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COVID-19
Pedido para estudo em humanos do soro do Butantan ainda tem pendências
Após reunião realizada nesta sexta-feira (19/3) entre o Instituto Butantan e a Anvisa para discussão da proposta de estudo em humanos do soro hiperimune anti-Sars-CoV-2, foi emitida uma nota explicativa pela Agência em que foi divulgada a linha do tempo das interações entre as instituições: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2021/anvisa-faz-reuniao-sobre-soro-contra-covid
Contudo, muitas dúvidas ainda surgiram sobre os motivos pelos quais esse estudo ainda não foi aprovado pela Anvisa. Nesta nova nota, explicamos o que é necessário para a aprovação de estudos clínicos em humanos e quais pendências ainda existem para que esse estudo seja aprovado.
Antes da realização de qualquer estudo de medicamentos, soros e vacinas em humanos é preciso que informações fundamentais sejam apresentadas à Agência. Essas informações estão relacionadas aos testes realizados em modelos animais e laboratoriais que mostram que esses produtos são seguros para uso em humanos.
Para a aprovação da Anvisa, é preciso também que a proposta do estudo esteja clara, ou seja, os objetivos do estudo, a quantidade de participantes, como os pesquisadores monitorarão os riscos do produto. Essas são informações que são consideradas pela Agência para que haja certeza de que o estudo conseguirá comprovar a eficácia e a segurança do produto.
A fim de que a aprovação de estudos clínicos ocorra no menor tempo possível, no ano passado a Anvisa orientou os pesquisadores sobre os procedimentos a serem seguidos (http://antigo.anvisa.gov.br/estudos-clinicos-covid-19). Um aspecto importante é que, antes da formalização, é preciso alinhar com a Agência todos os itens essenciais para a análise.
A Anvisa está comprometida a discutir com os pesquisadores, sempre que possível, para orientar a submissão a fim de que a análise ocorra no menor tempo possível. Mais de 70 estudos de medicamentos e vacinas foram aprovados no país. A lista pode ser encontrada aqui: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/medicamentos/pesquisaclinica/arquivos/ensaios-clinicos-covid.pdf
Abaixo, elencamos as informações que foram solicitadas pela Anvisa na exigência emitida nesta sexta-feira (19/3), às 18h38, após a reunião de alinhamento com os pesquisadores, e que ainda estão pendentes para que se possa decidir sobre a aprovação do estudo do soro hiperimune do Instituto Butantan:
1. DDCM - Brochura do Investigador): apresentar a avaliação da carga viral realizada no estudo de desafio com hamster.
2. (DDCM - Brochura do Investigador): informar se está planejada a realização de estudos de toxicidade reprodutiva.
3. (DDCM - Brochura do Investigador): apresentar a correlação entre as doses avaliadas nos modelos não clínicos e a proposta para avaliação clínica de forma a comprovar que os resultados não clínicos obtidos subsidiam a dose clínica proposta.
4. (DDCM - Brochura do Investigador): a empresa informa que o título de anticorpos de soro hiperimune é cerca de 20 vezes maior que o título do plasma convalescente, mas os kits utilizados para avaliação de títulos de anticorpos no soro equino não estão validados para avaliação de anticorpos heterólogos e sim para soro humano. Dessa forma, deverá ser apresentado arrazoado científico que evidencie que esse título é de fato 20 vezes maior que o plasma humano.
5. (DDCM - Brochura do Investigador): apresentar uma discussão técnica científica a respeito da avaliação benefício/risco da dose proposta de 20 vezes maior que a dose do plasma convalescente. A discussão deve incluir uma avaliação de risco considerando um possível excesso de títulos de anticorpos.
6. (DDCM - Plano de Desenvolvimento): adequar/atualizar o Plano de Desenvolvimento do Estudo Clínico apresentado no Dossiê Específico de Ensaio Clínico (DEEC).
