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Evento abordou temas como feminismo, movimento negro e representatividade
Em homenagem ao mês das mulheres, Produção em Tela traz edição especial
Na tarde da última quinta-feira, 21, a ANCINE realizou mais uma edição do programa Produção em Tela, desta vez com a programação especial em homenagem ao mês das mulheres. O evento contou com a participação da diretora e jornalista Camila de Moraes e da atriz e produtora Taís Alves, que tiveram seus filmes para o público durante a sessão. A abertura e a mediação do evento foi feita pela presidente da Comissão de Gênero, Raça e Diversidade da ANCINE, Carolina Costa.
O primeiro filme a ser exibido foi o curta-metragem ‘Você não me conhece’, da atriz e ativista baiana, Taís Alves, com direção de Rodrigo Séllos. O curta expõe o relato de uma mulher encontrada inconsciente atrás de uma lixeira, após ter sido estuprada por um desconhecido em uma festa de faculdade. A obra que foi selecionada pelo Programa de Apoio à Festivais, Laboratório e Workshops Internacionais da ANCINE foi premiada com menção honrosa no Festival de Málaga, na Espanha. A atriz, com formação em teatro, contou que esta foi sua primeira vez no cinema e que teve como inspiração para o papel o caso da adolescente estuprada por 33 homens no Rio de Janeiro, em que a vítima não conseguia falar sobre a violência sofrida sequer com outras mulheres. Taís também destacou a importância de se respeitar o lugar de fala da vítima ao produzir um filme como esse.
A segunda obra exibida teve direção da jornalista gaúcha Camila de Moraes, que conseguiu após 34 anos lançar comercialmente nas salas de cinema brasileiro um filme com direção exclusiva de uma mulher negra. O longa-metragem ‘O caso do homem errado’ conta a história do gaúcho Júlio Cesar, executado em maio de 1987 pela polícia do Rio Grande do Sul, após ser confundido com um assaltante em um mercado. O caso impulsionou a luta do movimento negro. Camila relatou que encontrou no audiovisual uma ferramenta de luta para discutir as muitas demandas existentes nos movimentos negro e feminista.
Após a exibição dos filmes, o debate foi aberto com um questionamento sobre os limites da exposição dos corpos negros na mídia e o cuidado necessário ao fazer uma retratação como essa. “Programas sensacionalistas apresentam nossos corpos toda hora, não precisamos disso. Precisamos de dignidade para o Júlio Cesar e sua família. É preciso ter cuidado com a forma como estamos sendo mostrados na mídia e na TV. Precisamos de bons exemplos, não quero ver um estereótipo negro. Sabemos o poder que tem a imagem dessa tela na construção de identidade de uma criança negra. É preciso responsabilidade e ética”, disse Camila de Morares. Ao abordar o assunto, Taís Alves exemplifica a partir de sua atuação em ‘Você não me conhece’, em que aparece com o corpo nu: “Eu sei que o impacto de um corpo negro e feminino exposto dessa forma é visto diferente de uma mulher branca. É importante entender que o meu corpo de mulher negra, é o suficiente para contar uma história como essa”, afirmou. A atriz também destacou a importância de se impor em tempos de militância: “Estamos na parte de gritar nossos nomes e puxar autoria. É impossível falar de um caso desses sem que eu tenha um recorte para a cor da minha pele”.
Quando questionada a respeito da participação do filme em festivais, Taís Alves afirmou conhecer os meandros do mercado audiovisual: “Escolhi me aliar a um homem branco para fazer o filme, é totalmente consciente. O cinema tem uma estrutura hierárquica, patriarcal e machista. O filme é feito por diretor, não foi minha carinha bonita que me colocou lá, tenho noção disso. Eu conheço a engrenagem e jogo com ela”. Abordando a falta de orçamento para “O caso do homem errado”, Camila de Moraes contou que o filme passou por muitas dificuldades, tendo levado 8 anos para ser concluído por conta da falta de patrocínio: “Tentamos um financiamento coletivo, mas não atingimos a meta, então fizemos uma parceria com a Praça de Filmes, que colocou o filme no circuito comercial. O filme só caminhou por conta de uma coletividade negra. Nosso filme é militante, tem uma bandeira. Se não passasse nos festivais, ia ser taxado apenas como ‘aquele filme alternativo’. No movimento negro a gente aprende que se eles fecham uma porta, arrumamos outra estratégia”, afirmou.
Por último, a possibilidade das convidadas serem silenciadas profissionalmente foi discutida: “É ruim não respeitarmos as minorias. Eu me pergunto quem está no lugar de escuta enquanto temos nosso lugar de fala. Quantas pessoas conseguiriam sentar e assistir a uma sequência de filmes como os de hoje? É uma luta diária, é chorar, sangrar todo dia e continuar”, disse Taís Alves. “Sabemos que sozinhos não chegamos em lugar nenhum, não fazemos nada”, finalizou Camila de Moraes.