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Pacaraima: é preciso mais do que vigilância sanitária
São 16h de uma quinta-feira em Pacaraima. O coronel do Exército Vamilton Lopes está na sala da Anvisa, no complexo de atendimento aos venezuelanos da Operação Acolhida, provida pelo governo brasileiro. Um idoso vindo de Caracas em busca de refúgio no Brasil bate à porta. A servidora Solange Almeida Moraes, de plantão no dia, o acolhe. O idoso fala baixinho, um espanhol de raiz, de difícil compreensão. É o coronel, comandante da Operação, quem ajuda na tradução. O idoso procura por hipoclorito, para purificar água.
Distribuir hipoclorito de sódio é uma das novas tarefas da Anvisa na bem montada operação humanitária. Iniciado em 2018, reunindo Forças Armadas, agências internacionais de amparo e órgãos públicos, o esforço ajuda a minimizar o sofrimento de milhares de venezuelanos que cruzam a fronteira fugindo da carestia e da desassistência do Estado bolivariano.
A Operação é a estrutura oficial de acolhimento aos venezuelanos em trânsito, buscando residência temporária ou refúgio no Brasil. Provê abrigo, alimentação, atendimento médico, documentação e roupa lavada a centenas de emigrantes, diariamente. Canaliza e articula esforços na principal rota de entrada da Venezuela para o Brasil, Pacaraima. A venezuelana Estrada 10 desemboca na pequena cidade brasileira de 15 mil habitantes (eram 12 mil antes da crise), distante 220 quilômetros da capital, Boa Vista.
O bem conservado, e até simpático, “postinho” de fronteira da Anvisa é o mais vistoso bastião estatal brasileiro para quem chega do exterior. Fica à esquerda, antes da Polícia Federal e depois da Agricultura. A chefe do posto, Wânia Leila de Souza Pantoja, desde 2000 no município, foi das primeiras a detectar o abrupto aumento no fluxo de entrada de venezuelanos, em 2017. Até então, tocava em harmonia com a pacata vida na savana amazonense suas obrigações no cuidado com a saúde do viajante: emissão de cartão de vacinação, referenciamento de pacientes, inspeção de resíduos e vetores na área de fronteira, orientação a ambulantes.
A partir do influxo migratório de venezuelanos, Wânia percebeu que fazer somente vigilância sanitária não bastaria para evitar doenças e, portanto, conter o sofrimento humano. Os viajantes chegavam exaustos, famintos e com sede. E muitas vezes, já sem forças, desabavam exauridos em frente ao postinho da Agência. Os servidores da Anvisa em Pacaraima são reconhecidos pelas agências de ajuda humanitária, hoje presentes em grande número em Roraima, como os que primeiro detectaram a crise que se avizinhava. E a enfrentavam como podiam, no dia a dia, dividindo o que tinham para comer com os estrangeiros. A torneira da área externa do posto passou a ser, para muitos viajantes, a primeira fonte de abastecimento de água num raio de muitos quilômetros além da fronteira.
Depois daqueles primeiros e evidentes sinais de que algo muito sério se passava para lá das cancelas da aduana do país vizinho, muita ajuda chegou. O incansável trabalho de barreira sanitária provido por Wânia e a equipe de dois fiscais em rodízio permanente, porém, nunca parou de aumentar.
Naquela mesma quinta-feira, por volta das 22h, o coronel Vamilton sairia para contar os estrangeiros que não conseguiram atendimento no dia e ficariam dormindo ao relento, não fossem os alojamentos do Exército. O passivo é de cerca de 30 famílias por noite.
Ou seja, antes do fechamento da fronteira, quando Wânia e os colegas retornassem ao trabalho, a sobra do dia anterior seria de nada menos que 150 pessoas à espera de atendimento pela Operação Acolhida. A essas se somariam outras 500 recém-chegadas. Mais um dia na vida dos servidores da Anvisa em Pacaraima, em que é preciso fazer mais do que vigilância sanitária. É preciso matar a fome e a sede de crianças, adultos e idosos. E ajudar a devolver-lhes um pouco de Dignidade.
Carlos Dias Lopes - Jornalista da Anvisa