Combustíveis sustentáveis para a aviação
A comunidade da aviação estabeleceu metas para reduzir as emissões de dióxido de carbono com o fim de crescer em uma base sustentável, e uma das principais frentes de atuação que garantirá este crescimento sustentável é o incentivo ao uso de combustíveis sustentáveis. Este uso terá que ser eficaz, eficiente e vantajoso do ponto de vista ambiental, social e econômico, e isso carrega consigo diversas variáveis a serem consideradas.
A primeira, e mais importante, é a segurança. O setor de aviação possui requisitos rigorosos para os combustíveis de aviação que vão além das propriedades listadas nas especificações. Juntamente com os requisitos bem reconhecidos do combustível – como a densidade de energia suficiente e a capacidade de permanecer líquido a temperaturas muito baixas, outros requisitos visam a compatibilidade com materiais e a fungibilidade (drop-in) com o combustível comum de aviação.
Os problemas de compatibilidade de materiais incluem compatibilidade com peças metálicas e não metálicas das aeronaves expostas ao combustível, a preocupação com o desgaste prematuro de motores e componentes do sistema de combustível das aeronaves, além da compatibilidade com a infraestrutura de estocagem e distribuição de combustíveis existente. A fungibilidade é necessária devido à natureza global da infraestrutura de abastecimento de aviação, às características dos sistemas de abastecimento de combustível nos aeroportos (que tendem a ter um único sistema de armazenamento e distribuição para todas as aeronaves) e devido ao alto custo e lentidão da renovação da frota de aeronaves.
Assim, a comunidade da aviação está focada em combustíveis alternativos “drop-in” ou fungíveis. Esses combustíveis alternativos são hidrocarbonetos puros (isto é, formados apenas por carbono e hidrogênio) e funcionam de maneira idêntica ao combustível de aviação derivado do petróleo, conforme determinado por critérios bem definidos nas especificações elaborados pelo comitê de normas da ASTM.
Pelo lado da sustentabilidade, há uma busca dos atores da aviação civil pela garantia de que os combustíveis alternativos ao derivado do petróleo que venham a ser usados na aviação tenham garantia de sustentabilidade. Isto significa que a quantidade de emissões de gases do efeito estufa decorrentes do processo de produção do combustível deve ser inferior àquela capturada pelo ciclo de vida do combustível, desde o plantio – no caso dos combustíveis vindos da produção agrícola – até o uso do combustível nos motores das aeronaves. Adicionalmente à necessária redução das emissões considerando o ciclo de vida completo do combustível, deve-se garantir o respeito aos critérios de sustentabilidade da produção.
Desta forma, pode-se entender os dois principais conceitos e duas principais frentes de atuação: os combustíveis alternativos, que são aqueles produzidos a partir de processos e matérias primas não oriundas do petróleo, e os combustíveis sustentáveis, que são combustíveis alternativos que possuem um efeito de redução das emissões de gases do efeito estufa quando somadas todas as emissões do seu ciclo de vida e comparadas às do combustível de origem fóssil.
Requisitos de sustentabilidade de combustíveis elegíveis ao CORSIA
O CORSIA exige que as emissões de um operador aéreo que excedam uma linha de base devem ser compensadas por meio de créditos de carbono ou pelo uso de combustíveis elegíveis ao CORSIA (CEF). Dessa forma, faz-se necessário que o valor das emissões evitadas pelo uso de CEF seja bem definido. Nessa linha, o CAEP desenvolveu uma metodologia que permite aos operadores obter as emissões totais no ciclo de vida para cada tipo de CEF em termos da massa de CO2 equivalente emitido por unidade de energia obtida. A diferença entre esse valor e o original proveniente da queima do querosene de origem fóssil (89 gCO2e/MJ) leva às emissões totais evitadas com o uso de CEF para os fins do CORSIA.
Existem dois tipos de CEF: os Combustíveis Sustentáveis de Aviação (Sustainable Aviation Fuels – SAF) e os Combustíveis de Aviação com Menos Carbono (Lower Carbon Aviation Fuels – LCAF). Especificamente para SAF, as emissões totais no ciclo de vida são compostas por dois elementos principais: o Core Life Cycle Assessment (core LCA) emissions, que inclui emissões relativas ao cultivo, colheita, coleta, recuperação, processamento, extração, transporte e conversão de matéria-prima, além do transporte e distribuição do combustível e da própria combustão em um motor de aeronave; e o Induced land-use change (ILUC) emissions, que considera as emissões resultantes da mudança do uso da terra, ou seja, avalia a quantidade de GEE emitida pela conversão da vegetação nativa, carbono orgânico do solo, oxidação de turfeiras e sequestro de biomassa.
