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Arquivo Nacional e Secretaria do MPI promovem oficina e avançam em articulação sobre gestão de documentos
O Arquivo Nacional, secretaria do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), e a Secretaria de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas (Seart) do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) promoveram, na sexta-feira (26), na sede da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), uma ação inédita de formação e alinhamento sobre gestão documental. Durante a manhã, foi realizada reunião entre as autoridades dos órgãos e, na parte da tarde, a Oficina de Gestão Documental e Arquivística reuniu servidoras/es, visando fortalecer a concepção do direito à memória por meio de documentos.
A diretora-geral do Arquivo Nacional, Ana Flávia Magalhães Pinto, pontuou que a parceria com o ministério e a Funai consiste em duas linhas de ação principais: gestão do ciclo de vida dos documentos públicos, e garantia do acesso à informação e à memória. Nesse sentido, uma gestão documental de qualidade e eficiente vai além de procedimentos burocráticos, constituindo verdadeiro instrumento de consecução do direito à memória e à cidadania. “É importante confrontar o senso comum de que arquivos são depósitos mortos. Na verdade, eles são um patrimônio vivo”, observou Ana Flávia.
A proposta surgiu a partir do processo de articulação institucional estabelecido desde 2023 entre a Direção-Geral do AN e o MPI, a partir do Departamento de Línguas e Memória da Seart. Essa articulação faz parte de um compromisso assumido pela atual gestão do AN, desde sua cerimônia de posse, em março de 2023, e também uma demanda do próprio MGI no sentido de contribuir para a institucionalização do Ministério dos Povos Indígenas e de suas atividades.
Mais especificamente, em visita técnica realizada, em 26 de outubro de 2023, ao setor de documentação da Funai, o Arquivo Nacional, representado por sua diretora-geral, Ana Flávia Magalhães Pinto, e o MPI, na figura do diretor do Departamento de Línguas e Memória, Eliel Benites, chamaram atenção para que o MPI, recém-criado, aprofundasse o entendimento sobre as estruturas, legislações e instrumentos de gestão documental. Isso ajudaria a construir ações interinstitucionais que produzissem e refletissem a memória histórica de sujeitos sociais invisibilizados pela história, como os povos indígenas.
De acordo com Joziléia Kaigang, secretária substituta da Seart, o MPI vem dialogando com a Funai e o Arquivo Nacional desde o ano passado, diante da proposta de formular uma política institucional de gestão de documentação para salvaguardar a memória dos povos indígenas, assim como suas línguas, culturas e sabere,s ao promover ações a favor da justiça de transição.
“Estamos considerando nossas responsabilidades em relação ao movimento de construção da memória da verdade indígena. Precisamos compreender essa documentação institucional, por onde passa, quais os desafios para organizar o arquivo, como será gestada a documentação e como ela poderá atuar junto aos povos para compor a memória pela nossa perspectiva”, explicou Jozileia, após classificar os registros como "comprovação da relação que se estabeleceu historicamente entre Estado e povos indígenas".
Para a diretora-geral do AN, a ação realizada com a secretaria do MPI pode ter efeito inádito para a implementação de novo modelo de atuação do Arquivo Nacional como órgão central do Sistema de Gestão de Documentos e Arquivos (Siga) da administração pública federal, auxiliando inclusive a superar uma dicotomia entre a gestão de documentos e o processamento técnico, e aproximando os órgãos. "É uma iniciativa abre caminhos para uma relação mais direta do orgão central com os órgãos setoriais e seccionais [do Siga]. É isso que estamos desenhando por meio do Acelera Siga", disse Ana Flávia, em referência ao Programa de Aceleração do Siga, previsto no planejamento estratégico da instituição para 2024-2027.
Acordo
A oficina abordou questões relacionadas à institucionalidade, aos conceitos e princípios básicos em gestão de documentos, à política de preservação e ao ColaboraGov, com a participação de dirigentes dos órgãos. A apresentação do conteúdo relacionado à gestão de documentos foi realizada pela chefe da Divisão de Gestão de Documentos da Superintendência Regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal (Sureg), Camilla Pacheco, e pelo chefe da Divisão de Processamento Técnico e Preservação da Sureg, Isaías Santana.
Durante o encontro, foi definido que o AN/MGI e a Funai criarão um Grupo de Trabalho (GT) para firmar um Acordo de Cooperação Técnica (ACT), cujo foco será construir uma política de gestão documental e arquivística com ênfase no direito à memória e às histórias dos povos indígenas. Duas reuniões do GT serão conduzidas, uma em fevereiro e outra em março, para analisar a assinatura de um ACT no mês de abril. O foco das reuniões será fixar prazos, cronograma e um plano de trabalho com ações para entregar produtos derivados a partir do ACT, que tem duração de 24 meses, com possibilidade de renovação.
"Arquivos são importantes para nossa luta. Essa relação histórica foi pautada por uma regulação, e os arquivos têm uma legitimidade. São a memória viva das violações que ocorreram com os povos indígenas”, resumiu a secretária substituta da Seart/MPI.
Conforme Julia Ospina, coordenadora de Promoção à Justiça de Transição Indígena, essa relação legitimou a violação dos direitos dos povos indígenas e se perpetua até os dias atuais, produzindo contextos que permitem a continuidade de ações criminosas pelas novas gerações.
