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Evento reuniu profissionais do setor audiovisual brasileiro e convidadas internacionais
ANCINE realiza Seminário Internacional Mulheres no Audiovisual
Com o intuito de discutir e refletir sobre a participação e a representatividade das mulheres na indústria audiovisual, a Agência Nacional do Cinema - ANCINE, com o apoio da Embaixada do Canadá, Embaixada da Suécia, BRAVI (Brasil Audiovisual Independente), SICAV (Sindicato da Indústria Audiovisual) e Fundação Casa de Rui Barbosa, promoveu na última quinta-feira, 30, o Seminário Internacional Mulheres no Audiovisual. O evento lotou o auditório da Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, e reuniu público e especialistas do setor para um debate sobre o tema.
Dando início às atividades, a diretora da ANCINE e idealizadora do evento, Debora Ivanov, apresentou um panorama geral da presença das mulheres no mercado brasileiro, ao lado da secretária do Audiovisual (SAv/MinC), Mariana Ribas.
Debora Ivanov apresentou, em primeira mão, os resultados da segunda edição da pesquisa sobre a “Participação Feminina no Audiovisual na Produção Audiovisual Brasileira” , elaborada pela ANCINE, que mostram a maior presença feminina em projetos de menor custo, como curta e média-metragem e documentário. Em 2016, a marca de diretoras mulheres para curtas e médias foi de 26%, enquanto para longas-metragens foi de 15%. Os dados apontam ainda para a pouca variação desses percentuais, que entre 2009 e 2016 não ultrapassaram os 24% quando se trata de diretoras de longas-metragens. Veja a apresentação completa da diretora aqui .
Entre as medidas iniciadas pela Agência para a redução da desigualdade entre homens e mulheres no setor, a diretora destacou a aplicação da paridade de gênero nas comissões de seleção do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e a inclusão da declaração de gênero no sistema da ANCINE não só para diretores de projetos, mas também para a equipe técnica.
“É preciso, sim, avançar. E estamos aqui para isso, para ouvir experiências de outros países, para debater e refletir de que forma a gente pode, aos poucos, avançar no protagonismo e conquistar mais espaço para o nosso talento e para a competência da mulher brasileira no setor”, ressaltou Debora Ivanov.
A secretária do Audiovisual, Mariana Ribas, apontou medidas desenvolvidas pela SAv para reverter a situação feminina no setor, dando destaque ao Edital Carmen Santos – Cinema de Mulheres, que terá sua segunda edição neste ano. O edital, que possui júri composto apenas por mulheres, tem como objetivo promover produções de diretoras e aumentar a presença feminina na equipe técnica dos filmes selecionados. “Os filmes que concorrem devem ser dirigidos por mulheres e possuir temática relacionada ao universo feminino. Recebem pontuação extra os projetos com chefes de equipe que sejam mulheres”, explicou Mariana.
Estado e indústria construindo a diversidade
Após a mesa de abertura, a Cônsul Geral do Canadá no Rio de Janeiro, Evelyne Coulombe, apresentou a primeira convidada internacional do evento, Carolle Brabant. A canadense trouxe sua experiência como mulher no cenário audiovisual e atual CEO da Telefilm Canada para a discussão. Carolle comentou sobre as dificuldades que enfrentou como primeira CEO da Telefilm e como mediadora das discussões em prol da paridade de gênero entre profissionais do setor e associações de mulheres no mercado canadense. Como resultado destas discussões, formalizou-se um plano com objetivo de balancear a paridade de gênero para funções como direção, roteiro e produção, em que, no caso de projetos de igual qualidade, são favorecidos aqueles dirigidos e escritos por mulheres. O plano inclui ainda incentivo à promoção da visibilidade de histórias de mulheres de sucesso no setor e a constante discussão sobre a paridade de gênero, trazendo novas pesquisas e medidas que fortaleçam a presença do assunto em pauta.
“Ainda há muito trabalho a se fazer e nem sempre será fácil. Talvez nossas filhas e netas possam ser tratadas igualmente se um dia decidirem fazer parte do maravilhoso mundo de produção de filmes. Para que isso aconteça, precisamos começar agora”, disse Carolle Brabant, que citou também exemplos de outros países que, assim como o Canadá, estão construindo políticas públicas pela diversidade. “A Suécia, através do Instituto Sueco do Cinema, foi um país pioneiro nesse tema. E a Grã-Bretanha também anunciou a adoção de medidas para a paridade de gênero”, completou Carolle.
O fortalecimento das carreiras das mulheres
A diretora executiva da Woman in Film & Television (WIFT –Toronto), Heather Webb, apresentou o painel sobre mulheres no mercado de trabalho. Ela explicou que um dos objetivos da organização é a capacitação das profissionais, por meio de cursos, monitorias e oportunidades de trocas com agentes do mercado. Percebendo que as mulheres passam por problemas específicos de acordo com o momento de suas carreiras, a WIFT Toronto passou a dividir suas participantes de acordo com esses estágios, auxiliando em termos de planejamento profissional e solução destes problemas. Entre os principais obstáculos para a ascensão das mulheres no setor citados por Heather estão: o preconceito inconsciente, as barreiras estruturais para entrada e desenvolvimento de carreira, e a falta de exemplos de mulheres em posições de liderança, de rede de contatos apoiadora e de liberdade criativa. São problemas que a WIFT Toronto vem tentando erradicar através de suas iniciativas.
“ Nós acreditamos que uma perspectiva diversificada e uma mão de obra bem informada, conectada e treinada leva a uma indústria mais robusta e vibrante”, analisa Heather Webb.
