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Cartas de Arquivo - confira a 6ª edição
A sexta edição do projeto “Cartas de Arquivo”, uma parceria do Arquivo Nacional com a Definitiva Cia. de Teatro e a Via 78, traz ao público a carta de Lúcia Velloso Maurício à irmã Heloísa, escrita durante sua prisão na Vila Militar. Rio de Janeiro, 27 de novembro de 1971. Fundo Lúcia Velloso. BR RJANRIO GL, caixa 2, pasta 1.
Assista à leitura dramatizada dessa carta no YouTube do Arquivo Nacional clicando aqui .
Conheça o contexto histórico da carta :
Em 31 agosto de 1971, véspera do seu aniversário de 20 anos, Lúcia Velloso Maurício foi detida pela polícia enquanto caminhava pelas ruas do bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro. Levada para DOI-CODI e depois transferida para Vila Militar, foi enquadrada no artigo 23 da Lei de Segurança Nacional de 1969, por “tentar subverter a ordem ou estrutura político-social vigente no Brasil, com o fim de estabelecer ditadura de classe, de partido político, de grupo ou indivíduo”. Durante os três anos de cárcere, escreveu mais de 200 cartas para a família, amigos, ex-colegas de cela e, principalmente, para seu companheiro Alex Polari Alverga, com quem casou, em 1972, ainda na prisão.
Suas cartas, preservadas nas formas de rascunhos ou cópias em carbono, são recortes da memória de um período em que o recrudescimento da violência e repressão pelo governo civil militar, institucionalizado pela assinatura do AI-5 em dezembro de 1968, impedia toda e qualquer possibilidade de atuação dos movimentos sociais, restando o enfrentamento armado. Lúcia foi militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), organização de esquerda que participava da guerrilha urbana contra a ditadura. Sua militância teve início ainda no movimento estudantil secundarista, onde conheceu Alex.
Filha de um almirante médico e mãe pedagoga, era de uma família de classe média da zona sul carioca, assim como muitos dos integrantes do movimento armado. Sua militância política e o namoro com Alex preocupavam seus pais, o posicionamento de Lúcia rompia com os padrões femininos socialmente aceitos, que relegavam à mulher a vida privada, o casamento, a família. O choque de gerações intensificou-se no ano de 1969, quando foi internada à força em um hospital psiquiátrico, lá permanecendo por três meses. A relação complicada com a família levou-a a sair de casa e ir morar com o namorado em um aparelho da VRP, quando ingressou na luta armada.
A década de 1970, todavia, assistiria ao desmantelamento dos movimentos revolucionários de esquerda, isolados e submetidos à força da repressão. As prisões e desaparecimentos sucediam-se. Em maio de 1971 caiu Alex, em agosto Lúcia.
Durante todo tempo em que esteve reclusa, fez das suas cartas – guardadas cópias em um arquivo pessoal – principal instrumento de diálogo e interação com o exterior. As primeiras missivas são remetidas sobretudo a familiares, numa procura por refazer laços, num tom de “acerto de contas”, como diria a própria Lúcia. A carta destinada à irmã mais velha Heloísa revela todo esse sentimento de revolta e não aceitação, mas também uma busca por reaproximação. Seus escritos são pequenos fragmentos de memória daquela geração, suas relações familiares e pessoais, suas referências políticas e culturais, entre outros aspectos.
A carta selecionada pertence ao fundo Lúcia Velloso Maurício (GL), doado em 2010 pela titular ao Arquivo Nacional. Uma seleção de 47 missivas de seu acervo pessoal foram publicadas em 2016 no livro Cacos de sonhos: cartas de uma ex-prisioneira da Vila Militar (1971-1974) . Além das cartas supracitadas, o fundo documental guarda ainda outros documentos produzidos entre os anos de 1971 e 2010, entre eles: documentos relativos à sua atuação política e de terceiros; roteiro de filme sobre a vida de Lúcia; anotações referentes à sua atividade entre 1973 e 1974; fotografias; correspondência passiva (inclusive cartas, poesias e desenhos de Alex Polari) e parte de sua produção acadêmica.
Atualmente, Lúcia Velloso Maurício é professora da faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e, gentilmente, aceitou o convite para participar o projeto Cartas de Arquivo do AN. Diferente das edições anteriores, esta carta selecionada foi lida pela própria autora.
Fonte: Equipe de Produção Cultural do Arquivo Nacional / Coordenação de Pesquisa, Educação e Difusão do Acervo (COPED)