7. (DDCM - Medicamento Experimental - Qualidade - Quanto aos antígenos utilizados para a imunização): enviar documentação em forma de relatório técnico com os seguintes dados solicitados: a) Apresentar os dados e resultados completos que já estiverem disponíveis, referentes à caracterização do antígeno utilizado como imunizante (vírus inativado), incluindo a avaliação físico-química e de atividade biológica. b) Enviar dados completos sobre a caracterização, controle de qualidade e de estabilidade dos bancos de células mestre e de trabalho utilizados para a produção do vírus inativado. c) Apresentar dados sobre a produção, consistência, estabilidade, condições de armazenamento e prazo de validade do vírus inativado. d) Informar o local de fabricação do imunizante vírus inativado. e) Apresentar os dados sobre a avaliação dos agentes adventícios/contaminantes e resultados dos lotes de antígenos utilizados até o momento. Observação: para os parâmetros que ainda estiverem sendo estudados, apresentar a justificativa e o planejamento para obtenção de dados completos e o cronograma para apresentação de resultados.
8. (DDCM - Medicamento Experimental - Qualidade - Quanto aos testes realizados em pool de plasma): considerando que não são realizados testes para detectar a presença de vírus nas bolsas de ou em pool de plasma equino coletado, esclarecer se é avaliada a infecção viral para vírus específicos como parte do controle de qualidade nos animais. a) (DDCM - Medicamento Experimental - Qualidade - III. Quanto às etapas de fabricação do ativo e produto terminado): esclarecer quais as escalas de fabricação, máximas e mínimas em volume, são atualmente utilizadas para a produção do soro hiperimune. b) A Anvisa ressalta a criticidade da validação da capacidade de inativação viral do processo de fabricação, devido ao impacto potencial na segurança de participantes do estudo clínico proposto, que incluem indivíduos com imunossupressão. Dessa maneira, a validação da inativação viral deve ser conduzida de forma mais célere possível e os resultados apresentados assim que disponíveis. Apresentar o cronograma esperado para condução da validação da inativação viral.
9. (DDCM - Medicamento Experimental - Qualidade - Quanto aos controles de qualidade do ativo e produto terminado - Ensaio de atividade biológica (potência) proposto e sua validação): quando ao teste de potência para controle de qualidade do soro hiperimune equino, o Instituto Butantan esclareceu que irá adotar os testes realizados pelo kit da Roche, Elecsys®️Anti-SARS-CoV-2 S. Informou ainda que o kit já se encontra aprovado pelo FDA e possui correlação com o padrão de referência WHO. O teste proposto está aprovado para avaliação de anticorpos humanos e não tem aprovação para avaliação quantitativa de anticorpos neutralizantes. Dessa maneira, a Anvisa ressalta a importância de que o teste proposto seja validado utilizando um padrão de referência adequadamente qualificado para o objetivo proposto, que é o controle de qualidade do soro hiperimune equino.
10. A empresa deve apresentar os estudos que demonstrem a correlação de resultados do kit proposto com o soro humano padrão de referência endossado pela OMS.
11. (DDCM - Medicamento Experimental - Qualidade - Quanto à caracterização do soro hiperimune): a) A Anvisa reitera a recomendação de que, como parte dos estudos de caracterização do soro anti-Sars-CoV-2, seja avaliado o título de anticorpos neutralizantes contra vírus Sars-CoV-2 com metodologia considerada "padrão ouro". Essa avaliação deve ser realizada de forma comparativa e ao mesmo tempo (head to head) com plasma convalescente humano e/ou idealmente com o padrão internacional da OMS para imunoglobulina anti-Sars-CoV-2 humana (NIBSC código 20/136). A metodologia utilizada deve ser validada ou ter validação parcial. b) A empresa deve apresentar um cronograma para a realização dessa avaliação e apresentação de resultados para a Anvisa. c) A Anvisa salienta a importância da caracterização completa do soro hiperimune proposto, e sua relação direta com as conclusões sobre qualidade, eficácia e segurança. Sendo assim, considerando que os dados sobre caracterização do soro são ainda escassos nesse momento de desenvolvimento, a Agência recomenda que a caracterização adicional seja conduzida de forma célere e que os resultados sejam encaminhados à Anvisa assim que disponíveis.
