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Agência Nacional de Mineração conclui o relatório técnico sobre barragem de Brumadinho
A Agência Nacional de Mineração concluiu o relatório técnico que fala sobre o histórico da barragem I do complexo Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), que se rompeu em janeiro deste ano. Segundo a análise, algumas informações fornecidas pela empresa Vale S.A. à ANM não condizem com as que constam nos documentos internos da mineradora. Se a ANM tivesse sido informada corretamente, poderia ter tomado medidas cautelares e cobrado ações emergenciais da empresa, o que poderia evitar o desastre.
“Quando são detectadas situações de comprometimento da segurança da barragem, imediatamente o empreendedor deve dar início às inspeções especiais para o monitoramento e controle das anomalias. De imediato, a ANM envia técnicos para o local onde podem ser feitos exigências, notificações e até interditar a estrutura a fim de aumentar o nível de segurança. Barragens em Mato Grosso, Amapá, Pará e Amazonas são exemplos de sucesso nestes casos”, explica o diretor da ANM, Eduardo Leão.
O parecer técnico tem 194 páginas que mostra evidências que podem ter levado ao rompimento da barragem e mostra detalhadamente as inconsistências do que foi oficialmente relatado à agência via sistema, o que os técnicos da própria Vale colocaram em documentos de vistoria de campo e, posteriormente, no sistema da empresa. Os dados foram analisados pelos especialistas em barragens da agência e aprovado pela diretoria colegiada na última quinta-feira (31/10).
De acordo com a portaria 70.389/17, que trata de segurança de barragens de mineração, os empreendedores são obrigados a reportar quinzenalmente à ANM a situação de suas barragens, informando itens como conservação dos taludes, situação das estruturas extravasoras, níveis de percolação no interior do maciço, etc. Estes reportes são feitos via SIGBM (Sistema Integrado de Gestão de Segurança de Barragens de Mineração).
As discrepâncias no caso de Brumadinho começaram a ser detectadas logo depois do rompimento da barragem, quando os técnicos da ANM foram a campo imediatamente após o desastre. Algumas informações importantes que constavam no sistema interno e nas fichas de inspeção em campo da Vale não eram as mesmas inseridas no SIGBM, o que impediu que o sistema alertasse os técnicos de situação com potencial comprometimento da segurança da estrutura.
SIGBM
Para a fiscalização, a ANM segue os critérios do SIGBM, que cruza informações inseridas no sistema pelas mineradoras com as informações das fiscalizações feitas pela ANM e faz um ranking de classificação. Assim, as barragens com mais necessidade de serem monitoradas são priorizadas e, com as informações inseridas no SIGBM, a ANM faz a fiscalização remota diária. À época do desastre, a ANM tinha oito técnicos exclusivamente dedicados para fiscalizar as 425 barragens inseridas na PNSB. A última vistoria in loco da barragem I do complexo minerário Córrego do Feijão havia sido feita em 2016.
Principais inconsistências
Problemas nos DHPs – Em junho de 2018, a Vale optou por instalar vários Drenos Horizontais Profundos, os DHPs. Eles são instalados para controlar o nível d’água da estrutura. É uma espécie de tubo permeável, que tem como objetivo direcionar a água para fora da estrutura de maneira controlada.
As instalações de DHPs são delicadas, principalmente em barragens à montante, onde os alteamentos são apoiados sobre o próprio rejeito, ou seja, a fundação dos alteamentos é o próprio rejeito. Os rejeitos são materiais de pouca resistência, podem se deformar, pois não foram preparados para suportar aumentos de carga. Para perfuração e instalação dos DHPs, injeta-se água sob pressão na estrutura, o que pode instabilizar o rejeito pouco resistente. Assim, segundo os técnicos da ANM, utilizar DHP em barragens à montante é algo que deve ser pensado com cuidado, pois a pressão gerada na instalação pode provocar o início de um processo de piping ou instabilização localizada do maciço.
