PNDD
AGU pede remoção de canais que vendem certificados de vacinação no Telegram
- Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
A Advocacia-Geral da União (AGU) ingressou nesta quinta-feira (05/10), na Justiça Federal do Amazonas, com ação judicial para obrigar o Telegram a remover canais nos quais teorias conspiratórias sobre vacinação são disseminadas e a adulteração de certificados de vacinação, os chamados “passaportes vacinais”, é comercializada.
Elaborada pela Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia (PNDD), a petição também pede que a plataforma de troca de mensagens seja obrigada a fornecer informações sobre os administradores de tais canais (como nome, e-mail e telefone) para possibilitar posterior responsabilização administrativa, civil e criminal, além de solicitar à Justiça que considere interromper o funcionamento do serviço no país caso eventual decisão acolha o pedido da AGU e seja descumprida.
Na ação, a AGU lembra que a remoção de conteúdo por ordem judicial está prevista no Marco Civil da Internet (art. 19) e identifica 87 canais que veiculam conteúdo prejudicial à política pública do Programa Nacional de Imunizações em razão da venda do serviço de inserção de informações falsas sobre vacinação dos interessados nos cadastros oficiais do ConecteSUS (crime previsto no artigo 313-A do Código Penal), bem como por meio da disseminação de teorias conspiratórias que desincentivam a imunização e da promoção de curandeirismos e charlatanismos diversos (crime previsto nos arts. 283 e 284 do Código Penal) que podem, inclusive, colocar em risco a saúde da população.
Burlando exigências
Em um dos canais objeto da ação, por exemplo, administradores tentam atrair compradores afirmando que o pagamento pelo serviço de inserir certificados de vacinação falsos no sistema do ConecteSUS pode ser feito após o interessado confirmar por si próprio que o registro foi adulterado. Em outro, são compartilhados testemunhos de clientes elogiando o serviço e gabando-se de terem burlado exigências de vacinação feitas por empregadores, instituições de ensino e até mesmo organizadores de competições esportivas.
A PNDD alerta em trecho da petição que “quando uma proporção significativa da população não é vacinada, a imunidade coletiva é comprometida, o que facilita a propagação de doenças, a ocorrência de mutações e o consequente surgimento de cepas mais perigosas (e resistentes) dos patógenos para os quais as vacinas imunizam”. Ainda segundo a procuradoria, “isto aumenta o risco de surtos de doenças preveníveis por vacinação, gera um custo para o Estado associado ao seu tratamento (a prevenção possui custo-benefício muito superior ao tratamento da pessoa já adoecida), e coloca em perigo a vida das pessoas, especialmente aquelas que não podem ser vacinadas devido a condições médicas subjacentes”.
Risco à vida e à saúde
Além disso, destaca a AGU, a disseminação de teorias conspiratórias contra vacinas, como a de que elas causariam doenças e mutações, incentiva pessoas a correrem riscos desnecessários e adotarem condutas prejudiciais à própria saúde. Um dos canais citados pela Advocacia-Geral da União, por exemplo, dissemina conteúdos segundo os quais a ingestão de dióxido de cloro (utilizado em produtos de limpeza) serviria para “desintoxicar” pessoas que tomaram vacinas.
Em alguns dos casos, alerta a PNDD, a desinformação tem claro propósito de proporcionar lucro aos disseminadores do conteúdo, que redirecionam para sites e contatos que comercializam tratamentos e produtos diversos para minimizar os alegados efeitos adversos dos imunizantes.
“A liberdade de expressão é um direito fundamental protegido pela Constituição e um pilar da democracia, mas como qualquer outro, não se trata de um direito absoluto”, pondera a AGU em outro trecho da petição. “Seu exercício irresponsável pode resultar em consequências prejudiciais à sociedade, especialmente quando se divulgam informações que afetam a saúde pública e o bem estar dos cidadãos, colocando em risco a saúde das pessoas, o que impacta direta e negativamente o direito fundamental à vida”, completa.
A AGU destaca ainda que, em alguns dos canais citados na ação, além da desinformação sobre vacinas e da venda ilegal de passaportes vacinais, circulam livremente outros conteúdos ilícitos, de teor antissemita, de apologia ao nazismo e racista.
Foro
Com o auxílio de dados do DATASUS, a AGU alerta na petição que houve no país inteiro uma queda da cobertura vacinal nos últimos anos – resultado justamente da redução do interesse da população pelo procedimento em virtude da disseminação de teorias conspiratórias sobre os imunizantes. Neste contexto, a Região Norte do país é a que hoje apresenta as menores taxas de vacinação – razão pela qual é representativa do prejuízo causado pela disseminação de desinformação sobre o assunto e é a mais adequada para processar o feito.
“Neste esteio, a União compreende ser importante, considerados os objetivos da presente ação e os ilícitos ora descritos, que a presente ação seja processada em localidade em que os prejuízos à política pública se revelam proeminentes (isto é, o foro onde é notável o prejuízo ocorrido à execução da política, e que corresponde ao local onde mais claramente os danos da desinformação se fazem perceber), o que pode ser aferido por meio da queda das taxas de cobertura vacinal no País”, explica a Advocacia-Geral da União em trecho da ação.
Descaso com o Judiciário
Por fim, a PNDD ressalta na ação que o Telegram mantém postura notoriamente tolerante com conteúdos ilícitos em seus canais e se orgulha publicamente de estar organizado a nível internacional de modo a dificultar o fornecimento de informações a qualquer governo no mundo – o que inclusive levou o serviço da plataforma a ser suspenso no Brasil em abril deste ano, após a empresa ter se negado a disponibilizar dados de integrantes de grupos neonazistas que estariam utilizando o aplicativo de mensagens para recrutar adolescentes no Maranhão. Por esta razão, a AGU pede que, no caso de descumprimento de eventual liminar proferida nos autos do processo, o juízo suspenda temporariamente as atividades da aplicação no Brasil – penalidade também prevista no Marco Civil da Internet (art. 12, III).