12. (DDCM - Medicamento Experimental - Qualidade - Estudos de estabilidade): a) Apresentar os resultados de estabilidade que estiverem disponíveis.
13. (DEEC - Protocolo Clínico): quanto à população a ser avaliada, de acordo com o protocolo, deverá ser considerado que o risco de desenvolvimento de Covid grave é bastante variável quando se consideram todos os subgrupos existentes. Evidências mostram que, para pacientes transplantados renais, o risco de desenvolvimento de formas graves de Covid, incluindo óbito, variam de acordo com características como faixa etária, tipo e gravidade de comorbidades existentes, tipo e quantidade de tratamentos imunossupressores utilizados pelos pacientes. Quanto aos grupos de alto risco e pacientes com câncer recebendo terapia imunossupressora, a variabilidade do risco também está associada às variáveis de características de base do paciente. Dessa forma, a empresa deverá demonstrar, com base em evidências científicas, qual o risco de desenvolvimento de doença grave associado aos diferentes subgrupos na população proposta a ser avaliada. Se houver inclusão de pacientes com outros tipos de doença de base, além de transplante renal e câncer, a avaliação de risco para esses pacientes também deve ser incluída.
14. (DEEC - Protocolo Clínico): apresentar o racional para o tamanho de amostra em fase 2, considerando o risco relacionado ao agravamento de Covid na população estudada e os subgrupos de acordo com as características de base, como comorbidades, faixa etária, tipo de tratamento imunossupressor. O racional deve demonstrar que, com o tamanho de amostra proposto, o potencial benefício clínico poderá ser evidenciado, e ser embasado em dados existentes sobre o risco do Covid na população abrangendo todos os subgrupos do estudo, além do benefício clínico esperado em termos de redução de risco. Os dados científicos utilizados devem ser apresentados.
15. (DEEC - Protocolo Clínico): em relação à população avaliada, a empresa deverá incluir nos critérios de inclusão, para pacientes transplantados renais, apenas pacientes estáveis após o transplante, definidos por exames e período de tempo após o transplante, com função renal boa ou moderada.
16. (DEEC - Protocolo Clínico): em relação à população avaliada deverá ser garantido, pelos critérios de exclusão e inclusão, que os participantes tenham condições homogêneas de linha de base nos braços do estudo, como dias desde o início de sintomas, tipo de sintomas e a gravidade da Covid no momento do recrutamento, presença e gravidade de comorbidades como obesidade, pressão alta, doenças cardíacas e outras, além de tipo de tratamento imunossupressor e faixa etária semelhante. Caso os braços do estudo possuam participantes com diferentes características de base, o estudo deverá ter um tamanho amostral suficiente para fornecer evidências de benefício clínico considerando os diferentes subgrupos incluídos.
17. (DEEC - Protocolo Clínico): em relação ao objetivo e avaliação de desfecho de eficácia, a empresa propõe: - Avaliar a eficácia de uma dose do soro anti-Sars-CoV-2 produzido pelo Instituto Butantan, administrada até cinco dias do início dos sintomas para evitar doença moderada a grave (escore 6 ou superior na Escala OMS). - Avaliar a diferença na progressão clínica entre receptores de soro anti-Sars-CoV-2 e placebo. - Proporção de pacientes com mudança no perfil de progressão da doença Covid-19 após a administração do soro anti-Sars-CoV-2, baseado na escala de progressão clínica da OMS (não progressão para doença grave ou óbito - escore 6 ou maior). Porém, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão, o estudo poderá incluir participantes de diferentes níveis de gravidade da doença, de escore 1 até 5. Participantes que tiverem classificação de gravidade próxima a 6 no momento de inclusão no estudo terão maior possibilidade de progredir para escore 6 ou maior do que participantes com escores menores. Dessa forma, a empresa deverá adequar o protocolo de forma a avaliar como desfecho de eficácia a progressão da doença em níveis de escores (2 ou mais) e tempo para progressão de acordo com a escala de gravidade da OMS. A avaliação desses desfechos deve estar detalhadamente descrita em protocolo.
