Informe nº 49 de 2012
Área: GGALI
Número: 49
Emitido em: 11/04/2012
Resumo:
Esclarecimentos sobre a Fenilcetonúria.
Conteúdo:
Informe Técnico nº 49, de 11 de abril de 2012
Esclarecimentos sobre a Fenilcetonúria
1. Introdução
A fenilcetonúria é um erro inato no metabolismo de herança
autossômica recessiva, resultante da deficiência da enzima hepática
fenilalanina hidroxilase. Esta enzima catalisa a conversão da fenilalanina (FAL)
em tirosina, cuja falta gera produção insuficiente dos neurotransmissores
dopamina e noradrenalina. A deficiência da enzima hepática fenilalanina
hidroxilase causa aumento de FAL no sangue e tecidos levando a um quadro
clínico específico. Este quadro caracteriza-se por atraso no desenvolvimento
neuropsicomotor, hiperatividade, convulsões, alterações cutâneas tais como
eczema e distúrbios da pigmentação, comportamento agressivo ou tipo autista,
hipotonicidade muscular, tremores, microcefalia, descalcificação de ossos
longos, retardo de crescimento, bem como odor característico na urina e suor.
Internacionalmente, a fenilcetonúria é conhecida como PKU, correspondente
ao nome da doença em inglês “phenylketonuria”.
O diagnóstico precoce da fenilcetonúria é realizado por triagem
neonatal, “teste do pezinho”, que é obrigatório em todo território nacional e
oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Programa Nacional de
Triagem Neonatal (PNTN). É recomendado que o sangue do recém nascido
seja colhido após 48 horas do seu nascimento para garantir que tenha sido
alimentado, evitando assim resultados falso-negativos.
As hiperfenilalaninemias, ou seja, o aumento dos níveis plasmáticos de
FAL acima de 4 mg/dL de sangue, podem ser classificadas em:
Fenilcetonúria clássica: níveis plasmáticos de FAL superiores a 20 mg/dL
e atividade enzimática residual menor que 1%.
Fenilcetonúria leve: níveis plasmáticos de FAL entre 10 e 20 mg/dL e
atividade enzimática residual de 1 a 3%.
Hiperfenilalaninemia: níveis de FAL entre 4 e 10 mg/dL e atividade
residual maior que 5%.
Deficiência de tetrahidrobiopterina (BH4): determinada pela deficiência do
co-fator BH4 necessário para a ativação da fenilalanina
hidroxilase. Esta desordem não responde à dieta restrita em FAL.
A fenilcetonúria clássica tem uma incidência internacional média de um
caso positivo para cada onze mil nascidos vivos triados (1: 11.000). No Brasil
tem sido constatada uma incidência ao redor de um caso positivo para vinte e
dois mil nascidos vivos triados (1: 22.000).
Pacientes com fenilcetonúria ou hiperfenilalaninemia do sexo feminino
devem receber atenção especial, pois em uma possível gestação, valores de
FAL acima de 4 mg/dL estão associados ao desenvolvimento de anomalias no
feto, tais como: baixo peso ao nascimento, microcefalia, retardo mental,
retardo de crescimento pós-natal e cardiopatia congênita de complexidade
variável, entre outras. Assim é recomendado que estas pacientes mantenham
níveis de FAL no sangue abaixo de 4 mg/dL, três meses antes da concepção e
durante toda a gestação.
2. Tratamento
O tratamento consiste em uma dieta que ofereça alimentos com baixo
teor em FAL. A dieta para fenilcetonúricos deve ser nutricionalmente completa,
de fácil preparo, de sabor agradável e adaptada ao estilo de vida de cada
paciente. Ao mesmo tempo, a dieta deve possibilitar a manutenção dos níveis
de FAL sanguíneos aceitáveis de acordo com a tolerância individual de
metabolização da FAL de cada paciente e proporcionar crescimento e
desenvolvimento dentro da normalidade. Alimentos ricos em proteína de
origem vegetal ou animal não devem fazer parte da dieta. Frutas, hortaliças e
outros alimentos in natura ou industrializados com baixo teor de proteína
podem ser consumidos em quantidades controladas.
A tabela de conteúdo de fenilalanina em alimentos da ANVISA
(www.anvisa.gov.br – Alimentos – Fenilcetonúria) foi desenvolvida para ampliar
a oferta de produtos passíveis de serem consumidos pelos pacientes e servir
de guia e referência para profissionais da saúde que prescrevem, elaboram
dietas e monitoram a concentração de FAL no sangue desses pacientes.
Considerando que a ingestão de alimentos com reduzidos teores
protéicos não atinge a ingestão protéica diária recomendada (IDR), sem que
haja uma ingestão excessiva de FAL, a dieta deve ser suplementada com uma
“fórmula de aminoácidos para dietas com restrição de FAL”. Estas fórmulas
isentas de FAL, são capazes de suprir aproximadamente 75% da proteína
necessária ao organismo. O restante corresponde a proteínas convencionais
que devem fornecer ao organismo apenas a quantidade de FAL imprescindível
para a síntese de proteínas, regeneração e crescimento normal da criança, por
tratar-se de um aminoácido essencial.
A ingestão diária de aminoácidos por intermédio dessas “fórmulas” é
superior à ingestão diária recomendada (IDR) de proteína, uma vez que o
aproveitamento biológico de aminoácidos livres é menor do que o da proteína.
