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Avaliação Ambiental de Área Sedimentar não pode inibir licenciamento de empreendimentos de petróleo e gás natural, diz AGU
- Foto: Freepik
A Advocacia-Geral da União (AGU) publicou parecer no qual conclui que a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) não é indispensável e tampouco pode obstar a realização de licenciamento ambiental de empreendimentos de exploração e produção de petróleo e gás natural no país.
A manifestação ocorreu em resposta a solicitação realizada em julho deste ano pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, relativa ao processo de licenciamento para a perfuração do bloco FZA-M-59, localizado na chamada Margem Equatorial, a 175 quilômetros da foz do Rio Amazonas, no norte do país. O bloco foi leiloado em 2013 pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), na 11ª Rodada de Licitações aberta para concessão do direito de exploração e produção desses insumos.
De acordo com o Ministério de Minas e Energia (MME), em maio deste ano o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) indeferiu licença para a perfuração do poço no bloco. Segundo a pasta, os principais argumentos listados pelo órgão para a rejeição do pedido foram: a) necessidade de realização de estudos de caráter estratégico (AAAS) na bacia da foz do Amazonas; b) eventuais impactos sobre comunidades indígenas devido ao sobrevoo de aeronaves entre o Aeródromo do Oiapoque/AP e o local do Bloco FZA-M-59; e c) tempo de resposta e atendimento a fauna atingida por óleo, em caso de vazamento.
Diante da negativa, e por discordar da compreensão dada pelo órgão ambiental a dispositivos normativos aplicáveis ao caso, o MME solicitou à AGU que realizasse a interpretação de tais normas em caráter de urgência “diante da relevância da discussão para os investimentos nesse importante projeto, inclusive no que toca aos aspectos econômicos, sociais e ambientais”.
A análise foi realizada pela AGU, por meio da Consultoria-Geral da União (CGU), com base no artigo 4º, inciso X, da Lei Complementar nº 73/93. O dispositivo estabelece como atribuição da Advocacia-Geral da União “fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal”.
Precedentes do STF
O entendimento estabelecido por meio do parecer da AGU é reconhecido em manifestações de áreas jurídicas de órgãos federais ligados ao assunto, e também foi encampado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamentos recentes. Na apreciação das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs nº 825 e nº 887), a Corte decidiu que a viabilidade ambiental de um empreendimento deve ser atestada no próprio licenciamento, e não por meio de AAAS.
Nos precedentes mencionados, o STF expressa a compreensão de que é no procedimento de licenciamento ambiental que são aferidos “de forma específica, aprofundada e minuciosa, a partir da Lei nº 6.938/1991, os impactos e riscos ambientais da atividade a ser desenvolvida”.
Para a AGU, a legislação vigente, incluindo a Portaria Interministerial MME MMA n.º 198, de 5 de abril de 2012, é clara ao fazer a distinção entre AAAS e licenciamento ambiental. O primeiro é instrumento que confere subsídios informativos e de caráter geral ao processo de planejamento estratégico no rito de outorga de blocos exploratórios de petróleo e gás natural. Trata-se de uma avaliação prévia à licitação de concessão dos blocos sobre a aptidão de determinada região com potencial de exploração de petróleo e gás. O licenciamento ambiental, por sua vez, é um procedimento da política nacional de meio ambiente, utilizado para avaliar a viabilidade de projetos específicos, a partir de identificação de impactos potenciais associados aos projetos.
No documento, a AGU recorda que, também de acordo com o artigo 27 da Portaria Interministerial MME MMA n.º 198/2012, a AAAS pode até mesmo ser substituída por manifestação conjunta das duas pastas. Esse aspecto também foi analisado no parecer em razão de um questionamento realizado por órgãos ambientais sobre a necessidade de reedição dessa manifestação conjunta a cada cinco anos.