18. (DEEC - Protocolo Clínico): em relação ainda aos desfechos de eficácia a serem avaliados a empresa deverá incluir avaliação de carga viral, tempo até negativação de PCR, dias com sintomas, necessidade e tempo de hospitalização. A utilização de avaliação de gravidade por escala de gravidade de Covid e tempo em permanência em cada ponto da escala de gravidade, de acordo com os critérios da OMS, também poderá ser utilizada. A avaliação desses desfechos deve estar detalhadamente descrita em protocolo.
19. (DEEC - Protocolo Clínico): como objetivo primário do estudo, tem-se a avaliação da eficácia de uma dose do soro anti-Sars-CoV-2 por meio do desfecho de proporção de pacientes com mudança no perfil de progressão da doença Covid-19 após a administração do soro anti-Sars-CoV-2, baseado na escala de progressão clínica da OMS (não progressão para doença grave ou óbito - escore 6 ou maior). Porém, nos critérios de inclusão e exclusão não está completamente definido o grau de progressão da doença dos pacientes a serem incluídos no estudo. A falta de clareza quanto ao status da doença como critério de inclusão/exclusão interfere na avaliação do desfecho primário. Dessa forma, devem estar claros no protocolo os critérios de inclusão e bem definidos quais critérios para diagnóstico de Covid serão utilizados, como serão verificados os tipos de sintomas e a gravidade da doença.
20. (DEEC - Protocolo Clínico): os critérios de inclusão em relação aos casos de Covid deverão ser melhor definidos, como, por exemplo, imagem torácica, tomografia ou ultrassom compatível com quadro agudo de Covid-19. Por meio desse diagnóstico, seria possível incluir participantes em níveis variados de gravidade, o que poderia trazer o viés de seleção.
21. (DEEC - Protocolo Clínico): os pacientes transplantados renais e com câncer devem ser melhor definidos quanto aos seguintes aspectos: gravidade da doença, estágio da doença, tipo de tratamento (no caso de câncer, quimioterapia/radioterapia; no caso de transplantados, uso de imunossupressores), idade, tipo de câncer, dentre outros. A população do estudo deve ser claramente definida para que se possa tecer informações quanto à segurança e à eficácia preliminar do soro.
22. (DEEC - Protocolo Clínico): em relação à avaliação de dose no estudo clínico, é necessário que sejam mais bem definidos no protocolo quais seriam os parâmetros aceitáveis para se avançar para uma dose maior nas etapas A e B. Além disso, também deverá ser demonstrado como será definida a escolha da dose para a etapa C.
23. (DEEC - Protocolo Clínico): de acordo com o protocolo, serão incluídos três participantes nas etapas A e B para verificação de segurança. Caso não exista intercorrência relevante, o estudo continuará com os doze participantes restantes. Definir claramente quais seriam os critérios para a avaliação de segurança, ou seja, o que seriam intercorrências relevantes.
24. (DEEC - Protocolo Clínico): guias internacionais recomendam que regras de paradas (stopping rules) sejam definidas para garantir que os pacientes não sejam expostos a condições não seguras em relação ao medicamento experimental. Dessa forma, definir regras de parada considerando tratar-se de primeiro estudo em humanos.
25. (DEEC - Protocolo Clínico): deverá ser incluída a avaliação de anticorpos neutralizantes.
26. Acrescentar discussão sobre possível impacto das variantes do novo coronavírus no estudo e se haverá alguma estratégia para identificar/detectar essas variantes (inquérito sorológico, inclusão como desfecho exploratório no estudo, por exemplo) e seus impactos.