“A presença indígena no governo atual, que se posiciona como produtor da política e registro documental institucional, cria uma relação em que o Estado será um dos instrumentos para o fortalecimento no processo da recomposição, dos seus modos de ser e do bem viver dos povos indígenas”, disse a coordenadora.
O professor Eliel Benites, diretor do Departamento de Línguas e Memórias Indígenas, setor do MPI que vem articulando, junto à Funai e ao Arquivo Nacional, a construção da política institutcional de gestão de documentação a partir da perspectiva dos povos indígenas, destacou suas expecativas sobre o acordo.
“Como indígenas no espaço público, diante dessa parceria, temos como perspectiva compreender os fluxos de produção de documentos e refletir sobre como nós os produzimos, ao recebermos orientações técnicas e de gestão. As ações que adotamos precisam refletir na manutenção e no fortalecimento das identidades dos povos indígenas”, avaliou Eliel.
A diretora-geral do AN ressaltou que é preciso estabelecer um esforço para firmar a gestão documental de acervos correntes e intermediários, que são aqueles mais utilizados na administração pública em geral. No caso do MPI, ela citou a incorporação da Funai à pasta em 2023, porém o órgão tem 56 anos de existência e 20 quilômetros lineares de documentos, em comparação com um ministério com apenas um ano de criação.
“A documentação trata da interação entre povos indígenas e o Estado brasileiro. Temos que pensar uma ação coordenada em que a agenda da memória indígena ganhe força e visibilidade para além das instituições”, disse a diretora do AN.
Experiência
Segundo Artur Nobre Mendes, coordenador-geral de Gestão Estratégica da Funai, o órgão está, há cerca de oito anos, recolhendo e consolidando a documentação física do acervo da Funai - que está pulverizada em 39 coordenações regionais descentralizadas pelo país - para dar tratamento adequado, processamento técnico, disponibilização para acesso e classificação de itens que vão além dos registros em papel. O acervo conta com vídeos, gravuras, fotografias, peças, artesanato e outros objetos.
A documentação gerada pela Funai, depois de sua criação em 1967, deve estar completamente reunido em Brasília até o meio de 2024. O motivo da consolidação se deve à adesão da Funai ao Sistema Eletrônico de Informações (SEI), o que fez com que toda a documentação, de 2015 em diante, passasse a ser digital, mas isso não se aplica ao material produzido anteriormente.
“É preciso recolher e reunir tudo, porque não temos pessoal e recursos para manter os arquivos em cada unidade. Foi uma escolha dolorosa, mas foi preciso, para que não se percam. Por isso, a conjunção de esforços é para superar recursos limitados”, afirmou Mendes. Ele acrescentou que ainda há uma massa documental gigantesca de outros órgãos indigenistas, extintos no passado, que o MPI herdou e remonta à Proclamação da República (1889).
“O que precisa ser feito é a salvaguarda da documentação e, depois, trabalhar para disponibilizar o acesso público. Pretendemos desenvolver um repositório de toda essa documentação para que as pessoas possam pesquisar de casa, com a Internet”, descreveu o coordenador-geral.
Ele destacou que, no acervo da Funai, encontram-se documentos, por exemplo, da Comissão Rondon, da "Marcha para o Oeste", e da criação das primeiras terras indígenas brasileiras, como o Parque do Xingu (MT), o Parque do Araguaia (TO) e o Parque do Tumucumaque (AP e PA). “Esse acervo documental reúne uma parte importante da história do Brasil e que pode ser contada para a sociedade como um todo. Além disso, uma gestão arquivística adequada possibilita aos indígenas contarem sua própria história”, comentou Artur.
“A diversidade de formatos e suportes dos arquivos comunitários de povos indígenas e tradicionais provoca a própria Arquivologia”, ponderou a diretora-geral do AN, enfatizando a necessidade de desestabilizar práticas que atribuem uma certa irrelevância ao patrimônio histórico e cultural de grupos étnicos subalternizados.
Museu
Além da Funai, os demais fundos documentais absorvidos pelo MPI estão atualmente no Rio de Janeiro, no Museu do Índio - que aguarda decreto federal para ser renomeado como Museu dos Povos Indígenas. São fundos de órgãos que, em algum momento da história do Brasil, participaram da política de estado indigenista.
Portanto estão incluídos os acervos: do Serviço de Proteção ao Índio (antecessor direto da Funai); do Conselho Nacional de Proteção aos Índios (CNPI); da Fundação Brasil Central, responsável pela expansão da fronteira e colonização na região do Mato Grosso e Rondônia; e da Comissão de Linhas Telegráficas Rondon, uma das primeiras atividades estatais de contato constante com povos indígenas.
Lucas Zelesco de Oliveira, chefe do Serviço de Gestão Documental da Funai, fez uma exposição, na oficina, do histórico de armazenamento da fundação. Para ele, a grande utilidade da parceria entre o Arquivo Nacional e o MPI está no fortalecimento de uma base para que haja organização e refinamento da documentação para dar retorno à sociedade.
Zelesco defende que haja uma estrutura organizacional de preservação e consulta, com regulamento e legislação que precisam estar incorporados às práticas da Funai. “Um pesquisador que se debruce sobre nossa documentação certamente conseguirá encontrar material que permita extrair elementos sobre a histórica violação de direitos, e mostrar a necessidade de reparação aos indígenas”, pontuou.