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Experiências com acervos da ditadura militar trazem reflexão à 8ª SNA
A programação da 8ª Semana Nacional de Arquivos contou, nesta terça-feira (25/6), com relatos de experiências acadêmicas e de ativismo, no Brasil e no exterior, que envolviam arquivos relacionados à memória da ditadura militar no país (1964-1985) e seus desdobramentos em anos posteriores. Como pano de fundo, o resgate promovido sobre o tema pelo Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil - Memórias Reveladas, que há 15 anos reúne e dá acesso aos acervos do período, com a coordenação do Arquivo Nacional.
Na abertura, a diretora de Processamento Técnico, Preservação e Acesso ao Acervo do AN, Gabrielle Abreu, deu as boas-vindas e ressaltou a importância do Memórias Reveladas, lembrando do recente trabalho de articulação institucional, em conjunto com o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), em torno do projeto. “Quando a gente fala do papel dos arquivos na promoção dos direitos humanos, no combate às desigualdades sociais e na valorização da diversidade da participação social, os arquivos da ditadura acabam despontando como documentos cujos acesso e difusão são atividades primordiais", pontuou Gabrielle em sua fala.
Ao iniciar o debate, a mediadora Marcília Gama, historiadora e professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco, afirmou que não é possível subestimar a quantidade de rupturas ocorridas ao longo da história republicana do Brasil, e contabilizou que, desde 1889, foram 36 anos de regimes autoritários no país, o que denota a relevância de se discutir as temáticas relativas a ditaduras.
Marcelo Domingos, do Instituto Histórico Geográfico do Distrito Federal, falou de sua pesquisa sobre o fundo da Secretaria de Segurança Pública do DF, que tinha, dentre seus recortes, a operacionalização do racismo na tecnocracia do regime militar, analisando documentos produzidos na época. Segundo ele, ainda que se buscasse uma imagem apolítica para a capital federal naquele tempo, foram contabilizadas 50 mil páginas produzidas pelos serviços de inteligência sobre vigilância política. Marcelo detalhou que havia uma verdadeira “paranoia” do governo com a influência direta ou mesmo o apoio de grupos de esquerda externos, como os “Panteras Negras”, em relação ao movimento negro no Brasil.
Ele observou, também, as diferenças entre o acesso aos documentos no Brasil e no exterior, dando, como exemplo, o fato de que tarjamentos eram muito mais comuns em documentos do fundo CIA (agência de inteligência estadunidense) do que nos documentos dos serviços de espionagem brasileiros, atualmente disponibilizados no Sistema de Informações do Arquivo Nacional (Sian), o que significa "uma grande oportunidade para os pesquisadores" em seus trabalhos sobre o assunto.
Professor da Brown University (EUA), James N. Green tem um histórico de mais de 50 anos dedicados a estudos sobre o Brasil, tendo produzido trabalhos de destaque, especialmente sobre a reabertura política, entre os anos 1970 e 1980. No projeto “Opening the archives”, o historiador conta que são disponibilizados mais de 50 mil documentos digitalizados, que tangenciam, em especial, as relações entre Brasil e EUA durante a ditadura militar por aqui.
Entre os objetos de pesquisa de James, está a história da miltância LGBTQIA+ durante o regime miltar. Nesse sentido, destacou a compreensão da atual Direção-Geral do AN da necessidade de incentivar a preservação dos arquivos comunitários em seu local de produção, ou de encaminhá-los a um arquivo público, a fim de evitar que sejam descartados, como aconteceu com parte do legado dos grupos de ativismo LGBTQIA+ daquela época. “Acho que temos, agora, uma política para ampliar o que está dentro do AN”, disse o pesquisador, que saudou a decisão do governo dos EUA, em 2022, ao se posicionar contra qualquer tentativa de golpe após as eleições presidenciais no Brasil.
Por fim, Luciana Lombardo, recém-empossada no AN como chefe da Divisão Centro de Referência Memórias Reveladas, narrou sua história com o projeto, bem antes de ser convidada a coordená-lo. Historiadora e atropóloga, ela estudava perseguições políticas pré-golpe de 1964, que já demonstravam, como alvos, sindicalistas, políticas mulheres, trabalhadoras/es negras/os e periféricas/os. Como parte dessa perseguição, os registros sobre esses alvos tendiam a menosprezar o papel político e social desses indivíduos e suas trajetórias. Essas práticas, observou Luciana, apareciam antes do início formal do regime, e se perpeturaram após seu fim, em 1985. "Está na hora de pensar, também, no Memórias Reveladas como espaço de reflexão sobre as lutas sociais", propôs, argumentando que esse seria o caminho para contrução de um projeto de "democracia com arquivos".
Para assistir à íntegra das falas das/os convidadas/os e da sessão de perguntas e respostas com a plateia on-line, acesse o canal do Arquivo Nacional no YouTube.