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ALCÂNTARA
Mediação liderada pela AGU assegura acordo entre comunidades quilombolas de Alcântara e Programa Espacial Brasileiro
Foto: Renato Menezes (ASCOM/AGU)
A União e as comunidades quilombolas de Alcântara (MA) chegaram a um acordo, em processo de conciliação mediado pela Advocacia-Geral da União (AGU), que põe fim a 40 anos de disputa em torno do reconhecimento e da titulação do território quilombola contíguo ao centro de lançamentos espaciais localizado no município maranhense.
Assinado nesta quinta-feira (19/09) em cerimônia em Alcântara, o acordo vai permitir a titulação de uma área de 78.105 hectares como território quilombola. O Termo de Compromisso prevê que as comunidades quilombolas declaram sua concordância com o funcionamento do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) na área (de 9.256 hectares) onde está instalado, e se comprometem a não apresentar novos questionamentos quanto a esse tema, respeitando a destinação da área do CLA feita pela União.
Durante o ato, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, disse que vinha tentando resolver o problema da titulação desde 2003 e, passado tanto tempo, e com tantos esforços, hoje é um dia de agradecer. “Marquem o dia de 19 de setembro de 2024, porque a história de Alcântara mudou, e a história do povo de Alcântara vai mudar. Agora que nós conseguimos regularizar as centenas de comunidades, temos a obrigação de dar sequência à titularização assinada hoje”, complementou o presidente.
Presente à cerimônia, o advogado-geral da União, Jorge Messias, comemorou o consenso firmado entre a União e o povo quilombola. “Ser advogado é fazer justiça, e é isso que estamos fazendo aqui hoje. (...) O ato hoje aqui que estamos fazendo não é só a derrubada de muros. Foram construídos muros invisíveis, e essa população não podia entrar na terra que lhes pertencia. Eu quero dizer para vocês o seguinte: podem bater no peito agora. A partir do decreto que o presidente assinar, vocês vão poder dizer: essa terra é minha agora”, afirmou.
No entanto, Messias também destacou que isso é apenas o princípio. “O acordo coloca só as bases da casa. Agora a gente precisa construir as paredes, o telhado, que é trazer posto de saúde, que é trazer escola, que é trazer o Minha Casa Minha Vida para esse povo. (...) É a partir desse decreto que a gente vai conseguir fazer com que todas essas melhorias cheguem ao povo de verdade”, completou.
Delimitação do Território Quilombola
Na cerimônia também foi assinada a Portaria de Reconhecimento e Delimitação do Território Quilombola de Alcântara, etapa prévia à titulação das terras na localidade. A área de 78 mil hectares corresponde à totalidade do território delimitado pelos estudos do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), procedimento prévio à portaria de reconhecimento.
Pelo acordo, a área de 12.645 hectares na faixa litorânea ao norte do CLA, que era objeto de controvérsia sobre sua destinação, passará a integrar a área que será titulada como território quilombola. Esse trecho do terreno foi alvo de manifestação de interesse do Ministério da Defesa para sua utilização pelo Programa Espacial Brasileiro (PEB), visando à expansão futura da área de lançamentos. O duplo interesse na área gerou o impasse que postergou a titulação das comunidades.
Agora, o acordo confere segurança jurídica à utilização do Centro de Lançamento de Alcântara e à destinação da área para o desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro (PEB). Além disso, o avanço tecnológico do setor aeroespacial levou à miniaturização dos satélites e lançadores, o que fez com que a área de 9 mil hectares, que hoje abriga o CLA, permita a expansão do programa espacial.
O acordo fixa prazo de 12 meses para que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) inicie a titulação do território, outorgando o título de domínio das áreas às comunidades quilombolas. Essa é a última etapa do processo de regularização do território quilombola.
Após a celebração do acordo, o Termo de Conciliação será apresentado ao Poder Judiciário brasileiro e a organismos internacionais para o encerramento de litígios que envolvam a titulação do território quilombola de Alcântara, como em processos movidos pelas comunidades quilombolas de Alcântara na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) e na Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Reconhecimento
Em abril de 2023, o Estado brasileiro reconheceu, de forma oficial, a violação dos direitos de propriedade e de proteção jurídica das comunidades quilombolas de Alcântara. O posicionamento do Estado Brasileiro foi manifestado pelo advogado-geral da União, Jorge Messias, durante audiência pública da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), em Santiago, no Chile.
A nova posição brasileira passou a refletir as diretrizes do atual governo de buscar uma solução definitiva para a questão que assegure os direitos das comunidades ao território e, ao mesmo tempo, possibilite a continuidade do Programa Espacial Brasileiro, por meio do desenvolvimento do Centro de Lançamento da Alcântara.
Como tudo começou
O Centro de Lançamento de Alcântara foi criado em 1983, portanto antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, que reconheceu os direitos das comunidades quilombolas à titulação de suas terras. Nessa área viviam desde o início do século XVIII, de quando datam os primeiros registros administrativos sobre quilombos na região, comunidades negras rurais, posteriormente reconhecidas como comunidades quilombolas.
Em 1986 teve início o processo de deslocamento das famílias que viviam na área litorânea desapropriada, que foram reinstaladas em agrovilas rurais criadas no interior do município. Foram realocadas 312 famílias, que se dividiam em 32 comunidades.
Em 2008 foi concluído o trabalho técnico de delimitação do território quilombola. O Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) reconheceu uma área de 78 mil hectares onde viviam, aproximadamente, 152 comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares, totalizando cerca de 3.350 famílias. O RTID excluiu do território quilombola a área de 9 mil hectares ocupada desde a década de 1980 pelo Centro de Lançamento de Alcântara.
O RTID consiste nos trabalhos realizados para identificar e delimitar o território reivindicado pelos remanescentes das comunidades dos quilombos. O relatório aborda informações cartográficas, fundiárias, agronômicas, ecológicas, geográficas, socioeconômicas, históricas e antropológicas.
Após a publicação do RTID, o Ministério da Defesa declarou a existência de interesse do Programa Espacial Brasileiro na utilização de 12 mil hectares situados na faixa litorânea ao norte do CLA, visando à expansão futura da área de lançamentos.
Como o acordo foi possível
Em abril de 2023 foi criado o Grupo de Trabalho Interministerial - GTI Alcântara, com o objetivo de mediar a conciliação entre as partes, de forma a garantir os direitos das comunidades quilombolas e ao mesmo tempo permitir o desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro.
As negociações do GTI Alcântara foram lideradas pela Advocacia-Geral da União (AGU). O grupo era composto por representantes dos ministérios do governo federal e por representantes das comunidades quilombolas. O grupo realizou seis reuniões presenciais, incluindo uma visita a Alcântara. Os trabalhos do GTI foram fundamentais para gerar os subsídios que levaram à assinatura do acordo na data de hoje.
Cooperação técnica
Na mesma ocasião, o advogado-geral da União, Jorge Messias, também firmou cooperação técnica com o Tribunal Regional Federal da 1ª Região e com o Tribunal de Justiça do Maranhão, para instituir grupo de trabalho com o objetivo de promover a solução consensual de conflitos dessa natureza no município de Alcântara, envolvendo povos tradicionais.
Assessoria Especial de Comunicação Social