Para a AGU, a única interpretação aceitável desse dispositivo é que a validade de cinco anos para a manifestação conjunta vale apenas para as áreas que ainda não foram outorgadas, nem submetidas à AAAS, até que o processo se estenda a todas as áreas sedimentares do país. Ou seja, como a área do Bloco FZA-M-59 foi outorgada, não há, segundo a AGU, necessidade de reedição da manifestação: “O IBAMA sempre entendeu ser desnecessária a renovação da manifestação conjunta para os blocos que foram arrematados. (...) não fazendo sentido à época - como não faz sentido fazê-lo hoje -, exigir nova Manifestação Conjunta para bloco já outorgado”, assinala a instituição no parecer.
Conciliação
Além de fixar a interpretação relativa à dispensabilidade do AAAS para o licenciamento ambiental, a AGU também encaminhou à Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal (CCAF) solicitação de abertura de processo administrativo de conciliação entre os órgãos federais envolvidos no assunto. O objetivo da medida é buscar a resolução consensual dos demais pontos divergentes relativos ao caso, incluindo os levantados pelo Ibama na negativa do licenciamento sobre os impactos de sobrevoos para as comunidades indígenas e o plano de proteção à fauna.
Unidade da CGU/AGU, a CCAF é responsável por realizar processos de solução consensual de conflitos que envolvem órgãos da administração pública direta, autarquias ou fundações federais, e entre esses órgãos e os particulares, incluindo empresas privadas e públicas.
A Câmara possui experiência acumulada desde 2007, ano de sua criação, na resolução de controvérsias no setor público. Suas mediações têm obtido bons resultados, inclusive em casos de conflitos ambientais que extrapolaram o âmbito meramente jurídico, abrangendo o domínio de conhecimento técnico especializado.
Em várias das mediações realizadas pela Câmara foi possível equilibrar a proteção ambiental com outros aspectos. Em 2018, por exemplo, a CCAF viabilizou acordo entre o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e indígenas Kaingang que garantiu aos moradores de três aldeias a coleta sustentável de recursos naturais em área da Floresta Nacional Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, sob gestão do ICMBio. Já em 2021, outra mediação possibilitou que a Universidade Federal do Paraná (UFPR) e o Ibama chegassem a um entendimento sobre a possibilidade de a instituição de ensino utilizar espécimes de fauna exótica para fins científicos.
Com o envio à CCAF do caso relativo à Margem Equatorial, os gestores da Câmara seguirão o rito definido para as conciliações que ocorrem no âmbito da unidade. Deverão, portanto, convidar, nos próximos dias, consultores jurídicos e representantes da alta gestão dos ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente e Mudança do Clima, além dos demais órgãos públicos e empresas públicas ou privadas envolvidas com o assunto, para conversas unilaterais com o objetivo de observar a viabilidade da proposta negocial, a voluntariedade das partes, e também realizar as primeiras análises de risco relativas ao caso.
Concluída essa etapa inicial, e verificada a viabilidade da conciliação, a CCAF realiza a admissibilidade, emitindo parecer pela instauração do procedimento administrativo de resolução consensual de conflito. O rito do procedimento tem previsão no art. 32 da Lei nº 13.140/2015, norma que regulamenta a mediação como meio de solução de controvérsias no âmbito da administração pública, e também em normativos internos da AGU.
A solução consensual eventualmente produzida na CCAF no caso pode ser, ao final, formalizada em Termo de Conciliação, que, após os processos de validação, passa a ter natureza de título executivo extrajudicial.
Para fazer a análise das normas incidentes sobre o objeto do parecer, a AGU solicitou manifestações sobre o caso às áreas jurídicas de todos os órgãos envolvidos com o tema, entre os quais o MMA e MME. Do mesmo modo, realizou reuniões com representantes desses órgãos com o propósito de ouvir opiniões e esclarecer aspectos relativos ao assunto. O parecer ficou a cargo da Coordenação-Geral de Políticas Públicas (DECOR/CGU/AGU).