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Pacto Anti-assédio é assinado em evento realizado pela ANCINE e Sesc
Seminário Internacional Mulheres no Audiovisual debate sobre igualdade e diversidade
A Agência Nacional do Cinema - ANCINE realizou nesta quarta-feira, 4 de julho, em parceria com o SESC-SP, a segunda edição do Seminário Internacional Mulheres no Audiovisual. Na abertura do evento, a diretora da ANCINE e idealizadora do seminário, Debora Ivanov, agradeceu ao CineSesc, às servidoras da Agência e ao Festival Internacional de Mulheres (FIM) que somaram esforços para a realização do debate premente sobre diversidade e pluralidade no audiovisual. “A diversidade faz parte da missão da ANCINE. Com a Lei da TV Paga, em 2011, ampliamos a produção audiovisual para todo o Brasil, trazendo a pluralidade regional para as telas. Em 2017, a ANCINE assumiu a inclusão da diversidade de gênero e raça em plano estratégico, afinal as mulheres são 51% da população e os negros e negras, 54%. Por iniciativa dos servidores, esta pauta foi trazida para dentro da Agência”, disse a diretora.
Em seguida, o diretor do Sesc São Paulo, Danilo Miranda, se disse feliz em poder promover esse evento e ver reunidas tantas realizadoras. “O CineSesc é um espaço para exibição de filmes. Abrimos esta exceção hoje por acreditarmos nessa temática. Temos o compromisso de lutar pela igualdade absoluta, pelo respeito fundamental do ser humano. O audiovisual tem o papel de formador de ideias, formador de uma mentalidade afetiva”, disse ele.
Planejado pela Comissão de Gênero, Raça e Diversidade da Agência, o seminário contou com a participação de duas importantes ativistas estadunidenses: Fanshen Cox DiGiovanni e Mercedes Cooper.
Fashen, nascida em uma família inter-racial (mãe branca e pai negro), enfrentou logo no início de sua carreira como atriz a dificuldade de se encaixar no mercado audiovisual. Para as produtoras, ela não era “suficientemente branca” para certos papéis, ou não era “exatamente negra”, como pediam os roteiros. Após atuar também como produtora e diretora, constatou que os dados da desigualdade de gênero também eram gritantes: em 2016, por exemplo, havia uma diretora mulher para cada 5,6 diretores homens nos EUA.
Motivada pela causa da representatividade da mulher no mercado, Fashen criou o "Inclusion Rider", iniciativa que propõe uma "cláusula de equidade", que os atores podem exigir como parte de seu contrato, estipulando que a narrativa do filme e as equipes de trabalho por trás dele reflitam a diversidade existente na sociedade. Na prática, ela e os demais criadores do documento levam o material às mesas de negociação e estúdios, alertando as equipes da importância de incluir mulheres na frente das câmeras e nos bastidores da produção audiovisual também. "Os números de pesquisa que obtivemos são de extrema importância, pois trazem embasamento à causa e mostram que não se trata apenas da nossa opinião", explica.
Com o apoio da imprensa e de personalidades do mundo do cinema, o movimento mais inclusivo e paritário vem ganhando força e adeptos. Na cerimônia do Oscar deste ano a vencedora da categoria de "Melhor Atriz", Frances McDormand, pelo seu papel em "Três Anúncios Para Um Crime", citou o "Inclusion Rider" em seu discurso. "Apesar de estarmos ganhando cada vez mais força, ainda há muito trabalho a ser feito. Não existe uma oficialização de cláusula de igualdade nos contratos pela lei.", explicou Fashen.
Hoje, o movimento visa incluir também outras parcelas que sofrem com a desigualdade no setor, como os LGBTQ+ e os deficientes físicos. "Precisamos falar sobre isso e mostrar a verdade do mercado. E essa verdade, muitas vezes, é desconfortável.", declara.
Apesar de ainda existir um longo caminho pela frente, a atriz, produtora e diretora enxerga as evoluções: "Neste ano, foram convidados 920 novos membros para a Academia de Cinema. Se todos os indicados aceitarem o convite, o grupo será formado então por 40% de membros do sexo feminino e 38% negros. É um grande avanço."
Em seguida, subiu ao palco do CineSesc, Mercedes Cooper, diretora de marketing da Array, empresa fundada pela cineasta Ava DuVernay para a distribuição e divulgação de filmes produzidos por mulheres e negros. O projeto começou em 2011, com o lançamento do longa-metragem "I Will Follow", dirigido pela própria Ava. Hoje, já são 18 filmes distribuídos e diversos artistas que se tornaram parceiros do projeto. "O nosso time de artistas parceiros é formado por pessoas de todos os tipos, vindas de diversos países diferentes. Eles produzem suas obras e nós a distribuímos. A ideia não é transformar esses filmes em blockbuster ou concorrer com os longas estrelados por grandes celebridades, e sim levar essas histórias ao maior número de pessoas", diz.
