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Arquivo Nacional debate memória da escravidão e papel da pessoa negra no comando de instituições históricas
“Ao falar sobre história pública e memória da escravidão, esse evento de hoje possui uma dimensão ainda mais importante do que aquilo que normalmente a gente alcança quando fala em escravidão. A maioria das pessoas que estão presentes aqui se interessam pelo desejo de liberdade, os projetos de liberdade e os exercícios de liberdade”, disse a diretora-geral do Arquivo Nacional.
A embaixadora estadunidense Elizabeth Bagley também fez questão de saudar o evento e as/os pesquisadoras/es participantes. "Todas essas pessoas contribuíram muito com seu conhecimento e a pesquisa coletiva da nossa história compartilhada da escravisão. Isso continua a reverberar e impactar ambas as nossas sociedades hoje em dia", afirmou Elizabeth, ao lembrar que Brasil e EUA completam, neste ano, 200 anos de relações diplomáticas. A diplomata citou algumas ações da Embaixada voltadas à preservação do patrimônio histórico brasileiro, como o apoio à restauração do Cais do Valongo, por onde cerca de um milhão de escravizadas/os chegaram a Rio de Janeiro, a partir da África. Além dessas ações, aproveitou a ocasião para anunciar um programa de intercâmbio para profissionais da área de patrimônio cultural, chamada "Afro-conexões", destinada a "elevar as vozes, histórias e cultura das comunidades descendentes dos africanos".
Pesquisa
Um dos temas debatidos no Conexões Afro-Atlânticas foi a continuação das buscas por mais vestígios do navio “Camargo”, embarcação escravista que trouxe 500 africanos ao Brasil e que foi afundado pelo próprio capitão, próximo a Bracuí, na região de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. Atualmente, as buscas pelo barco seguem sendo feitas por mergulhadores. Caso a embarcação seja encontrada, os pesquisadores conseguirão aprofundar os estudos sobre sua história.
Para a coordenadora-geral de Articulação de Projetos e Internacionalização do Arquivo Nacional, Mônica Lima, o Arquivo Nacional tem uma história de divulgação científica e, há algum tempo, vem possibilitando que outras histórias sejam contadas. “A história pública é uma luta por direitos. Estamos vivendo um momento de compartilhar reflexões sobre história pública no processo de reconhecimento da luta pelo direito à fala, à escuta, à escrita, à memória e à história, sobretudo, por parte de um público longamente invisibilizado. Ela é produzida não para o público, mas com o público e, mais recentemente, reconhecida pelo público. Essa é a chave que estamos virando nessa construção histórica”, afirmou .Além das discussões sobre a importância da memória da escravidão e da reparação histórica, o debate desta quinta-feira também contou com análises importantes sobre o papel do negro no comando de institutos históricos. Primeiro afro-americano e historiador a dirigir o Instituto Smithsonian, Lonnie Bunch III ressaltou suas perspectivas ao liderar e coordenar um dos mais renomados complexos de pesquisa histórica no mundo.
"O meu objetivo é fazer a instituição ajudar o país a confrontar seu passado e encarar essa questão daqui para frente" (Lonnie Bunch III)
“Sou o primeiro negro a comandar o Smithsonian, que, por algum tempo, concordava com teorias racistas e não contava a história afro-americana. Quero mostrar que, atualmente, somos um lugar diferente. Também sou o primeiro historiador a comandar o instituto e isso traz uma nova visão para contextualizar que a história não é sobre o passado, mas sobre o presente e o futuro. O meu objetivo é fazer a instituição ajudar o país a confrontar seu passado e encarar essa questão daqui para frente”, explicou.
Assim como Lonnie, a diretora-geral do Arquivo Nacional, Ana Flávia Magalhães Pinto, também é a primeira mulher negra a comandar a instituição como diretora-geral titular. Ela também falou das dificuldades dessa posição e dos trabalhos coletivos do Arquivo Nacional para abranger as populações minoritárias. “Precisamos fazer um processo de mudança. Eu estou em um país acostumado com o subdimensionamento e a subvalorização de populações negras, povos indígenas, mulheres e comunidade LGBT, e isso tem gerado resistência. Por isso, aposto na ação coletiva, já que ainda precisamos de muitas ações para superar o vício do racismo como patrimônio nacional”.
Para Ana Flávia, essa patrimonialização não vai ser superada apenas com a institucionalização de políticas de estado ou de governo, mas com uma reorganização da sociedade em nível mais profundo, que demanda essa ancoragem. “Temos feito um trabalho coletivo que extrapola até mesmo as dimensões do Arquivo Nacional e do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), para que não demore mais 185 anos para que alguém com a minha trajetória possa seguir fazendo a transformação”, disse a diretora-geral do Arquivo Nacional.
"Ainda precisamos de muitas ações para superar o vício do racismo como patrimônio nacional" (Ana Flávia Magalhães Pinto)
Participações
O Conexões Afro-Atlânticas também contou com a participação de Martha Abreu, pesquisadora do Passados Presentes, da Universidade Federal Fluminense e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; de Marilda de Souza Francisco, líder do Quilombo Santa Rica do Bracuí; Paul Gardullo, diretor do Centro de Estudos sobre Escravidão do Smithsonian; Luís Felipe Freire Dantas Santos, pesquisador do AfrOrigens; e Aline Montenegro Magalhães, historiadora do Museu Paulista da Universidade de São Paulo.Assista aqui ao evento na íntegra
Fotos: Júlio Sturm e Saulo Ferreira