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AGU obtém liminar para demolição de obra irregular que coloca em risco terreiro de Salvador (BA) tombado como patrimônio cultural
- Foto: Reprodução Instagram
A Advocacia-Geral da União (AGU) obteve, na Justiça Federal da Bahia, liminar determinando a demolição parcial de uma obra irregular erguida ao lado do terreiro Casa Branca, Ilê Axé Iá Nassô Ocá, em Salvador (Bahia), que corre risco de desabar e danificar o espaço religioso, tombado como patrimônio cultural brasileiro.
A decisão foi obtida no âmbito de uma ação civil pública movida pela AGU na representação judicial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). No processo, foi pedida tutela de urgência para que fosse determinada a demolição total ou parcial do imóvel irregular; a remoção de eventuais moradores do imóvel e fechamento das janelas e vãos do imóvel, que retiram a privacidade do funcionamento do terreiro; além da intimação da Defesa Civil e do Corpo de Bombeiros para realização de vistoria e elaboração de laudo sobre as condições da construção irregular.
A AGU enfatizou no pedido que a edificação de cinco andares, que vem sendo construída nos últimos quatro anos, corre risco de desmoronamento, oferecendo riscos estruturais que podem macular a integridade e segurança dos usuários, além da própria edificação sagrada. Também salienta que a obra não tem projeto arquitetônico nem estrutural.
Os procuradores federais que atuaram no caso também explicaram que o terreiro de candomblé possui grande relevância histórica e cultural, tendo sido tombado tanto o âmbito do município de Salvador, quanto na esfera federal. Foi enfatizado que os “conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico” integram os patrimônios culturais, cabendo ao Poder Público a sua proteção, como determina a Constituição Federal.
Normas descumpridas
A AGU também ponderou que nos arredores de coisa tombada não é possível fazer qualquer construção sem prévia autorização do Iphan. No entanto, no caso discutido nos autos, o réu não apenas realizou a obra no entorno do terreiro sem a chancela da entidade pública, como chegou a invadir parte do terreno do bem tombado, além de ter desrespeitado a legislação municipal que impõe a restrição de imóveis com até dois pavimentos na região.
A ação foi feita em conjunto por diversas unidades da AGU, incluindo Procuradoria Federal junto ao Iphan, Procuradoria Federal no Estado da Bahia, Procuradoria-Regional Federal da 1ª Região e a Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente.
A Justiça Federal da 1ª Região acatou os argumentos da AGU, determinando liminarmente a interrupção imediata de qualquer obra no imóvel e que o réu apresente, no prazo de 30 dias, projeto de engenharia para demolição dos dois pavimentos superiores. O projeto deverá ser submetido ao Iphan e ao município de Salvador para aprovação, tudo sob pena de multa e de outras sanções processuais caso necessário.
Proteção do patrimônio cultural
A procuradora-chefe do Iphan, Mariana Karam, destaca a relevância da decisão. “Foi resultado direto dessa maturidade institucional e do incansável trabalho que vem sendo desempenhado para a efetiva proteção do patrimônio cultural brasileiro, material e imaterial, incluindo sua perspectiva que busca dar voz e direitos a patrimônios culturais que, apesar de extremamente valiosos na construção da história de nosso país, costumam ser esquecidos e tanto precisam de nosso apoio e proteção jurídica”, disse. “O ajuizamento desta ação civil pública pelo Iphan foi resultado da sinergia própria da advocacia pública federal, que se mostra atenta às preocupações dos gestores públicos e às demandas dos destinatários das políticas públicas, e consegue trabalhar em suas diversas esferas institucionais para atingir o resultado pretendido”, acrescentou.
Na mesma linha, o procurador federal Paulo Fernando Pereira, que também é da PF/Iphan e atuou no caso, enfatiza que a atuação da AGU foi fundamental "porque demonstra nova postura do Estado brasileiro em relação à defesa do patrimônio afro-brasileiro, essencial para a construção da imagem do Brasil enquanto Nação, pois o Terreiro Casa Branca é um dos símbolos mais representativos da cultura nacional".
O terreiro
De acordo com informações do Iphan, o Casa Branca, Ilê Axé Iá Nassô Ocá é o primeiro terreiro de que se tem notícia no Brasil e o primeiro tombado pelo instituto. Ele foi reconhecido como Patrimônio Cultural Brasileiro e inscrito nos livros do Tombo Histórico e Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico em 1984. O tombamento inclui uma área de 6.800 metros quadrados com edificações, árvores e objetos sagrados. Conforme relatos da primeira metade do século XIX, foi instalado na época no subúrbio de Salvador por comunidade que fugia da perseguição religiosa mais intensa em pontos mais centrais da cidade.