Os valores padrão de emissões no ciclo de vida para algumas rotas produtivas de SAF já estão definidos e publicados no documento da ICAO intitulado CORSIA Default Life Cycle Emissions Values for CORSIA Eligible Fuels (clique no link para acessar a página da OACI na qual o documento em sua versão mais recente pode ser encontrado). Neste documento são elencadas as rotas produtivas e respectivas matérias-primas já avaliadas acompanhadas dos respectivos valores de emissão no ciclo de vida tanto para core LCA quanto para ILUC. Os números ainda variam com a região de produção, sendo que para o Brasil, já temos valores calculados para diversas rotas (valores em gCO2e/MJ).
É facultado aos produtores de SAF o cálculo das próprias emissões do seu ciclo produtivo, e as orientações para isto estão contidas no documento CORSIA Methodology for Calculating Actual Life Cycle Emissions Values (clique no link para acessar a página da OACI na qual o documento em sua versão mais recente pode ser encontrado). Ao processo produtivo que optar por seguir um método que considere práticas de baixo risco de mudança do uso da terra (Low Land Use Change (LUC) Risk Practices), tais como o aumento de produtividade e o plantio em terras não utilizadas anteriormente, é dado um valor de ILUC equivalente a zero, o que significa que o combustível produzido de acordo com estas práticas possuirá emissões em seu ciclo de vida reduzidas, o que levará a um maior benefício ambiental e mais reduções no CORSIA pelos operadores que utilizarem estes SAF.
Ademais do cálculo das emissões de CO2 associadas aos combustíveis, o processo produtivo do combustível deve atender a critérios de sustentabilidade, que podem ser encontrados no documento CORSIA Sustainability Criteria for CORSIA Eligible Fuels (clique no link para acessar a página da OACI na qual o documento em sua versão mais recente pode ser encontrado).
Fóruns de atuação
Existem duas frentes de atuação no tema de combustíveis sustentáveis de aviação: a certificação técnica do combustível, que busca garantir a segurança e a distribuição do combustível, e a certificação de sustentabilidade do combustível, que busca garantir um efeito positivo nas emissões.
Para a primeira certificação, o fórum que está à frente das discussões é o comitê D02 da ASTM International, que é o responsável pela especificação ASTM D1655, do combustível Jet-A1. O Órgão brasileiro que acompanha de perto estas discussões é a ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. A ANP, por sua vez, avalia e incorpora as especificações de combustíveis alternativos de aviação para internalizar esta norma ASTM D1655.
Para a certificação de sustentabilidade, o fórum de discussão do qual a ANAC participa é o Comitê de Proteção Ambiental da Aviação (CAEP) da Organização de Aviação Civil Internacional (OACI). A estrutura e o funcionamento deste comitê estão explicados na página dedicada ao CAEP.
O CAEP possui diversos subgrupos, e dentre eles o Fuels Task Group (FTG) é o responsável pelas discussões deste tema. O FTG foi instituído para dar continuidade aos trabalhos do Alternative Fuels Task Force (AFTF). O resultado destas discussões é avaliado pelo comitê, passa por um fluxo de aprovações na OACI, e é então incorporado ao Volume IV do Anexo 16 à Convenção de Chicago. Posteriormente, ele é incorporado à regulamentação da ANAC.
A nível nacional, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) criou o programa Combustível do Futuro com o objetivo de priorizar o uso de fontes alternativas de energia e fortalecer o desenvolvimento tecnológico nacional na área de combustíveis sustentáveis. A ANAC compõe um grupo de quinze órgãos coordenados pelo Ministério de Minas e Energia denominado Comitê Técnico do Combustível do Futuro. O comitê será responsável por propor a metodologia de avaliação do ciclo de vida completo dos combustíveis, por recomendar medidas para aproximação dos combustíveis de referência aos combustíveis efetivamente utilizados pelo consumidor, assim como sugerir ações para fornecer ao cidadão informações adequadas para a escolha consciente do veículo em relação aos aspectos de eficiência energética e ambiental. O Querosene de Aviação Sustentável está no rol de combustíveis que serão tratados neste comitê.
Finalmente, como instância de participação social, a ANAC construiu a Rede Ambiental da Aviação, instância consultiva aberta à participação de representantes do setor público, privado e sociedade civil, com a finalidade de apresentar estudos, compartilhar dados e propor iniciativas voltadas à promoção da sustentabilidade ambiental da aviação civil brasileira, engajando o setor e toda a sociedade rumo a uma aviação mais verde, socialmente responsável e em sintonia com os consensos internacionais estabelecidos em temática ambiental.
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