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Saiba como a AGU atua para evitar impacto bilionário com indenizações a usinas
A Advocacia-Geral da União (AGU) evitou no Superior Tribunal de Justiça (STJ) um prejuízo de R$ 304,6 milhões aos cofres públicos em mais um processo envolvendo o setor sucroalcooleiro e a política de preços fixados adotada no final da década de 1980. Liminar concedida no último dia 11 de março em reclamação apresentada pela União garantiu que os valores considerados devidos à Sociedade Brasileira Refinadora de Açúcar não fossem executados antes de cálculo detalhado da indenização à usina.
A reposição de danos sofridos por usinas devido à fixação de preços pelo Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) no governo do então presidente José Sarney é objeto de diversas ações na Justiça que vão desde a primeira instância ao STJ, passando por decisões transitadas em julgado de tribunais regionais federais.
Estima-se que haja mais de 270 processos tramitando em todas as cinco regiões, com cifras que geralmente ultrapassam as centenas de milhões de reais em cada ação. Dentre os processos identificados pelo Departamento de Serviço Público da Procuradoria-Geral da União, pouco mais de 200 são relativos ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Cerca de 60 processos foram identificados como de especial relevância nos últimos anos e estão recebendo atenção prioritária da Coordenação-Geral de Atuação Estratégica (CGAEST) do departamento. Em valores não atualizados e referentes a diferentes datas, os danos materiais questionados pelas usinas somente nessas ações ultrapassam os R$ 32 bilhões.
No processo movido pela Copersucar contra a União, por exemplo, estão sendo cobrados R$ 16 bilhões. A ação gerou o precatório considerado maior da história do Brasil. Já o caso em que a usina Borborema Agro Industrial e outras empresas moveram contra a União envolvia R$ 6,5 bilhões em janeiro de 2004, antes de a ação se desmembrar em outras 25 cobranças. Em processo de falência, a empresa Laginha Agro Industrial pede a indenização de cerca de R$ 1,7 bilhão, atualizados em 2013.
Comprovação de prejuízo
A AGU defende que, para receber os valores, não basta as usinas apresentarem cálculo levando em conta o preço imposto pelo IAA e o custo de produção estipulado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) à época, como querem as usinas; é preciso que as empresas apresentem documentos contábeis que comprovem que tiveram algum prejuízo – entendimento que já foi acolhido pelo STJ.
E foi com base nele que o ministro Sérgio Kukina suspendeu provisoriamente os efeitos de acórdão da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que havia determinado a execução do julgado favorável à Sociedade Brasileira Refinadora de Açúcar. Ele acolheu os argumentos da AGU de que a decisão do TRF-1 não respeitou o acórdão do STJ, que vem sendo utilizado como jurisprudência.
"O título exequendo, mesmo contando com perícia então realizada na fase de conhecimento, em nenhum momento definiu o valor do principal devido à usina interessada", observou o magistrado em trecho da decisão.
Atuando no maior número de ações relativas ao assunto, a Procuradoria-Regional da União da 1ª Região também reverteu danos ao erário em ação rescisória que impediu o repasse de R$ 314,5 milhões à Usina Bom Jesus. Com base na mesma fundamentação e argumentando o impedimento de dois desembargadores que participaram de outras fases da ação, a AGU obteve liminar favorável junto ao TRF1, que vinha adotando interpretação contrária à União.
Advogado da União que faz parte da CGAEST da PRU1, Fábio Esteves Veiga Rua explica que o processo se originou de uma ação encabeçada pela usina Borborema Agro Industrial que se desmembrou em 25 pedidos de indenização diferentes, com cada empresa atuando no polo ativo. "Essa estratosférica quantia de R$ 314 milhões foi obtida mediante a mera atualização da perícia realizada no processo de conhecimento", disse, lembrando que o montante estava prestes a ser pago à usina.
Risco
Fábio Esteves alerta que um dos principais problemas envolvendo os processos do setor é o risco de as usinas não conseguirem devolver os recursos após a execução, uma vez que muitas se encontram em situação econômica ruim. "A União acredita que a decisão nessa ação rescisória seja um marco para que ocorra uma mudança na perspectiva dos julgadores, afim de que seja efetivamente aplicada a tese do recurso julgado pelo STJ e que não ocorra mais qualquer tipo de interpretação dúbia ou equivocada da corte regional", completa.
Alexandre Dantas Coutinho Santos, que também atua na CGAEST, explica que há ações que já passaram da fase de conhecimento, mas os autores não apresentam cálculos exatos na liquidação. "Nós estamos dando uma atenção especial porque vemos que há muitos erros nestes processos. Há chance de fazer novas perícias e ver se esses valores astronômicos que a União está sendo condenada a pagar correspondem à realidade", diz.
"Entendemos que nesses processos só houve a apuração do dano econômico, ou seja, a frustração dos lucros das usinas. Elas alegam que se tivessem vendido a um preço maior, teriam conseguido ganhar mais. Há vários problemas nisso, pelo fato de que se elas tivessem vendido a um preço maior, não teriam vendido a mesma quantidade de mercadoria, pela lei da oferta e da demanda", complementa.
O julgamento em que o STJ definiu que as usinas precisavam demonstrar o efetivo prejuízo para serem indenizados ocorreu em 2013. No âmbito do Recurso Especial Repetitivo 1.347.136/DF, ficou entendido que o mero cálculo da diferença entre o preço praticado pelas empresas e os valores estipulados pelo IAA e pela FGV não é admissível, o que acabou impossibilitando indenizações em caráter "hipotético ou presumido".
Elementos
Dentre os elementos contábeis que a usina precisa apresentar para comprovar o prejuízo, estão despesas com mão-de-obra, insumos, energia elétrica, transportes, administração, tributos e depreciação. Saulo Lopes Marinho, do Departamento de Serviço Público da Procuradoria-Geral da União, lembra que um dos primeiros processos que chegou ao STJ após o precedente foi julgado pela 1ª Turma em 2017 e acabou com a determinação para que os autos voltassem à origem para que os prejuízos fossem efetivamente demonstrados.
De acordo com ele, o objetivo é evitar que a União pague sem a comprovação do dano e indistintamente "com base em aspectos abstratos que não abarcam a realidade específica de cada usina". O advogado da União comemora o fato de o STJ vir chancelando recentemente a necessidade de as usinas enfrentarem um processo de liquidação para apurarem o real dano com base, inclusive, nas realidades regionais.
"A União continua insistindo que é preciso liquidar, sob pena de correr o risco de pagar valores de um dano que pode não ter existido. Anuladas as execuções e retornados os autos à fase de liquidação, precatórios eventualmente depositados em juízo retornam aos cofres para serem reinvestidos em políticas públicas que se revertem ao cidadão. Então é um dos papéis primordiais da AGU: garantir o abastecimento dos cofres públicos e evitar essa sangria, para que haja mais recursos para o gestor concretizar qualquer tipo de política pública, seja em educação, saúde ou segurança, que seja do interesse do cidadão", conclui.