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Cartas de Arquivo - 3ª edição
Nesta terceira edição do “Cartas de Arquivo”, uma parceria do Arquivo Nacional com a Definitiva Cia de Teatro e a Via 78, mostramos a carta de Amazile Floripes para Bertha Lutz, presidente da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Na carta, escrita em 1932, após a inclusão do voto feminino no Código Eleitoral, Amazile sugere à feminista inclusão do divórcio no texto constitucional: sem ele, a liberdade da mulher continuaria “debaixo dos pés dos homens”.
Assista à leitura dramatizada dessa carta no YouTube do Arquivo Nacional.
Conheça o contexto histórico da carta:
Afastado de um conjunto homogêneo de propostas e práticas, o caráter plural do movimento feminista esteve presente desde as primeiras lutas e conquistas das mulheres no Brasil. O início do século XX presenciou o surgimento de ações políticas organizadas de grupos que reivindicavam direitos e questionavam o papel secundário da mulher. Marcadas por uma multiplicidade de vozes, ora convergentes, ora dissonantes, tais ações revelaram diferentes concepções de feminismo: o anarco feminismo de Maria Lacerda; o sufragismo de Bertha Lutz; o antipartido de Leolinda Daltro; até o feminismo solitário de Pagu, a escritora modernista Patrícia Galvão.
A Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, fundada em 1922, congregou mulheres de vários estados do país identificadas com as propostas da entidade, cuja principal bandeira de luta era o sufrágio feminino. Tornou-se, ao longo da 1 a metade do século XX, referência no movimento feminista brasileiro. Em seus estatutos, além do direito ao voto, defendia uma legislação reguladora do trabalho da mulher; a educação feminina e o bem-estar social relativo à maternidade e à infância. Bertha Maria Júlia Lutz foi sua principal articuladora, considerada pioneira nas lutas femininas no Brasil, a trajetória de Bertha se confunde, muitas vezes, com o percurso da própria federação por ela fundada e dirigida. Durante os anos que estudou biologia na Sorbonne, entrou em contato com o movimento feminista europeu e, ao retornar ao Brasil, fundou, em 1919, a Emancipação Intelectual da Mulher, embrião da FBPF.
A federação foi dirigida por mulheres provenientes, sobretudo, da classe média com bom trânsito político, que utilizariam seu prestígio social para estreitar as relações com os poderes estabelecidos, buscando difundir e conseguir apoio para suas propostas. A formação dessa rede de relacionamentos pode ser percebida através da leitura do grande volume de correspondências, ativa e passiva, que compõem o acervo da FBPF. Cartas trocadas com parlamentares, ministros, diplomatas, outras organizações feministas nacionais e estrangeiras, figuram entre o conjunto de documentos acumulados pela Federação. Do mesmo modo, se correspondia com as demais sócias e outras mulheres – base de sustentação da FBPF – incentivando sua participação no movimento. Essas também procuravam Bertha, seja para parabenizá-la pela atuação, buscar assistência em suas causas feministas ou mesmo trocar diferentes pontos de vista sobre a luta das mulheres.
É o caso de Amazile Floripes, que escrevera à Bertha em novembro de 1932, após a inclusão do voto feminino no Código Eleitoral, principal conquista da FBPF, fruto de intensa campanha nacional. Em meio aos trabalhos de Lutz na Comissão Preparatória do Anteprojeto da Constituição (promulgada dois anos depois), Amazile sugere à feminista inclusão do divórcio no texto constitucional: sem ele, a liberdade da mulher continuaria “debaixo dos pés dos homens”. No entanto, o divórcio nunca foi um tema discutido por Bertha e a FBPF, sobretudo por se tratar de uma pauta que teria forte resistência entre os parlamentares e a Igreja, adversária política poderosa. Não que fosse contrária, mas preferia o silêncio ao confronto, nos moldes do “feminismo comportado” e de alianças. Apesar de muitas de suas proposições, que estendiam novos direitos à mulher terem sido incorporadas à legislação brasileira, a Constituição de 1934 manteve a indissolubilidade do casamento no Brasil. O divórcio absoluto seria uma conquista feminina apenas em 1977, através de emenda constitucional.
A carta de Amazile Floripes pertence ao fundo da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, formado por, além das correspondências, fotografias, desenhos, boletins, estatutos, atas, recortes de jornais, textos e discursos, entre outros documentos, produzidos entre os anos de 1918 a 1985. De natureza privada, o fundo foi doado ao Arquivo Nacional e é fonte importante para variadas pesquisas em torno de temas como o movimento feminista, a história das mulheres, a história da educação, entre outros.
Carta de Amazile Floripes para Bertha Lutz, presidente da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. QO.ADM.COR.A932.13. Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.
Leia a carta:
Brasil, 12/11/1932
Minha Cara Bertha Lutz,
Li com tremores nervosos teu belo speak no Congressinho constitucionalista, presidido pelo formidável Careca do Antunes Maciel e o chuchu murcho que é o Afranio, ao lado, com aquela fisionomia de Nossa Senhora dos Aflitos. Estava tudo chic , como o senado do Antonio Azeredo (o nosso saudoso Azeredo!...) nos bons tempos dos 200 réis diários. Olhe, minha Bertha, não entendi bem a tua fala, por estar meio empolada; mas compreendi que, como todas as mulheres e eu, tu queres plena liberdade para o nosso falido sexo, liberdade que aliás já tens demais, até chegas a essas alturas de sentar-te numa cadeira senatorial (sem alusão à tua moça idade), admirada pelo bode Chico Peixoto e outros gloriosos vultos parlamentares.
Simples futura eleitora, como pela cartilha antiga, venho hipotecar-te meu voto feminino e o de meu segundo marido, que o 1º morreu felizmente de desastre de automóvel. Era uma peste, uma fera com duas amantes – uma branca portuguesa e uma mulata aço. Não houve meio de desquitar do desalmado, só o automóvel me livrou dele. O segundo também não é grande coisa, bebe e dorme como uma pedra e eu a suspirar ao lado do porco! Isto só pode melhorar com o divórcio, sem o divórcio como no Uruguai, França e Estados Unidos, o tal feminismo é uma burla. Nossa liberdade continua debaixo dos pés dos homens. Procure, pois, encaixar na Constituição o divórcio absoluto. Sem ele nós estamos é nadando em seco... Avante e com coragem. Tua velha admiradora.
Amazile T. Floripes.
Imagem da carta no Flickr do Arquivo Nacional.
ASCOM-Assessoria de Comunicação Social
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