A “fórmula” deve suprir a recomendação de tirosina em 100 a 120 mg/kg/dia e
o total de aminoácidos deve ser no mínimo de 3 g/kg/dia para crianças
menores de 2 anos e de 2 g/kg/dia para crianças acima de dois anos.
A recomendação de proteína é maior quando os aminoácidos livres,
presentes nas fórmulas é a principal fonte protéica. Desta forma na dieta para
fenilcetonúricos a recomendação protéica excede as IDR (Ingestão Diária
Recomendada). Deficiência de proteína leva ao déficit de crescimento em
crianças e perda de peso em adultos, osteopenia, diminuição na concentração
de pré-albumina, perda de cabelo, diminuição da tolerância de fenilalanina.
Essas fórmulas devem ser oferecidas em pequenas porções ao longo do
dia. Com isso, evitam-se aumentos repentinos de FAL no sangue, aumenta-se
a biodisponibilidade dos aminoácidos e previnem-se sintomas gastrointestinais,
como vômito e diarréia, relatados em crianças que tomam a fórmula apenas
uma ou duas vezes ao dia.
As “fórmulas para dietas com restrição de fenilalanina”, substitutas de
proteínas, podem ter diferentes composições: 1) fórmulas de aminoácidos
isentas de fenilalanina, enriquecidas com vitaminas e minerais; 2) fórmulas de
aminoácidos isentas de fenilalanina, mais carboidrato, gordura, enriquecida de
vitaminas e minerais; 3) tabletes ou cápsulas de aminoácidos sem carboidrato,
vitaminas e minerais; 4) barra de aminoácidos; e outros. As fórmulas são
utilizadas de acordo com a faixa etária, sendo importante utilizar o produto que
melhor atenda as necessidades do paciente.
As “fórmulas para dietas com restrição de fenilalanina” com mistura de
aminoácidos enriquecidas com carboidratos, gorduras, vitaminas e minerais
são normalmente utilizadas no início do tratamento associadas a fórmulas
infantis ou leite materno, que fornecem FAL nas quantidades toleradas pelo
lactente. O bebê com fenilcetonúria pode ser amamentado sob rigorosa
orientação de nutricionista e acompanhamento médico. A proteína contida
nestas fórmulas infantis ou no leite materno deve fornecer apenas a
quantidade de fenilalanina necessária para o crescimento adequado da
criança. A deficiência deste aminoácido pode levar a algumas conseqüências
como menor crescimento de crianças, perda de peso em adultos, queda de
cabelo, retardo mental a longo prazo, variação dos níveis plasmáticos de FAL.
A recomendação de FAL é individualizada e depende da atividade
enzimática, idade, velocidade de crescimento e estado de saúde. A
recomendação varia de acordo com a faixa etária, sendo maior nos primeiros
meses de vida (20 a 50 mg/kg/dia), declinando posteriormente com a
diminuição da velocidade de crescimento. Nos primeiros seis meses podem
ser necessários ajustes semanais baseados no crescimento, desenvolvimento
e níveis plasmáticos de FAL.
Os níveis séricos de FAL devem ser mantidos o mais próximo do nível
considerado normal de até 4mg/dl, porém existem diferentes recomendações
na literatura. Alguns autores sugerem níveis de até 6 mg/dl na infância e início
da adolescência e após, 10mg/dl até a vida adulta. O tratamento deve ser
mantido por toda a vida.
3. Programa Nacional de Triagem Neonatal
O Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) foi uma iniciativa do
Ministério da Saúde, com o objetivo de implementar e regulamentar a Triagem
Neonatal no Brasil. A Portaria GM/MS nº 822, de 06 de junho de 2001,
desencadeou este processo transformando o exame de Triagem Neonatal (TN)
em um PROGRAMA com destaque para todas as etapas, desde a coleta da
amostra, tratamento e seguimento dos pacientes por equipe multidisciplinar. O
PNTN deu uma nova perspectiva para a TN no sistema público de saúde, que
se mantém até o momento:
- Reforçou a triagem obrigatória para Fenilcetonúria (PKU) e Hipotiroidismo
Congênito (HC), e incluiu a Triagem para Doenças Falciformes (DF) / outras
Hemoglobinopatias e para Fibrose Cística (FC);
- Credenciou unidades de gerenciamento e assistência em cada estado, os
Serviços de Referência em Triagem Neonatal (SRTN), que possuem equipe
multidisciplinar que conta com nutricionista capacitado para o atendimento de
fenilcetonúricos;
- Disponibilizou a fórmula de aminoácidos para fenilcetonúricos por meio das
Secretarias de Estado da Saúde e os medicamentos essenciais ao tratamento
dos pacientes detectados nas quatro doenças triadas no programa;
- Disponibilizou dados oficiais importantes podendo ser considerado um
programa de saúde pública de sucesso. Em onze anos o PNTN realizou
triagem em mais de 20 milhões de recém nascidos nas 27 Unidades da
Federação e nos 30 SRTNs, alcançando uma taxa de cobertura de cerca de
80% dos nascidos vivos brasileiros.
Mais informações sobre a fenilcetonúria podem ser acessadas em:
http://portal.anvisa.gov.br/wps/content/Anvisa+Portal/Anvisa/Inicio/Alimentos/A
ssuntos+de+Interesse/Fenilcetonuria
4. Referências Bibliográficas
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