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8ª Semana Nacional de Arquivos celebra a diversidade na unidade do RJ
O Arquivo Nacional recebeu, no Rio de Janeiro, convidadas/os que representaram a diversidade e as potencialidades dos arquivos no último dia de sua programação presencial na 8ª Semana Nacional de Arquivos (SNA), nesta sexta-feira (7/6).
Desde o dia 3 de junho, a instituição, em articulação com centros de memória em diversas partes do Brasil, promoveu eventos variados, nas modalidades presencial, virtual e híbrida, para celebrar o Dia Internacional dos Arquivos (9 de junho), tendo como tema principal desta edição os “Arquivos acessíveis”. Paralelamente, a programação da SNA articulou-se com as ações coordenadas pelo Conselho Internacional de Arquivos no âmbito da International Archives Week (IAW), que acontecem ao redor do mundo e seguem a temática dos “Ciberarquivos”.
Produção de conhecimento e difusão a partir de acervos
A primeira roda de debates do dia tratou da “Produção de conhecimento e difusão a partir de acervos” teve mediação da historiadora Gabrielle Abreu, que apresentou os objetivos da Diretoria de Processamento Técnico, Preservação e Acesso ao Acervo do Arquivo Nacional, sob sua responsabilidade. Em sua fala de abertura, Gabrielle ressaltou a importância da SNA, no sentido de mostrar os trabalhos realizados no órgão e em outros centros de memória, que “têm preservado e difundido arquivos de uma forma extremamente sofisticada, inovadora e com enorme apreço à ideia de uma prática arquivística alinhada à valorização da diversidade, do direito à memória e à informação e, consequentemente, de fortalecimento da nossa democracia”.
A primeira convidada da mesa, Maria Goretti de França, demonstrou um pouco dessa inovação ao falar do acervo privado do cantor e compositor Chico Science, seu irmão e fundador do movimento Mangue Beat, nos anos 1990. Como produtora executiva e gestora do acervo, Maria Goretti contou sobre o percurso do tratamento, acondicionamento, restauração e digitalização da parte considerada prioritária do legado de Chico Science, publicizada em 2023, com o lançamento de um site com o conteúdo dos cadernos do artista. Ela explicou que também foram entregues, já em 2024, o dimensionamento, a catalogação, a fotografia e a digitalização do acervo completo. Dentre os próximos passos, estão a criação de um museu virtual e um instituto. Em seu comentário, a diretora Gabrielle Abreu lembrou o apreço do próprio Chico Science à história, ao reivindicar a memória de figuras como Zumbi, Marighella e Zapata.
Em seguida, a tradutora Flora Thomson Deveaux falou a partir da perspectiva de uma pesquisadora do acervo. Responsável pela tradução, para o inglês, de obras de Mário de Andrade e de Machado de Assis, ela atua na produção da Rádio Novelo, e relatou o caminho percorrido – e os desafios enfrentados – na pesquisa histórica realizada para o podcast “Praia do Ossos”, produto de sucesso de audiência na Internet que contava a história do rumoroso assassinato de Ângela Diniz por Doca Street nos anos 1970. Sobre outros produtos, que resultaram também de pesquisas em acervos, Flora disse: “Nosso trabalho na Rádio Novelo é também a tradução: de pegar a produção acadêmica e conseguir traduzir isso em ‘causos’, histórias, sem perder a nuance e a profundidade”. E completou: “Fico muito comovida de estar neste espaço de preservação de memória, de eternização de narrativas e de documentos, que vai fazer o nosso trabalho possível”.
O ponto de vista de gestão de acervos deu o tom da participação da jornalista e doutora em Ciência da Informação Bianca Santana. A diretora-executiva da Casa Sueli Carneiro, que mantém e difunde o legado da renomada ativista do Movimento Negro, alertou que é essencial que instituições como o Arquivo Nacional apoiem quem cuida de acervos populares e comunitários. “Esses acervos existem e precisam de dinheiro para se manter, e de apoio técnico”, lembrou Bianca.
Criador da ideia original e diretor de pesquisa da série do streaming “Enredos da Liberdade: O grito do samba pela democracia”, o sociólogo Rodrigo Reduzino revelou, em sua fala, ter realizado a pesquisa do material no AN, inicialmente para seu projeto acadêmico. “Todos esses trabalhos realizados, inclusive a série, só foram possíveis de serem feitos porque tive acesso ao acervo do Arquivo Nacional”, afirmou Rodrigo. Ele também enfatizou a necessidade de “desvelar” o caráter ideológico da discriminação e da arbitrariedade na constituição de acervos e arquivos. Para ele, a difusão do acervo não se encerra somente nos números de acesso aos documentos, mas segue no esforço de qualificar as/os usuárias/os, e estimular a produção e conhecimento de sujeitos históricos ainda pouco conhecidos.