Mercedes explica para o processo de seleção de um filme para ser distribuído pela Array passa por responder às perguntas: "Essa história nos toca?"; "Gera identificação?"; "A voz deste cineasta precisa ser ouvida?". Se a resposta de pelo menos uma dessas questões for sim, então eles abraçam a causa e trabalham na distribuição.
Na prática, essa distribuição funciona por meio de parcerias. "Contamos com o apoio de espaços de exibição para projetar esses filmes.", conta Mercedes. "Esses espaços não são necessariamente salas de cinema – são, muitas vezes, opções não-convencionais, como espaços de artes, teatros ou centros comunitários. Nosso crescimento acontece aos poucos, nas comunidades, e é assim que vamos ampliando nossas janelas exibidoras.", explica.
Após a apresentação individual das convidadas internacionais no painel “Sociedade Civil e Empresas em Prol da Diversidade – A experiência norte-americana”, o Seminário apresentou mais três mesas, que trouxeram uma perspectiva histórica sobre a retratação da mulher na mídia, e as demandas sociais e femininas ao longo dos anos. Foram apresentadas também as iniciativas no Brasil para a valorização profissional da mulher na TV, no segmento de vídeo por demanda e na publicidade.
A primeira mesa – “Panorama da diversidade na TV e no Vídeo por Demanda” – contou com as participações de Marina Pompeu, analista de projetos e conteúdos do Canal Brasil; Daniela Mignani, diretora dos canais GNT, Viva e Mais Globosat; e Maria Ângela de Jesus, diretora de conteúdo original internacional na Netflix.
Em seguida, em “Panorama da diversidade na publicidade brasileira”, participaram Mariana Cordeiro, gerente estratégica do Think Eva (que atua nas transformações na comunicação de marcas); Mariana Youssef, diretora de cena e representante da Free the Bid (iniciativa que advoga pela igualdade de oportunidades das mulheres no mercado publicitário); Camila Moleta e Laura Florence (representantes do More Girls – plataforma para motivar as agências a terem 50% de mulheres em seus núcleos de criação); e Renata Brandão (criadora da Plataforma Hysteria).
A terceira mesa contou com a presença da diretora do documentário “Chega de Fiu fiu”, Amanda Kamanchech, com a mediação da jornalista Flávia Guerra, no debate “Mudando a percepção sobre o assédio”.
Pacto Anti-Assédio
O Seminário Internacional Mulheres no Audiovisual encerrou com um momento histórico: representantes de produtoras e entidades do mercado assinaram o "Pacto de responsabilidade anti-assédio no setor audiovisual", documento cujo objetivo é servir como referência para informações e orientações para casos de assédio em sets de filmagem e demais ambientes de trabalho da área.
Antônia Pellegrino, roteirista premiada pela Academia Brasileira de Letras e pela Academia Brasileira de Cinema e curadora do blog "#AgoraÉQueSãoElas", da Folha de São Paulo, foi quem tomou a iniciativa de levar o assunto pessoalmente para as principais produtoras brasileiras. Com o reforço de Marianna Souza, gerente executiva da Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais – a Apro –, foi criado o "Grupo Anti-Assédio".
O advogado Caio Mariano, do escritório Caio Mariano Advogados, ajudou a redigir o "Pacto de responsabilidade anti-assédio no setor audiovisual". "Nosso objetivo principal era tratar o tema de forma direta e objetiva, e não como tabu.", explica. O advogado afirma que a legislação brasileira ainda é tímida nesse assunto – para ser considerado assédio, por exemplo, os atos precisam ser cometidos por alguém em posição hierárquica superior, o que dificulta bastante a criminalização. Além disso, quem testemunhou um caso de assédio e quer denunciar, não consegue. "A denúncia pode ser feita apenas pela vítima.", diz.
Mateus Basso, advogado com experiência nas áreas de Entretenimento, Direito de Autor, Propriedade Industrial, Terceiro Setor e Administrativo, também participou da redação do Pacto: "Reunimos dicas práticas de como agir diante de situações de assédio para que isso realmente tome forma e não vire uma 'leitura morta". O documento explica o que deve ser feito por parte da vítima, da testemunha e também da produtora responsável pelo set de filmagem onde a situação de assédio aconteceu.
O momento de assinatura do "Pacto de responsabilidade anti-assédio no setor audiovisual" foi comandando pela diretora da ANCINE, Debora Ivanov. Assinaram o documento: Paulo Schmidt, presidente da Apro; Rachel do Valle, gerente-executiva da Bravi; Leo Edde, presidente do Sicav; Magda Hruza, também representante do Sicav; Simoni de Mendonça, da diretoria do Siaesp; Sonia Santana, presidente do Sindcine; Ana Souto, representante do Sated; Pedro Ribeiro, da produtora Gullane; Renata Brandão, da Conspiração Filmes; Beto Gauss, da Prodigo Films; e Andrea Barata, da O2 Filmes.