As duas convidadas canadenses participaram ainda de uma mesa com Ana Julia Cury Cabral, assessora internacional da ANCINE, Mariza Leão, representante do SICAV, e Clélia Bessa, conselheira da BRAVI, na qual comentaram sobre suas experiências particulares ao longo de suas carreiras e da necessidade de criação de algo sistemático sobre o tema no Brasil, a exemplo do que acontece no Canadá.
Veja a apresentação da diretora executiva da Woman in Film and Television (WIFT –Toronto) aqui.
A presença da mulher brasileira nas telas
Para discutir a presença da mulher brasileira nas telas, objeto do terceiro painel do dia, foram convidadas a pesquisadora Marcia Rangel Cândido (GEMAA-IESP-UERJ); a doutora em História, professora do IFRJ e coordenadora do FICINE, Janaína Oliveira; a diretora e produtora Lais Bodanzky, e a diretora e roteirista Renata Martins. A mesa foi mediada pela servidora da ANCINE Eloíza Silva e levantou questões como falta de representatividade da mulher negra e a dominação de homens brancos no cinema: “A cada 37 homens brancos representados no cinema com alguma relevância, uma mulher negra aparece”, comentou a pesquisadora Marcia Rangel.
Em sua fala, Renata Martins também colocou em pauta o grupo menos representado nas telas: “Existe uma série de mulheres do audiovisual tentando existir e nadar contra a corrente desse universo que tenta nos invisibilizar”. Além da ausência da mulher negra nos elencos principais das produções, a mesa também trouxe para a conversa as atuais transformações que a causa vem sofrendo, como o crescimento da presença de mulheres negras em curadorias, a atenção que o assunto recebe de cineclubes e a criação da plataforma Afroflix, que reúne obras audiovisuais de realizadores negros.
“As mulheres negras, que são 24% da população brasileira, deveriam estar no centro das formulações de políticas públicas e que elas têm uma necessidade de urgência de ação”, acrescentou Janaína Oliveira.
Veja a apresentação de Marcia Rangel aqui.
Com quais personagens femininas se faz um filme?
O penúltimo painel do dia trouxe a representante da WIFT-Suécia, Ellen Tejle. Natural da Suécia, considerado um dos melhores países para mulheres viverem, Ellen comentou como de início não percebia a ausência feminina no âmbito do cinema sueco, até que tomou a iniciativa de contar, por um ano, quantos filmes eram dirigidos por ou tratavam sobre mulheres. O resultado levou-a até o teste Bechdel, que testa não só a presença das mulheres em obras audiovisuais, mas também o conteúdo dessa representação. Ela citou “Aquarius” e “Mãe só há uma” como exemplos de obras brasileiras nacionais aprovadas no teste, aplicado a partir de critérios: (1) ter ao menos duas mulheres no filme (2) mantendo um diálogo (3) sobre algum assunto além de homens.
Ellen também comentou sobre o teste que, seguindo a mesma lógica do Bechdel Test, analisa a presença de pessoas não-brancas no cinema. Para ser aprovado no Chaves Perez Test, o filme deve (1) conter ao menos duas pessoas não-brancas (2) mantendo um diálogo (3) sobre algo além de crime. A representante da WIFT-Suécia ressaltou a importância desses testes para abrir os olhos das pessoas com relação a indústria cinematográfica. “Compartilhem o que ensinei a vocês e assim, quem sabe, podemos tornar a indústria cinematográfica mais igualitária”.
A diretora da ANCINE Debora Ivanov aproveitou para anunciar o lançamento do Teste de Bechdel no Brasil para a quarta-feira, 5 de abril. O lançamento será no Seminário Internacional Mulheres em Foco no Audiovisual, que ocorrerá em São Paulo, na UNIBES CULTURAL e contará com a presença de Ellen Tejle.
Veja a apresentação de Ellen Tejle aqui.
ONU- Mulheres e ativismo feminino
No último painel do dia, a assessora de comunicação da ONU Mulheres, Isabel Clavelin, subiu ao palco para apresentar a agenda 2030 da organização, que tem como um de seus objetivos a igualdade de gênero, sobretudo, na indústria cinematográfica global. Por meio da nova estratégia da ONU Mulheres “Mulheres negras rumo a um planeta 50-50 em 2030”, Isabel trouxe novamente a atenção do público para a questão da ausência de mulheres negras na mídia e o fato de que a dimensão racial é essencial para que o país alcance a paridade de gênero. “Os diálogos que seguem com a ANCINE se dão no contexto de formalização de uma parceria institucional, de construção de um plano de trabalho conjunto e que se inicia por meio das discussões de enfrentamento ao racismo e ao sexismo institucional porque nós sabemos o quanto que essas situações têm impedido as mulheres de assegurar o que está na constituição federal do Brasil que é a igualdade entre os sexos e o impedimento do racismo porque racismo é crime”, finalizou Isabel.
Veja a apresentação completa da representante da ONU Mulheres .
Ao longo do dia, aconteceram ainda intervenções de ativistas de três iniciativas brasileiras recentes, voltadas para a questão da mulher no audiovisual: o “Coletivo Vermelha”, formado por diretoras e roteiristas de São Paulo que buscam compreender o espaço ocupado pelas mulheres no meio audiovisual; o “Grupo Mulheres do Audiovisual no Facebook”, página na rede social que já conta com cerca de 10 mil participantes; e o “Cabíria”, prêmio de roteiro para histórias com protagonistas femininas, que está na sua segunda edição.
O Seminário foi transmitido ao vivo e está disponível em quatro partes no Canal do Youtube da Casa de Rui Barbosa .