Arquivos comunitários
“Pensar nos arquivos comunitários é pensar no protagonismo”, assim o mediador Jean Camoleze abriu o segundo debate da tarde. Segundo ele, grupos marginalizados sempre fizeram a história, independentemente de serem invisibilizados ou injustiçados. O diretor de Gestão de Documentos e Arquivos do Arquivo Nacional fez uma analogia entre os acervos comunitários e o sistema de cotas nas universidades públicas, que, segundo ele, humanizaram o ensino superior. “Os arquivos comunitários são um presente para a Arquivologia e para a História”, declarou Jean.
Alane Lima, presidenta do Memorial das Ligas e Lutas Camponesas, deu um exemplo de como institutos de memória podem se apoiar. “Para se encontrar documentações que retratem sobre as Ligas, é preciso mapear”, afirmou, antes de explicar que o contato com instituições como o Arquivo Nacional e com aquelas/es que participaram das lutas históricas (e seus familiares) é fundamental para a retomada desses acervos, já tão vulnerabilizados. “Arquivo só tem importância se ele vier acompanhado de uma luta social que ressignifique uma luta atual daqueles e daquelas que sofrem com o peso terrível da opressão”, concluiu Alane.
Cofundadora do Arquivo Lésbico Brasileiro, Augusta da Silveira narrou alguns dos desafios de gerir e dar visibilidade a um centro de memória de um grupo tradicionalmente marginalizado. “A memória lésbica é uma memória em disputa; nem sempre é de interesse de todos que ela esteja disponível”, pontuou Augusta, também diretora financeira da entidade, que funciona em rede com outros arquivos de temáticas semelhantes.
Thamires Ribeiro é colaboradora do Museu da Maré, onde atua no Arquivo Dona Orosina Vieira, repositório da história do bairro da Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. Hoje com aproximadamente 140 mil habitantes, a Maré teve parte de sua memória resgatada pelo extinto projeto “Rede Memória”, que integrou o objeto de estudo de Thamires em seu mestrado. "O maior desafio do arquivo. atualmente, é atender ao público de maneira gratuita, enquanto tem recursos limitados, e tentar manter parceria, em longo prazo, com instituições com mais recursos, prestígio e experiência" detalhou Thamires.
Professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, o historiador Alexandre Fortes contou um pouco da trajetória de criação do Centro de Documentação e Imagem (Cedim), que permite consulta ao acervo histórico digitalizado de caráter sonoro, visual e iconográfico, no campus de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Com registros da produção intelectual da universidade e de imagens produzidas na região, o Cedim tem contado com recursos de agências de fomento à pesquisa para dar acesso on-line ao acervo em sua plataforma. Curiosamente, Alexandre relatou que, ao ler uma entrevista com a diretora-geral do AN, Ana Flávia Magalhães Pinto, em que ela menciona a importância dos arquivos comunitários, ele "descobriu" que seu trabalho estava relacionado à temática na Baixada Fluminense. "Depois que isso ficou claro, nos ajudou bastante, inclusive, a buscar algumas novas fontes de financiamento," revelou o professor.
Após iniciar sua fala, cantando uma música, o autor e diretor teatral Binho Cultura ofereceu suas impressões e experiências sobre a comunidade em que nasceu, a Vila Aliança, na Maré. Doutor honoris causa e idealizador da ONG Embaixada das Favelas, ele contou mais sobre as iniciativas de mobilização cultural, com fins educativos e de preservação da memória, que tem produzido na comunidade. Segundo ele, a prórpria criação da ONG está relacionada com o legado daquela população, isto é, com os arquivos comunitários, que ele espera poder ter entre as realizações a serem comemoradas num futuro próximo, e para isso está buscando parcerias públicas e privadas.
O último convidado do dia, Phellipe Patrizi, é professor da educação básica e pesquisador sobre Carnaval e apresentou seu estudo sobre as relações entre a G.R.E.S.E. Império da Tijuca e a comunidade de seu entorno. Ressaltou peculiaridades da história da agremiação, que traz a palavra "educativa" em sua denominação, diferentemente das demais escolas de samba cariocas. Para apoiar seu trabalho, Phellipe precisou colher depoimentos orais de baluartes locais, e reunir outros registros. "Nossa função, enquanto direção cultural da escola, é catalogar, preservar e digitalizar esse acervo, e não ficar à mercê de uma pessoa ou outra", disse, chamando a atenção para a idade avançada daqueles que guardam as lembranças da Império da Tijuca atualmente. "Quem vai preservar essa memória?", indagou.
Por fim, o pátio interno do conjunto tombado da unidade do AN recebeu a escola de samba mirim "Filhos da Águia", da G.R.E.S. Portela, que, junto com um coquetel e distribuição/venda de publicações da instituição, cuidou de animar o encerramento das mesas de debate. Veja a íntegra dos debates do dia 7 de junho no canal do AN no YouTube.
Fotos: Júlio Sturm