sido uma tramitação relativamente rápida, Jaime Antunes afirmou que houve resistências, em especial de setores que se opunham ao capítulo que trata do interesse público de acervos privados. Após a sanção da lei, durante a gestão de Maria Alice Barroso (1990-1992), Antunes explicou que passou a atuar na regulamentação da lei, já como diretor-geral do órgão. Desse trabalho, resultaram, por exemplo, o Decreto n.º 1.173, de 29 de junho de 1994, e o Dec. 4.073, de 3 de janeiro de 2002, que, dentre outras matérias, estabeleceram a competência e estrutura do Conarq.
Prof. Jaime Antunes foi diretor-geral do AN até 2016 e, no momento, além da cátedra, exerce a função de diretor do Arquivo do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro.
A última palestra do dia ficou a cargo da atual diretora-geral do AN, Neide De Sordi, que tratou da política de gestão de documentos da Administração Pública Federal.
Ainda no contexto de regulamentação da Lei de Arquivos (8.159/1991), a diretora-geral apontou as recentes mudanças implementadas na estrutura do Conarq, que agora passou a ter seus membros selecionados por meio de edital público, e que, em breve, terá sua agenda regulatória e seu planejamento estratégico definidos. O Decreto n.º 10.148, de 2 de dezembro de 2019, além de trazer novidades para o Sistema Nacional de Arquivos (Sinar), reestruturou o aparato de governança do Sistema de Gestão de Documentos e Arquivos (Siga), do Poder Executivo Federal, dispondo sobre a formação de sua comissão de coordenação e as competências das comissões de permanentes de avaliação de documentos (CPADs). Essa reorganização, disse Neide De Sordi, será fundamental para o estabelecimento de indicadores e metas estratégicos para a implantação do programa de gestão de documentos e arquivos junto aos órgãos e entidades do Siga.
Como tema central de sua palestra, ela abordou a proposta, ainda em tramitação, de um decreto que define a política de gestão de documentos na esfera federal. O projeto entrou em consulta pública em setembro de 2020. A diretora-geral informou que, em breve, o AN disponibilizará um relatório sobre as contribuições recebidas e a nova versão do decreto, já incorporando as mudanças pertinentes, antes do encaminhamento à consultoria jurídica do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e, depois, à Casa Civil da Presidência da República. No entanto, ressaltou De Sordi, não poderão ser incluídas todas as contribuições, uma vez que “os decretos são limitados à regulamentação da matéria prevista em lei, não podendo extrapolar aquele conteúdo, criar ou extinguir direitos ou obrigações”.
Segundo ela, a proposta de decreto tem como objetivo geral estabelecer diretrizes e orientar procedimentos, com vistas à produção, classificação, tramitação, uso, avaliação, aquisição, preservação, arquivamento, acesso e difusão dos documentos públicos. Com isso, a política visa implantar o programa de gestão de documentos e arquivos, cujos atores são o AN, o Siga, o Conarq e os órgãos produtores de documentos públicos, assim como suas CPADs.
A diretora-geral elencou, em sua participação, os três elementos estruturadores mais importantes para a implantação desse programa: o diagnóstico de gestão de documentos arquivísticos (instrumento de avaliação), os planos de gestão de documentos dos órgãos e entidades (instrumentos de planejamento e execução) e o sistema de informações gerenciais do Siga – o SIG-Siga (instrumento de monitoramento). Esse último, o SIG-Siga, que está sendo desenvolvido pelo AN em parceria com o MJSP, possibilitará a avaliação dos processos de trabalho e a sistematização das informações, e contará com duas ferramentas importantes: uma, de autodiagnóstico institucional, para subsidiar a elaboração dos planos de gestão de documentos dos órgãos integrantes; a outra, um sistema de orientação técnica, para registrar as orientações dadas pela equipe de gestão de documentos aos órgãos, possibilitando, inclusive, o compartilhamento dessas informações.
Neide De Sordi também listou, em sua apresentação, medidas que já vêm sendo tomadas pelo AN para a implantação do programa de gestão de documentos e arquivos. Dentre outras ações, o AN realizou a análise de riscos associados a suas atividades e, nesse contexto, instalou um novo sistema de monitoramento por câmeras, e deu início às obras de prevenção e combate a incêndios em sua sede, custeadas com recursos do Fundo de Defesa de Direitos Difusos do MJSP. Da mesma forma, o gerenciamento dos riscos associados às atividades dos órgãos e entidades está previsto na elaboração dos planos de gestão de documentos acompanhados pelo AN, que é o órgão central do Siga.
Para além do novo decreto, a diretora-geral enumerou outras ações estruturantes que o AN vem desenvolvendo para apoiar seu trabalho junto ao Siga: a redefinição das atividades críticas relacionadas ao Siga; parcerias para a criação de cursos de capacitação à distância ; elaboração de manual de procedimentos; aprimoramento de mecanismos de orientação técnica, e de elaboração e aprovação de instrumentos de gestão de documentos; desburocratização do processo de eliminação de documentos ; construção de cenários prospectivos para a administração pública federal (Siga 2035) ; desenvolvimento do SUPER.BR , de acordo com os critérios estabelecidos, pelo e-ARQ Brasil, para sistemas informatizados de gestão arquivística de documentos (SIGADs) ; implementação do repositório digital confiável de documentos arquivísticos (RDC-Arq), prospecção de parceria para o desenvolvimento de um sistema de captura de documentos diretamente de um SIGAD para o RDC-Arq ; fortalecimento do Diretório Brasil de Arquivos ; aquisição de mais de dez mil metros lineares de estantes deslizantes, modernizando e ampliando o espaço de armazenamento de acervo em suporte convencional; aquisição de 1.200 terabytes de storage , para ampliar a capacidade de armazenamento de documentos digitais, atingindo um total de 2,8 petabytes ainda em 2021; desenvolvimento de um novo Sistema de Informações do AN , principal plataforma de acesso a dados do acervo da instituição; e estudos, junto ao Ministério da Economia, para a contratação de serviços arquivísticos de apoio aos órgãos na implementação das ações dos seus planos. “Gosto de dizer que o programa já está em andamento, porque, em parceria com o Ministério da Economia, no âmbito do TransformaGov , sessenta órgãos [...] incluíram atividades de gestão de documentos em seus planos”, ponderou De Sordi.
Assista ao evento na íntegra, na página do AN no YouTube: parte 1 e parte 2 .