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À espera do trem, que já vem
É como se estivéssemos estagnados há quase cem anos. Hoje existem tantos trilhos no Brasil quanto havia na década de 1920, quase 30 mil quilômetros. Abandonada após o Plano Nacional de Erradicação de Ramais Ferroviária, nos anos 50, boa parte da malha ferroviária brasileira desapareceu. Os planos do governo são, porém, razão de otimismo para alguns. A reboque dos protestos que eclodem por todo o território nacional, na semana passada a presidente Dilma Rouseeff anunciou um pacote de R$ 50 bilhões para a mobilidade urbana, apesar de seu governo ter gasto apenas 16% do que foi posto no papel para este ano. Já para os trens de carga foram prometidos R$ 91 bilhões para a construção de 10 mil quilômetros de ferrovias até 2025. — Só 25% das cargas no Brasil são trans-portadas por ferrovia. Este é um número muito baixo. Acho a meta de chegar a 35% razoável — opina Telmo Giolito Porto, professor na área de ferrovias da Escola Politécnica da USP. — Eu diria que o problema não é de planejamento, mas de gestão da execução.
Se a gente continuar a executar , vamos ter uma ferrovia muito melhor. Segundo a Associação Nacional dos Trans-portes Ferroviários, no entanto, o Brasil precisaria de 52 mil quilômetros de trilhos para atender à demanda nacional para transporte de cargas. Fora os investimentos necessários para sua modernização. — Nossas ferrovias de carga são anacrônicas. Têm 60, 80 anos de existência — conta o professor Hostílio Ratton, da Coppe/UFRJ — A nossa malha é ruim, passa por lugares que não precisa passar mais e não passa no lugar nos quais precisa. Em um cenário de caos na mobilidade das exportações brasileiras, os trens de passageros perdem a prioridade. Ratton calcula que menos de 5% da malha ferroviária atual sirvam para deslocamento de pessoas — contando trens e metrôs urbanos.
Os transportes de massa nas cidades tampouco são motivos para elogios. Para Ratton, o transporte de massa do Rio desafia regras básicas de planejamento. Ele explica que metrôs foram feitos para deslocamento curtos em áreas densas, e trens urbanos para deslocamentos pendulares. Por isso, o metrô deve-ria funcionar em rede e não em linha reta, como é no caso carioca. Já o trem deveria oferecer mais cadeiras e conforto. Mas o projeto de transporte de passageiros que mais chama atenção, e provoca polêmicas, é mesmo o do trem-bala, que, segundo as últimas contas divulgadas, já beira custar R$ 35 bilhões para sair do papel. Há quem defenda que este dinheiro teria melhor serventia nas malhas urbanas — uma ideia rechaçada pelo governo.
Para além do trem-bala, há outras discussões de transporte de passageiros entre municípios e estados. Um levantamento feito pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nos anos 90 listou 64 trechos para potenciais trens de passageiros. O Ministério dos Transportes escolheu 14 trechos, ou 1,9 mil quilômetros de trilhos, como prioridade. Não há, contudo, um plano de investimentos já traçado, como no caso dos trens de carga. Neste momento, está sendo estudada a viabilidade de empreendimentos para passageiros em 11 estados. Entre eles o Rio, nos trechos Campos-Macaé e Santa Cruz-Mangaratiba. Há também conversas sobre uma linha de cerca de 550 quilômetros que ligaria o Rio de Janeiro a Vila Velha, uma espécie de Niterói do Espírito Santo. Uma reportagem recente do jornal “Valor Econômico” relata que há previsão para alguns desses trens começarem a sair do papel no ano que vem.
Ratton critica a ideia de usar as linhas de transporte de carga também para passageiros, como é aventada em alguns trechos. Segundo ele, o sucesso nessa empreitada seria complicado, já que as vias de trens de carga são robustas para suportar o peso e, por isso, não precisam de tanta manutenção — o contrário do que ocorre nas linhas de passageiros. Luis Ramos, diretor para Europa e América do Sul da empresa canadense Bombardier , chama atenção aos benefícios dos trens regionais para o desafogamento dos grandes centros urbanos: — Se tem um trem que leve você até outra cidade num tempo hábil, as pessoas sentem-se à vontade para viver em outras cidades.
(O Globo – RJ
Edição do dia 02/07/2013)