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Com a agenda da cooperação entre arquivos, Brasil e países de língua oficial portuguesa na África encontram-se no Arquivo Nacional
Os representantes das instituições de memória de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, e São Tomé e Príncipe participaram da primeira Jornada Brasil-Palop de Articulação e Cooperação entre Arquivos, realizada na última segunda-feira (4 de setembro) na sede do Arquivo Nacional (AN), no Rio de Janeiro. A sigla “Palop” reúne os países de língua oficial portuguesa na África.
O encontro foi iniciado com a mesa-redonda intitulada “Apresentação dos arquivos nacionais e instituições de memória dos Palop”. Em evento aberto ao público, a diretora-geral do AN, Ana Flávia Magalhães Pinto, realizou a abertura da mesa e destacou a necessidade, em consonância com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da retomada de atividades de parceria, intercâmbio e cooperação do Brasil com países africanos. Para embasar a relevância da iniciativa, Ana Flávia citou os “incontáveis e incontornáveis laços” que o Brasil mantém com os povos do continente africano: “Somos parte de sociedades em que as lutas pela superação das desigualdades e promoção de direitos humanos são um traço marcante”, lembrou. “E é importante registrar que o direito à memória é certamente um instrumento, um caminho para a promoção de direitos humanos”, completou a diretora.
Na sequência, Mônica Lima, coordenadora-geral de Articulação de Projetos e Internacionalização do AN, manifestou o desejo, em sua fala, de que o encontro se desdobrasse em algo que se reflitisse na vida das nossas sociedades. “Porque essa é a missão principal do Arquivo Nacional, produzir condições de acesso à memória, de realizar uma gestão efetiva, produtiva e qualificada de documentos que viabilize a obtenção do acesso aos direitos e conhecimentos”, ressaltou.
"Esse arquivo foi criado na estrutura da administração colonial, então obedece à lógica do colonizador"
Iaguba Djalo, diretor da Biblioteca Pública Nacional e do Arquivo Histórico do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa da Guiné-Bissau, em sua apresentação, fez um panorama das dificuldades estruturais e de recursos humanos que as instituições de memória vêm enfrentando em seu país, que ainda guarda marcas da guerra civil de 1998/99. Djalo agradeceu, ainda, o convite para participar do evento e acrescentou: “Nos abriu portas para que juntos possamos refletir sobre a preservação do legado histórico e cultural dos estados membros de nossos respectivos países”.
Sergio Armando Maungue, representante do Arquivo Histórico de Moçambique, apresentou a situação dos arquivos moçambicanos e os grandes desafios que vêm enfrentando, principalmente nos aspectos estrutural e jurídico das instituições. No país, além do Arquivo Histórico Nacional, que cuida do acervo permanente, existe o Centro Nacional de Documentação e Informação de Moçambique, responsável pelos arquivos correntes e intermediários, gerando uma dupla tutela sobre os documentos públicos produzidos e armazenados.
João Pedro da Cunha Lourenço, diretor nacional de Formação de Artes e Turismo do Ministério da Cultura e Turismo de Angola, apresentou o histórico do Arquivo Nacional de Angola e a diversidade do seu acervo. Atualmente, a instituição conta com uma ampla e moderna sede, inaugurada em 2021, mas ainda precisa avançar na digitalização da documentação e no aprimoramento quantitativo e qualitativo dos técnicos.
João Pedro também ressaltou a necessidade de uma leitura descolonizada do acervo custodiado. “Esse arquivo foi criado na estrutura da administração colonial, então obedece a lógica do colonizador. Isso se reflete na linguagem, na terminologia e na forma como as chefias africanas são apresentadas”, explicou.