Consta de relatório internos da Vale que, durante a instalação de um dos DHPs, foi detectada a presença de sólidos, o que é considerado anormal. Foi percebida a saída de material sólido da água injetada para fazer os furos do dreno, assim a Vale interrompeu a instalação do dreno e “vedou” o furo. O fato nunca foi reportado à ANM
Em outro DHP, houve problema de percolação, que é quando a água passa por dentro do maciço da barragem e o atravessa, chegando ao talude de jusante. A percolação da água pelo maciço é esperada, porém, deve ocorrer conforme o projeto, seja pelo dreno de fundo, tapete drenante, DHPs, ou outras estruturas construídas para este fim. Uma percolação não esperada é aquela que surge no talude de jusante (ou ombreiras) em um ponto onde não há preparação para isso, podendo comprometer assim a integridade da estrutura.
No caso deste segundo DHP, na ficha de inspeção em campo o técnico da Vale marcou o problema de percolação como nível 6, que significa umidade ou surgência nas áreas de jusante, paramentos, taludes ou ombreiras sem implantação das medidas corretivas necessárias. Já no SIGBM da ANM, foi reportado primeiramente nível 0 (quando a percolação está totalmente controlada) e 15 dias depois nível 3, que significa que a umidade está monitorada e controlada. Porém, de acordo com a análise dos técnicos da ANM que compararam fotos dos relatórios internos, pelas características do que o técnico da Vale descreve, a pontuação que deveria ter sido marcada 10 (surgência nas áreas de jusante com carreamento de material ou com vazão crescente ou infiltração do material contido, com potencial de comprometimento da segurança da estrutura).
Se a Vale tivesse marcado nível 10, automaticamente a barragem subiria de categoria de risco e seria prioridade de inspeção. Além disso, exigiria que a mineradora fizesse inspeção diária, com envio de reporte à ANM todos os dias. A mineradora nunca reportou nada sobre a falha.
Piezômetros
Durante a perfuração dos DHPs, foram também registrados picos de pressão de água em dois piezômetros. Os piezômetros são instrumentos utilizados para saber qual a pressão de água em determinada camada que se quer estudar. Serve para indicar o nível de água de determinada região. Esse dado combinado de vários piezômetros permite a definição da linha piezométrica da estrutura, informação necessária para o cálculo das análises de estabilidade.
Em 10/01/2019, os níveis de dois piezômetros subiram e entraram em nível de emergência. O aumento da pressão dos piezômetros compromete a estabilidade da barragem. A ANM não foi informada.
Radar interferométrico
O radar que mede as movimentações centimétricas do talude capturou leituras fora do padrão em dois momentos: 11/06/2018 e 18/12/2018. Não houve reporte à ANM.
Último reporte
No penúltimo reporte feito pela Vale antes do rompimento, dia 08/01/2019 e enviado à ANM dia 30/01, ou seja, após o rompimento, ainda constava que a barragem não possuía nenhuma anomalia. Porém, no dia 15/02, a empresa entregou um reporte de uma vistoria realizada no dia 22/01 (três dias antes do rompimento) em que todas as irregularidades foram reportadas.
Por mais que a regra exija que o reporte seja quinzenal, neste caso foi constatado uma situação de anomalia, o que deve ser reportado de imediato para a agência, não importando o porte dela.
“O sistema funciona com base em fiscalização responsiva, onde o empreendedor tem a obrigação de fazer o reporte sempre de forma idônea e clara para a ANM. São com estas informações que o sistema inteligente trabalha e aciona todos os mecanismos para mitigar os problemas e evitar desastres terríveis como o de Brumadinho”, explica Leão.
Com base nas constatações do relatório, na última sexta-feira a ANM enviou à Vale 24 autuações e encaminhará o documento à Polícia Federal, Controladoria Geral da União, Tribunal de Contas da União e Ministério Público Federal.