Papa Momar Diop, presidente do comitê africano do programa Memória do Mundo, da Unesco, saudou a mesa e exaltou a iniciativa da diretora-geral do AN em promover esse encontro. Diop aproveitou a oportunidade para encorajar os colegas a se empenharem nas candidaturas de acervos para o registro internacional no programa Memória do Mundo, que tem a finalidade de identificar e preservar documentos e arquivos que venham a compor o patrimônio histórico da humanidade . Boa parte dos representantes dos Palop presentes ao evento se encontravam no Rio de Janeiro também para participar de uma oficina do programa da Unesco, oferecida com o objetivo de orientar os países a preparem suas candidaturas. “Eu penso que agora é a hora de fazer alguma coisa para melhorar essa presença a nível internacional", pontuou Diop.
Encerrando a mesa-redonda da manhã, Joel Lima, diretor do Arquivo Histórico de São Tomé e Príncipe, fez um panorama da instituição, elencando os diversos desafios enfrentados. mas também expressando seu entusiasmo com a oportunidade "de solidificar as ideias e opiniões", por meio da parceria com outros Palop e o Brasil.
"Capazes de entender não só o que temos em comum, mas também as nossas diferenças"
Na mesa-redonda “ Cooperação entre arquivos nacionais: gestão de documentos e direito à memória ”, iniciada às 17h, a diretora-geral Ana Flávia enfatizou que a realização do evento é uma forma de reafirmação do compromisso, assumido por sua gestão junto ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), de adotar uma agenda que trouxesse centralidade para segmentos negligenciados ao longo da história do Brasil, apesar de esses mesmos grupos representarem a maioria da população.
Um exemplo de esforço nesse sentido, exemplificou a diretora-geral, foi a articulação para a realização da própria jornada com representantes dos Palop, para a qual foi imprescindível o apoio do próprio MGI, por meio da Assessoria de Assuntos Internacionais e da Empresa de Tecnologia e Informação da Previdência (Dataprev), ambas ligadas à pasta, além da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), essa vinculada ao Ministério das Relações Exteriores. Um dos frutos da articulação foi a menção ao evento na declaração final da 14ª Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) , sediada em São Tomé e Príncipe no mês passado.
Representando a ABC, o conselheiro Rafael Porto Santiago Silva contou sobre o trabalho que a agência já realizou com os Palop, tanto bilateralmente como no âmbito da CPLP, destacando a parceria com o AN em ações em Moçambique e no país asiático do Timor-Leste. Entre 2009 e 2016, técnicos do AN foram enviados a esses países para transferirem conhecimento em procedimentos de processamento técnico e preservação de acervo arquivístico, e auxiliarem na implementação de sistemas de gestão de documentos.
Da parte da Dataprev, Gilmar Queiroz fez uma breve apresentação da missão, estrutura e resultados da empresa pública, e sublinhou a parceria com o AN em iniciativas como a articulação para a realização da jornada, bem como a preparação de um acordo de cooperação técnica para a modernização de processos e serviços da instituição.
No que diz respeito à cooperação para a proposição de candidaturas ao programa Memória do Mundo, Adauto Soares, coordenador de Comunicação e Informação da Unesco no Brasil, salientou que a jornada promovida pelo AN fazia parte da programação das oficinas que trouxeram os representantes dos Palop ao país. Soares também saudou a retomada da participação do comitê brasileiro no programa, paralisada havia cerca de 4 anos.
A última etapa do evento contou com as participações remotas de Constança Ceita, diretora do Arquivo Nacional de Angola, e José Silva Évora, pesquisador do Instituto do Arquivo Nacional de Cabo Verde.
Na avaliação da diretora-geral Ana Flávia Magalhães Pinto, a 1ª Jornada Brasil-Palop de Articulação e Cooperação entre Arquivos foi uma oportunidade de confirmar o potencial de os países presentes trabalharem numa perspectiva multilateral. "Todos teremos a ganhar e a contribuir se formos capazes de entender não só aquilo que temos em comum, mas também nossas diferenças", concluiu
Para assistir ao evento na íntegra, acesse o canal do AN no YouTube .